quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Terra de Miranda e a Lei da Lhégua Mirandesa (7)

Trabalho conjunto de Carlos Ferreira e Júlio Meirinhos

A defesa da língua mirandesa depende, essencialmente, da dedicação e do uso por parte dos seus falantes, mas o mirandês é também um compromisso cultural e patrimonial irrecusável para o Estado português. (Vozes do PS: Muito bem!)
A administração não pode, assim, demitir-se desta responsabilidade.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Nun quiero ser tarantainas para nun apanhar ningua túndia. La Lhéngua Mirandesa, doce cumo ua meligrana, guapa i campechana, nun ye de onte, de trasdonte ou trasdontonte mas cunta cun uito seclos de bida. (Aplausos do PS.)
Sien s'ancaicheirar a la “Ihéngua fidalga i grabe”, l Pertués, ye tan nobre cumo eilha ou outra qualquiera. Hoije recebiu bida nuoba. Saliu de l absedo i de l cenceinho an que bibiu tantos anhos. Deixou de s'acrucar, znudou-se de la bargonha, ampimponou-se para, assi, poder bolar, strebolar i çcampar l porbenir. Agarrou l ranhadeiro para abibar l lhume de l'alma i l sangre dun cuorpo bien sano. Chena de proua, abriu Ia puorta de la sue prieça de casa, puso fincones ne l sou ser, saliu pa las ourrietas i preinadas. Lhibre, cumo l reixenhor i la chelubrina, yá puode cantar, yá se puode afirmar. A la par de l Pertués, a partir de hoije, ye lhuç de Miranda, lhuç de Pertual.” (Aplausos gerais.)
O Sr. Presidente da Assembleia: Espero que o Sr. Deputado ajude os serviços da Assembleia a manter o rigor da transcrição do seu discurso no Diário. Foi um prazer ouvi-lo. É uma língua muito bonita e muito sonora.

2.6: LÍNGUA MIRANDESA OFICIALIZADA PELA LEI 7/99 de 29 de Janeiro

Finalmente a grande aspiração dos mirandeses e de muitos amigos da terras de Miranda termina com um fim feliz, concretizado com a publicação da Lei 7/99 de 29 de Janeiro no Diário da República nº 24/99,Série I - A e com o Despacho normativo nº 35/99 do dia 20 de Julho, - Diário da República I Série B nº 167.
Assim Miranda do Douro pode com toda a legitimidade rever-se no valor histórico e cultural da sua língua, bem como perpetuá-la para sempre, pois o mirandês entrou nas escolas para ser ensinado como qualquer outra língua do curriculum escolar
Quanto a nós, somente cumprimos o nosso dever de lutar pela nossa Terra, pelas suas gentes, pelo seu património e cultura, como um legado que queremos devolver intacto aos nossos filhos.

2.7: CONCLUSÃO

A aprovação oficial da língua mirandesa teve eco na imprensa nacional e estrangeira, pois poucas vezes o Parlamente esteve tão unido como desta vez na defesa da causa de um Povo, da sua História e das memórias ancestrais que no seu significado mais latente só são dizíveis em Mirandês. Assim, logo no dia 17 de Setembro de 1998 o Jornal Público noticiava numa reportagem duma página: “A partir de hoje, o mirandês, cujas origens são anteriores à nacionalidade, deverá ser reconhecido como língua oficial em Portugal. Júlio Meirinhos, deputado pelo PS e falante do mirandês, leva a proposta de lei à Assembleia da República e todas as bancadas estão dispostas a aprová-la. “Para siempre biba la lhéngua mirandesa!” (gritou em São Bento o povo de Miranda).
Mais adiante o Jornalista cita o Padre Mourinho que escreveu um texto admirável, cheio de poesia, de sentimentos inspirados no orgulho de ser Homem de Miranda: Ah! Fala nuossa i siempre biba / La mais rica eiterna i nobre hardança / Que an beisos de criança / Me dórun cul pan negro / Mius pais i mius abós / Falai-la, mius armanos./ Guardai-la./ Stimai-la./ Amai-la./ Fazei-la bibir an bós!.../ Pus s’eilha se bai morrendo / Num ajudeis a anterrá-la”.
Lá no sítio mais bonito onde António Mourinho estiver, sempre a falar em Mirandês, sorrirá por este novo renascer do mirandês, depois duma longa morte anunciada.
Entretanto a importância da Língua Mirandesa foi também reconhecida no estrangeiro e os nossos vizinhos asturianos homenagearam esse facto. Uma delegação ao mais alto nível da Academia da LLingua Asturiana, apresentou pessoalmente cumprimentos em Lisboa e manifestou o regozijo pela aprovação da Lei 7 / 99 de 29 de Janeiro ao Presidente da Assembleia da República, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Edução e Secretário de Estado da Presidência.
A Lei da Língua Mirandesa, tal como as revoluções, é apenas um marco meramente simbólico, porque o processo de implementação das verdadeiras mudanças, começa apenas nos dias subsequentes. Muita coisa está ainda por concretizar em relação à Língua Mirandesa: a alteração regulamentar que torne a frequência opcional das aulas em obrigatória; a formação de professores; a definição de uma carreira que coloque os seus professores em pé de igualdade de direitos com os demais; a criação por parte do Estado de uma instituição que seja a legal representante da Língua Mirandesa, que a enquadre e dinamize, que zele pelo seu desenvolvimento e faça a gestão dos seus recursos e aspirações, com a devida dotação financeira; que as instituições, tanto locais, como regionais e nacionais, criem as ferramentas e mecanismos que levem à aplicabilidade plena da legislação em vigor.
Como muito bem diz o estudioso, escritor, poeta e divulgador, o meu amigo Amadeu Ferreira, no seu artigo “Statuto Jurídico de la Lhéngua Mirandesa[1]: “… Antes de mais, la lei tubo ua amportança simbólica. (…) An purmeiro, ajudou ls mirandeses a tomar cuncéncia mais fuorte de la sue lhéngua, anquanto lhéngua. Dende poderá salir mais einiciatiba al nible de la lhéngua, habendo agora melhores cundiçones para fazer zandar l porcesso de zaparecimiento de la lhéngua, mobelizando nuobas buntades i oumentando la proua de ls mirandeses an relacion a la sue lhéngua. L mirandés passou a ser bisto a nible nacional i anternacional de modo deferente, l que puode ajudá-lo a salir de l cantico adonde ten stado metido. (…) l mirandés deixou de ser un problema de ls mirandeses, para passar a ser tamien ua question de l Stado Pertués, pus se reconhece la sue amportança, el tamien stá metido na sue cunserbaçon i zambolbimiento. L mais amportante de todo, ye que la lei dá la palabra als mirandeses, muita cousa dependendo deilhes, seia cumo pessonas seia cumo anstituiçones. Se nun houbir einiciatiba i, sobretodo, se nun se criáren fuortes anstituiçones lhiadas a la lhéngua, nada feito. Las leis nun s’apícan eilhas solas, mas la sue eijistença puode abrir caminos, outrepassar rejistenças i, sobretodo, fazer saltar fuorças de la sociadade i de l Stado. Por esso, l’amportança de la lei nun ye solo simbólica”

3. ANEXOS

3.1: LEI Nº 7/99 de 29 de Janeiro

Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1º
O presente diploma visa reconhecer e promover a língua mirandesa.
Artigo 2º
O Estado Português reconhece o direito a cultivar e promover a língua mirandesa, enquanto património cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda.
Artigo 3º
É reconhecido o direito da criança à aprendizagem do mirandês, nos termos a regulamentar.
Artigo 4º
As instituições públicas localizadas ou sediadas no concelho de Miranda do Douro poderão emitir os seus documentos acompanhados de uma versão em língua mirandesa.
Artigo 5º
É reconhecido o direito a apoio científico e educativo, tendo em vista a formação de professores de língua e cultura mirandesas, nos termos a regulamentar.
Artigo 6º
O presente diploma será regulamentado no prazo de 90 dias a contar da sua entrada em vigor.
Artigo 7º
O presente diploma entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.
Aprovada em 19 de Novembro de 1998.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 15 de Janeiro de 1999. Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 19 de Janeiro de 1999
O Primeiro-Ministro, António de Oliveira Guterres.

3.2: DESPACHO NORMATIVO Nº 35/99

A Lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, reconhece o direito a preservar e promover a língua mirandesa, enquanto património cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda.
Nos termos dos artigos 3º e 5º da mesma Lei, cabe regulamentar o direito à aprendizagem do mirandês, bem como o necessário apoio logístico, técnico e científico.
Assim, determina-se:
1 - Aos alunos dos estabelecimentos de ensino básico e de ensino secundário do concelho de Miranda do Douro é facultada a aprendizagem do mirandês, como vertente de enriquecimento do currículo científico.
2 - A disponibilização da oferta referida no número anterior compete aos estabelecimentos de ensino básico e de ensino secundário do concelho de Miranda do Douro, mediante o desenvolvimento de projectos que visem preservar e promover a língua mirandesa.
2. 1. - Os projectos devem contemplar finalidades e metodologias pedagógicas, bem como a identificação dos meios e dos recursos necessários, nomeadamente no âmbito da formação de professores.
2.2. - Os projectos são aprovados pelos Directores do Departamento da Educação Básica e do Departamento do Ensino Secundário, conforme os níveis de ensino em que incidem, após parecer favorável do Director Regional de Educação do Norte.
2.3. - Os projectos podem desenvolver-se em parceria com entidades da comunidade local, designadamente com o Município e associações culturais, mediante a celebração de protocolos de cooperação.
Os competentes serviços centrais e regionais do Ministério da Educação prestam o apoio logístico, técnico e científico que se apresentar adequado ao desenvolvimento dos projectos a que se refere o presente despacho.
Ministério da Educação, 5 de Julho de 1999

(continua)

[1] FERREIRA, A.(2003) “Statuto Jurídico de la Lhéngua Mirandesa” In. Ciemen, Drets Lingüístics, Anclabes lhenhuisticos na Ounion Ouropeia (2003)65-86.

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