Jorge Lage |
2- A chegada da Primavera Celta – O
calendário Celta das estações do ano deixava passar quarenta dias sobre os
solstícios e equinócios para iniciar uma nova estação. Assim, depois de uma
quarentena sobre o equinócio de Outono, iniciava-se o novo ano Celta no
primeiro de Novembro (Samhain o festival da passagem do velho para o novo ano),
começando o Inverno que se prolongava até final de Janeiro. A Primavera
iniciava-se dia 1 de Fevereiro, 40 dias após o solstício de Inverno e indo até
final de Abril. Era o Imbolc ou festa do fogo (luz, sol e fogueiras) a que os
cristãos contrapuseram o S. Braz, mantendo as fogueiras. Dia 1 de Maio (Beltane
outro grande festival) principiava o Verão, sendo o mês da frutificação, daí
implorar-se às divindades (deusa Maia, Mãe Natureza) para que o ano corra bem
para as pessoas, animais e colheitas. Ainda, 40 dias após o solstício de Verão,
entrava-se no Outono a 1 de Agosto. Curioso é saber-se que na Irlanda a
população continua a seguir o calendário Celta. O cristianismo tentou apagar
estes traços da nossa cultura, colocando Jesus Cristo, os santos e arcanjos
nestas datas festivas celtas. O dia de Todos-os-Santos, o nascimento de Cristo
(deve ter ocorrido perto da Páscoa) com a fogueira purificadora, o Mês de Maria
em Maio, os Santos Populares são algumas das datas para tapar os deuses celtas
e clássicos, como os santuários e capelas no cimo dos montes tapam datas e
cultos antigos. Seria importante que, pelo menos nas escolas e associações se
fizesse algum retorno às origens e, pelo menos, as Maias voltem a ser
celebradas com envolvimento social, como os jardins nómadas de Mirandela. Se
vos disser, que uma festa de arromba em que quase tudo era permitido acontecia
na antiga Fenícia, nas celebrações de Adónis com os belos «Jardins de Adónis»
ou tabuleiros de trigo. O sangue de Adónis resgatava a Natureza e
transformava-se em flores primaveris. Os gregos viram neste culto os «mistérios
da vegetação». Há dois anos, a Cultura do Município de Mirandela ao associar o
«Festival dos Jardins Nómadas» ao meu livro «As Maias entre mitos e crenças»,
estava a reviver vários milhares de anos na caminhada teológica e social da
humanidade.
3- Vespa das galhas do Castanheiro,
uma nova praga – Diz o povo, «quando a esmola é grande o pobre desconfia». Eu
também desconfiei este ano, no tempo das castanhas, porque me apercebi que o
preço deste fruto estava bastante alto. Dizia-se que a nossa castanha era
melhor que a francesa e italiana. Efectivamente temos das melhores variedades
de castanhas do mundo, a saber: a Martaínha, a Judia, a Longal e a Côta. Mas,
os outros países estão habituados às que produzem. O que está acontecer no
mundo da castanha é que uma nova praga está a causar um rombo enorme na
produção de castanha italiana e francesa e estes, e outros que viviam dos seus abastecimentos,
tiveram que se virar para a nossa produção, fazendo subir o preço. Por exemplo,
a Castanha Martaínha chegou a rondar os quatro euros o quilo. Mas, a «Vespa do
castanheiro», cujo nome universal é «Dryocosmus kuriphilus», já penetrou em
algumas zonas de Espanha e até chegar até nós será uma questão de tempo.
Enquanto os governos italiano, francês e espanhol têm tradição no apoio ao
agricultor para combater as pragas agrícolas, aqui tudo é mais parcimonioso
depois do 25 de Abril, o que até parece um contra-senso. A Vespa do castanheiro
é originária da China e «viajou» até Itália, sendo detectada aqui em 2002 e em
2005 em França. Com a circulação de plantas no espaço europeu dentro em pouco
vai-nos bater à porta. Introduz-se nos gomos, sendo visível em meados de Abril
quando os gomos, em vez de verdes, passam a rosados, prejudicando o
desenvolvimento dos ramos e dos frutos e pode conduzir à morte da árvore. Ainda
há pouco, se começou a dominar a centenária «doença da tinta» e o «cancro do
castanheiro» está a dizimar soutos e já temos por perto mais uma dor de cabeça
para o mundo castanícola e castanhícultores, que requer da tutela agrícola a
tomada de medidas eficazes. Pelo menos que o Ministério de Assunção Cristas
beneficie com a experiência no combate a esta nova praga já tida em Itália e
França. Porque «candeia que vai à frente alumia duas vezes». Ou será que vai
continuar a valer o ditado, «depois, logo se vê». Estou certo que o preço alto
da castanha em Portugal é conjuntural, mercê da praga que apoquenta outros
países.
4- Chá de «Erva Príncipe» – Os chás já
há um bom par de anos que estão na moda. Antigamente bebiam-se os chás com fim
terapêuticos e hoje continuam a ser consumidos com esse fim e, ainda, porque os
chás entraram nas dietas. São uma boa alternativa a outras bebidas como os
refrigerantes. De passagem com a minha mulher por Mafra, ela não resistiu a
comprar uma caixinha com chá de «Erva Príncipe». De início pensei que era mais
um chá, mas enganei-me. Em casa quis experimentar. Afinal é um chá biológico e
certificado, dentro de uma belíssima embalagem e ao pegar numa saqueta, reparei
que nem o pormenor da protecção plástica foi esquecida. É muito fácil abrir. É
só olhar para a saqueta e ver um pequeno corte e puxar. Depois o aroma limonete
chega-nos ao fundo da alma. Até a abertura e elegância da caixinha é deixa-nos
rendido. A sua ficha técnica: Erva Príncipe, «Ervas da Zoe», produto
certificado de agricultura biológica, produzido por Henrique Manso, Quinta das
Mentas, Sítio da Fonte Nova, Idanha-a-Nova, com o site
www.wix.com/quintadasmentas/e~vasdazoe, email: ervadazoe@gmail.com . Se virem o
chá de primeira escolha, não hesite e aprecie, porque tudo é feito com gosto e
qualidade a pensar nos clientes.
Provérbios ou ditos:
Em Fevereiro
neve e frio, é de esperar calor no estio.
Chuva em Dia
das Candeias, ano de ribeiras cheias.
Em ano chuvoso,
o diligente é preguiçoso.
As Migas da Malga do
Caldo
Eu devia ter três, quatro ou cinco anos e era um grande
guloso. Das imagens que retenho melhor era o meu pai a comer o caldo, à luz da
candêa. O ritual começava quase no fim da refeição, com a grande malga de
gemalte a fumegar, à frente do meu pai e, com o garfo, ia-lhe comendo as couves
segadas, as batatas menos desfeitas, os feijões, a cebola ou os chícharros.
Quando quase só restava a auga adubada com unto ou azeite, o
meu pai levava a malga à boca e ia bebendo aos poucos e, no fim, no fundo
ficavam as migas. As migas eram os pedacinhos de batata ou de feijão que tinham
escapado ao esmagar pelos três ou quatro dentes do garfo de ferro contra a
escumadeira de alumínio e depois mergulhados na panela de três pés e de ferro.
Mas o mais vivo quadro ou a mais bela prosa que tenho dentro
da minha alma é a das migas da malga de caldo do meu pai. Provavelmente já o
meu avô Eduardo, que não conheci, também lhe dava as migas do caldo.
Naquele gesto generoso e pleno de satisfação, o meu pai
deixava de comer as migas, o melhor, para mas dar a mim. Possivelmente eu até
estaria a olhar para a malga do seu caldo para ver se tinha migas. Eu não lhe
pedia nada. Porque eu comia o caldo que queria, mas as migas da malga do caldo
do meu pai era o maior petisco do mundo.
Primeiro porque ali condensava-se o melhor sabor do caldo e o
último pedaço é o que sabe melhor. Segundo porque encerravam um mar imenso de
amor que o meu pai tinha por mim, apesar de eu não ser o seu filho mais
querido, embora fosse o mais novo. Não fui o mais querido mas ele tinha muito
orgulho em mim.
Queria que «eu estudasse para ser alguém». Ser alguém era
fugir à vulgaridade penosa do trabalho duro e da vida do campo, fiz-lhe a
vontade. Mas esqueci-me de trazer a alma para a cidade. Por isso, no fundo
continuei e continuo a ser um rural e é com a gente do campo que me sinto bem.
Mais que a honra do meu pai, eu era a sua maior bandeira ou o
seu maior troféu, ao ponto de um dia, vendo-me insatisfeito e a sonhar, me
dizer que eu não precisava de fazer mais nada.
Mas, as migas, de um caldo comido na mesa da cozinha, sentado
em bancos corridos e mochos ou no aconchego do escano, selavam todo o amor de
um pai generoso para o filho piquenito.
Por sua iniciativa nunca me deu um beijo em criança. Contudo,
nos seus pequenos gestos dava-me os valores e os afectos que eu precisava. Por
isso, quase todas as memórias e saberes do meu pai passaram para mim e ele
continuará a viver comigo, como, estou certo, eu continuarei a viver com o meu
filho.
Dava tudo para puder voltar a comer as migas da malga do
caldo do meu pai.
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 28JAN2014
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 28JAN2014
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