Virgilio Gomes |
Por isso hoje decidi apresentar uma
receita de um bolo “polivalente” e que habitualmente era confecionado sempre
que havia sobras de claras, por vezes motivado por utilização prazeirosa de
gemas em receituário mais rico ou em simples e sempre delicioso “leite-creme”,
ou nos tradicionais pudins de gemas. E chamo-lhe polivalente pois tanto servia
com comer simples, ao pequeno-almoço ou lanche, como para rechear ou ensopar e
enfeitar.
A receita que vou apresentar é a
constante no caderno de receitas de minha Mãe, a que alude em crónica
anterior. Bate-se uma chávena de chá de manteiga com duas chávenas de açúcar.
Junta-se uma chávena de leite e envolve-se bem. De seguida vai-se juntando
devagar três chávenas de farinha de trigo com um pitada de fermento em pó. Entretanto
batem-se cinco claras em castelo, bem firmes, à parte e juntam-se à massa,
levemente, e de modo a não formar bolhas. Barra-se uma forma com manteiga e
polvilha-se com farinha. Deita-se a massa na forma e leva-se a forno quente,
cobrindo com papel, durante cerca de meia hora. A verificação do estado de
cozedura também se pode fazer com o método tradicional da agulha ou do palito
desde que o bolo não arrefeça. Depois de desenformado, e cortado às fatias, o
seu interior é claro pela falta de gemas, e apelidado de prateado. Normalmente
usa-se uma forma de paredes inclinadas. Se o bolo é para ensopar, e enfeitar
usa-se uma forma de padres verticais. E já está. Terá acontecido, pelo menos
uma vez, que não demos tempo ao bolo de ser enfeitado…! E que bem soube! Não
vou entrar nos detalhes de ensopar, e coberturas, pois não constam do caderno.
Se fica seco, em torradas é um pitéu. Na continuação do texto poderão ler
outras opções publicadas em livros.
Sem querer recuar muito no tempo, vou
citar a receita de “Bolos de Prata” que é apresentada no Dicionário do Doceiro
Brazileiro, de Dr António José de Souza Rego, publicado em 1892 no Rio de
Janeiro, que apresenta ingredientes em proporções idênticas às referidas na
receita que apresentei no início do texto. Apesar de o título ser no plural, no
final da receita não esclarece sobre o tipo de forma a usar, nem se são
bolinhos ou um bolo grande. Em Portugal, e no primeiro livro do século XX, o
Tratado Completo de Cozinha e Copa, de Carlos Bento da Maia, e publicado em
1904, apresenta uma receita de “Bolo de prata” acrescentando a seguir ao
título: “aproveitamento de claras”. Ora, eu comecei por aí! A receita é
semelhante sendo que utiliza a mesma quantidade de açúcar e farinha.
Curiosamente Bento da Maia acrescenta no final que “A batedura da massa tem
grande influência no resultado”. E acrescento eu que acontece em muitas
receitas de doçaria. A receita seguinte encontrei-a no livro “A Cozinha Ideal,
de Manuel Ferreira e publicado em 1933. O importante deste livro é que foi
escrito para servir de guia oficial dos sindicatos da indústria hoteleira e,
portanto, destinado a profissionais. A receita tem açúcar e farinha na mesma
quantidade mas tem um final ligeiramente diferente. “Quando o bolo estiver a
meio cozer, polvilha-se com açúcar e canela em pó, adicionando-se-lhe alguns
pedacinhos de nozes.” Continuando a avançar no século XX, no livro “Culinária
Portuguesa”, de Olleboma e publicado em 1936, A receita é idêntica à anterior e com o
mesmo final, chamando a atenção para ao polvilhar o bolo, fazê-lo com muito
cuidado para não o deixar arrefecer. Se a Cozinha Ideal era um livro para
profissionais, o livro Culinária Portuguesa é verdadeiramente o primeiro livro
com uma vertente gastronómica e tentativa de caracterização da cozinha
portuguesa. Depois encontrei num livro extraordinário, que obtive num
alfarrabista em Madrid, que se chama “Cozinha do Mundo Português, publicado em
1962 da autoria de M.A.M. (julgo que não estou a divulgar nenhum segredo mas é
a sigla autoral de Maria Adelina Monteiro Grilo e Margarida Futscher Pereira),
que subtitulam com 1001 Receitas Experimentadas, e ainda bem. Com uma receita
base idêntica às anteriores, termina sugerindo que se pode adicionar um cálice
de vinho do Porto e sumo de limão. Tem ainda outra receita de Bolo de prata com
amêndoas e frutas. O início da receita é ligeiramente diferente. Começa por
amassar à mão a farinha com um pouco de banha de porco e depois vai juntando
aos poucos, e ás colheres, o açúcar e as claras batidas em castelo. Junta-se
então sumo de meio limão e um cálice de vinho do Porto, e algumas amêndoas
partidas, previamente peladas e torradas. Depois de barrar a forma com manteiga
e polvilhada com açúcar “cobre-se o fundo da forma com as amêndoas torradas” e só
depois se deita a massa. Também se podem juntar à massa, frutas secas ou
cristalizadas que dão umas fatias mais alegres. Para terminar, e voltar a
Trás-os-Montes, no livro de Isabel Gomes Mota tem mais uma variante de bolo de
prata. Não resisto a transcrever o pequeno texto que antecede a receita:
“Quando no aparador se vê o bolo de prata é sinal que perto deve haver
leite-creme, chila dourada ou um pudim”. Pois é, depois de usar gemas, sobram
as claras. Como em Cascais, as “Pratas”
surgem depois de confecionar “Joaninhas”. Mas esta receita tem um pouco mais de açúcar do
que farinha e depois acrescenta que o bolo pode ser aromatizado com raspas de
laranja ou limão, vinho do Porto, cacau e frutos secos.
Vá lá. Para a cozinha experimentar, que
é muito fácil. E não esqueça que nem só o chá, ou o chocolate são as bebidas
ideais. Alguns vinhos “tranquilos”, ou generosos levam a que o bolo nos saiba
melhor.
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
Sábado, 12 Maio 2012 15:51
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