sexta-feira, 14 de março de 2014

Jorge Lage - NOTAS DE RODAPÉ (104)





Jorge Lage
1- O Central Park – Vemos em Portugal os modestos jardins e parques urbanos serem triturados por passeios, por pistas, por avanços do urbanismo e pela especulação imobiliária. Recordo-me que o Parque Florestal de Monsanto ou até o Parque Eduardo VII tremeram com arremetidas de politiqueiros e grupos de interesses. Não fora a luta tenaz travada pelo «pai do ambientalismo» urbano, Arquitecto Ribeiro Teles, e aqueles espaços não estariam tão preservados. Um dia, no tempo das castanhas, subia a Avenida da Liberdade, em Lisboa, e vi-me lado a lado com o Arquitecto Ribeiro Teles com quem meti uma curta conversa num pequeníssimo passeio. Manifestei-lhe o meu apreço pelo que fez pelo ambiente urbano. Depois, seguiu um pouco curvado e tive a sensação que já se curvava para a terra. Voltando ao fio deste texto, em 1999 visitei Nova Iorque e apenas cruzei o topo do Central Park, junto ao Museu Guggenheim, e confesso que não imaginava estar junto a tão grande mancha verde cercada de betão e formando um rectângulo de 341 hectares, de 800 metros por 4 quilómetros. Hoje, sinto uma nostalgia imensa de palmilhar e sentir na alma aquela grandiosidade nova-iorquina. Se voltar a Nova Iorque será o Central Park que me chama, mais que a Broadway, a 5.ª Avenida ou Estátua da Liberdade. Já viram o que são quase três centenas e meia de hectares arborizados e ajardinados? - Um desperdício! - dizem os especuladores imobiliários. – Uma bênção divina! - diz quem preza a vida e a biodiversidade. Para além de ser a maior «fábrica natural e urbana de oxigénio» do mundo, o Central Park é das estruturas urbanas que atrai mais visitantes. Cerca de 25 milhões por ano. O turismo ambiental é uma grande fonte de rendimento e de qualidade de vida para os nova-iorquinos.


2- A chegada da Primavera Celta – O calendário Celta das estações do ano deixava passar quarenta dias sobre os solstícios e equinócios para iniciar uma nova estação. Assim, depois de uma quarentena sobre o equinócio de Outono, iniciava-se o novo ano Celta no primeiro de Novembro (Samhain o festival da passagem do velho para o novo ano), começando o Inverno que se prolongava até final de Janeiro. A Primavera iniciava-se dia 1 de Fevereiro, 40 dias após o solstício de Inverno e indo até final de Abril. Era o Imbolc ou festa do fogo (luz, sol e fogueiras) a que os cristãos contrapuseram o S. Braz, mantendo as fogueiras. Dia 1 de Maio (Beltane outro grande festival) principiava o Verão, sendo o mês da frutificação, daí implorar-se às divindades (deusa Maia, Mãe Natureza) para que o ano corra bem para as pessoas, animais e colheitas. Ainda, 40 dias após o solstício de Verão, entrava-se no Outono a 1 de Agosto. Curioso é saber-se que na Irlanda a população continua a seguir o calendário Celta. O cristianismo tentou apagar estes traços da nossa cultura, colocando Jesus Cristo, os santos e arcanjos nestas datas festivas celtas. O dia de Todos-os-Santos, o nascimento de Cristo (deve ter ocorrido perto da Páscoa) com a fogueira purificadora, o Mês de Maria em Maio, os Santos Populares são algumas das datas para tapar os deuses celtas e clássicos, como os santuários e capelas no cimo dos montes tapam datas e cultos antigos. Seria importante que, pelo menos nas escolas e associações se fizesse algum retorno às origens e, pelo menos, as Maias voltem a ser celebradas com envolvimento social, como os jardins nómadas de Mirandela. Se vos disser, que uma festa de arromba em que quase tudo era permitido acontecia na antiga Fenícia, nas celebrações de Adónis com os belos «Jardins de Adónis» ou tabuleiros de trigo. O sangue de Adónis resgatava a Natureza e transformava-se em flores primaveris. Os gregos viram neste culto os «mistérios da vegetação». Há dois anos, a Cultura do Município de Mirandela ao associar o «Festival dos Jardins Nómadas» ao meu livro «As Maias entre mitos e crenças», estava a reviver vários milhares de anos na caminhada teológica e social da humanidade.

3- Vespa das galhas do Castanheiro, uma nova praga – Diz o povo, «quando a esmola é grande o pobre desconfia». Eu também desconfiei este ano, no tempo das castanhas, porque me apercebi que o preço deste fruto estava bastante alto. Dizia-se que a nossa castanha era melhor que a francesa e italiana. Efectivamente temos das melhores variedades de castanhas do mundo, a saber: a Martaínha, a Judia, a Longal e a Côta. Mas, os outros países estão habituados às que produzem. O que está acontecer no mundo da castanha é que uma nova praga está a causar um rombo enorme na produção de castanha italiana e francesa e estes, e outros que viviam dos seus abastecimentos, tiveram que se virar para a nossa produção, fazendo subir o preço. Por exemplo, a Castanha Martaínha chegou a rondar os quatro euros o quilo. Mas, a «Vespa do castanheiro», cujo nome universal é «Dryocosmus kuriphilus», já penetrou em algumas zonas de Espanha e até chegar até nós será uma questão de tempo. Enquanto os governos italiano, francês e espanhol têm tradição no apoio ao agricultor para combater as pragas agrícolas, aqui tudo é mais parcimonioso depois do 25 de Abril, o que até parece um contra-senso. A Vespa do castanheiro é originária da China e «viajou» até Itália, sendo detectada aqui em 2002 e em 2005 em França. Com a circulação de plantas no espaço europeu dentro em pouco vai-nos bater à porta. Introduz-se nos gomos, sendo visível em meados de Abril quando os gomos, em vez de verdes, passam a rosados, prejudicando o desenvolvimento dos ramos e dos frutos e pode conduzir à morte da árvore. Ainda há pouco, se começou a dominar a centenária «doença da tinta» e o «cancro do castanheiro» está a dizimar soutos e já temos por perto mais uma dor de cabeça para o mundo castanícola e castanhícultores, que requer da tutela agrícola a tomada de medidas eficazes. Pelo menos que o Ministério de Assunção Cristas beneficie com a experiência no combate a esta nova praga já tida em Itália e França. Porque «candeia que vai à frente alumia duas vezes». Ou será que vai continuar a valer o ditado, «depois, logo se vê». Estou certo que o preço alto da castanha em Portugal é conjuntural, mercê da praga que apoquenta outros países.

4- Chá de «Erva Príncipe» – Os chás já há um bom par de anos que estão na moda. Antigamente bebiam-se os chás com fim terapêuticos e hoje continuam a ser consumidos com esse fim e, ainda, porque os chás entraram nas dietas. São uma boa alternativa a outras bebidas como os refrigerantes. De passagem com a minha mulher por Mafra, ela não resistiu a comprar uma caixinha com chá de «Erva Príncipe». De início pensei que era mais um chá, mas enganei-me. Em casa quis experimentar. Afinal é um chá biológico e certificado, dentro de uma belíssima embalagem e ao pegar numa saqueta, reparei que nem o pormenor da protecção plástica foi esquecida. É muito fácil abrir. É só olhar para a saqueta e ver um pequeno corte e puxar. Depois o aroma limonete chega-nos ao fundo da alma. Até a abertura e elegância da caixinha é deixa-nos rendido. A sua ficha técnica: Erva Príncipe, «Ervas da Zoe», produto certificado de agricultura biológica, produzido por Henrique Manso, Quinta das Mentas, Sítio da Fonte Nova, Idanha-a-Nova, com o site www.wix.com/quintadasmentas/e~vasdazoe, email: ervadazoe@gmail.com . Se virem o chá de primeira escolha, não hesite e aprecie, porque tudo é feito com gosto e qualidade a pensar nos clientes.

Provérbios ou ditos:
          Em Fevereiro neve e frio, é de esperar calor no estio.
          Chuva em Dia das Candeias, ano de ribeiras cheias.
          Em ano chuvoso, o diligente é preguiçoso.


As Migas da Malga do Caldo
Eu devia ter três, quatro ou cinco anos e era um grande guloso. Das imagens que retenho melhor era o meu pai a comer o caldo, à luz da candêa. O ritual começava quase no fim da refeição, com a grande malga de gemalte a fumegar, à frente do meu pai e, com o garfo, ia-lhe comendo as couves segadas, as batatas menos desfeitas, os feijões, a cebola ou os chícharros.
Quando quase só restava a auga adubada com unto ou azeite, o meu pai levava a malga à boca e ia bebendo aos poucos e, no fim, no fundo ficavam as migas. As migas eram os pedacinhos de batata ou de feijão que tinham escapado ao esmagar pelos três ou quatro dentes do garfo de ferro contra a escumadeira de alumínio e depois mergulhados na panela de três pés e de ferro.
Mas o mais vivo quadro ou a mais bela prosa que tenho dentro da minha alma é a das migas da malga de caldo do meu pai. Provavelmente já o meu avô Eduardo, que não conheci, também lhe dava as migas do caldo.
Naquele gesto generoso e pleno de satisfação, o meu pai deixava de comer as migas, o melhor, para mas dar a mim. Possivelmente eu até estaria a olhar para a malga do seu caldo para ver se tinha migas. Eu não lhe pedia nada. Porque eu comia o caldo que queria, mas as migas da malga do caldo do meu pai era o maior petisco do mundo.
Primeiro porque ali condensava-se o melhor sabor do caldo e o último pedaço é o que sabe melhor. Segundo porque encerravam um mar imenso de amor que o meu pai tinha por mim, apesar de eu não ser o seu filho mais querido, embora fosse o mais novo. Não fui o mais querido mas ele tinha muito orgulho em mim.
Queria que «eu estudasse para ser alguém». Ser alguém era fugir à vulgaridade penosa do trabalho duro e da vida do campo, fiz-lhe a vontade. Mas esqueci-me de trazer a alma para a cidade. Por isso, no fundo continuei e continuo a ser um rural e é com a gente do campo que me sinto bem.
Mais que a honra do meu pai, eu era a sua maior bandeira ou o seu maior troféu, ao ponto de um dia, vendo-me insatisfeito e a sonhar, me dizer que eu não precisava de fazer mais nada.
Mas, as migas, de um caldo comido na mesa da cozinha, sentado em bancos corridos e mochos ou no aconchego do escano, selavam todo o amor de um pai generoso para o filho piquenito.
Por sua iniciativa nunca me deu um beijo em criança. Contudo, nos seus pequenos gestos dava-me os valores e os afectos que eu precisava. Por isso, quase todas as memórias e saberes do meu pai passaram para mim e ele continuará a viver comigo, como, estou certo, eu continuarei a viver com o meu filho.
Dava tudo para puder voltar a comer as migas da malga do caldo do meu pai.

Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 28JAN2014

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