A defesa da língua mirandesa depende, essencialmente, da dedicação e
do uso por parte dos seus falantes, mas o mirandês é também um compromisso
cultural e patrimonial irrecusável para o Estado português. (Vozes do PS: Muito bem!)
A administração não pode, assim, demitir-se desta responsabilidade.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Nun quiero ser tarantainas para
nun apanhar ningua túndia. La Lhéngua Mirandesa , doce cumo ua meligrana, guapa
i campechana, nun ye de onte, de trasdonte ou trasdontonte mas cunta cun uito
seclos de bida. (Aplausos do PS.)
Sien s'ancaicheirar a la “Ihéngua fidalga i grabe”, l Pertués, ye tan
nobre cumo eilha ou outra qualquiera. Hoije recebiu bida nuoba. Saliu de l
absedo i de l cenceinho an que bibiu tantos anhos. Deixou de s'acrucar,
znudou-se de la bargonha, ampimponou-se para, assi, poder bolar, strebolar i
çcampar l porbenir. Agarrou l ranhadeiro para abibar l lhume de l'alma i l
sangre dun cuorpo bien sano. Chena de proua, abriu Ia puorta de la sue prieça
de casa, puso fincones ne l sou ser, saliu pa las ourrietas i preinadas. Lhibre,
cumo l reixenhor i la chelubrina, yá puode cantar, yá se puode afirmar. A la
par de l Pertués, a partir de hoije, ye lhuç de Miranda, lhuç de Pertual.” (Aplausos
gerais.)
O Sr. Presidente da Assembleia:
Espero que o Sr. Deputado ajude os serviços da Assembleia a manter o rigor
da transcrição do seu discurso no Diário.
Foi um prazer ouvi-lo. É uma língua muito bonita e muito sonora.
2.6: LÍNGUA MIRANDESA
OFICIALIZADA PELA LEI 7/99 de 29 de Janeiro
Finalmente a grande aspiração dos mirandeses e de muitos amigos da
terras de Miranda termina com um fim feliz, concretizado com a publicação da
Lei 7/99 de 29 de Janeiro no Diário da República nº 24/99,Série I - A e com o
Despacho normativo nº 35/99 do dia 20 de Julho, - Diário da República I Série B
nº 167.
Assim Miranda do Douro pode com toda a legitimidade rever-se no valor
histórico e cultural da sua língua, bem como perpetuá-la para sempre, pois o
mirandês entrou nas escolas para ser ensinado como qualquer outra língua do
curriculum escolar
Quanto a nós, somente cumprimos o nosso dever de lutar pela nossa
Terra, pelas suas gentes, pelo seu património e cultura, como um legado que
queremos devolver intacto aos nossos filhos.
2.7: CONCLUSÃO
A aprovação oficial da língua mirandesa
teve eco na imprensa nacional e estrangeira, pois poucas vezes o Parlamente
esteve tão unido como desta vez na defesa da causa de um Povo, da sua História
e das memórias ancestrais que no seu significado mais latente só são dizíveis em Mirandês. Assim ,
logo no dia 17 de Setembro de 1998 o Jornal Público noticiava numa reportagem
duma página: “A partir de hoje, o mirandês, cujas origens são anteriores à
nacionalidade, deverá ser reconhecido como língua oficial em Portugal. Júlio Meirinhos ,
deputado pelo PS e falante do mirandês, leva a proposta de lei à Assembleia da
República e todas as bancadas estão dispostas a aprová-la. “Para siempre biba la lhéngua mirandesa!” (gritou em São Bento o povo de
Miranda).
Mais
adiante o Jornalista cita o Padre Mourinho que escreveu um texto admirável,
cheio de poesia, de sentimentos inspirados no orgulho de ser Homem de Miranda: Ah! Fala nuossa i siempre biba / La mais
rica eiterna i nobre hardança / Que an beisos de criança / Me dórun cul pan
negro / Mius pais i mius abós / Falai-la, mius armanos./ Guardai-la./
Stimai-la./ Amai-la./ Fazei-la bibir an bós!.../ Pus s’eilha se bai morrendo /
Num ajudeis a anterrá-la”.
Lá no
sítio mais bonito onde António Mourinho estiver, sempre a falar em Mirandês,
sorrirá por este novo renascer do mirandês, depois duma longa morte anunciada.
Entretanto
a importância da Língua Mirandesa foi também reconhecida no estrangeiro e os
nossos vizinhos asturianos homenagearam esse facto. Uma delegação ao mais alto
nível da Academia da LLingua Asturiana,
apresentou pessoalmente cumprimentos em Lisboa e manifestou o regozijo pela
aprovação da Lei 7 / 99 de 29 de Janeiro ao Presidente da Assembleia da
República, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Edução e Secretário
de Estado da Presidência.
A Lei da
Língua Mirandesa, tal como as revoluções, é apenas um marco meramente
simbólico, porque o processo de implementação das verdadeiras mudanças, começa
apenas nos dias subsequentes. Muita coisa está ainda por concretizar em relação
à Língua Mirandesa: a alteração regulamentar que torne a frequência opcional
das aulas em obrigatória; a formação de professores; a definição de uma
carreira que coloque os seus professores em pé de igualdade de direitos com os
demais; a criação por parte do Estado de uma instituição que seja a legal
representante da Língua Mirandesa, que a enquadre e dinamize, que zele pelo seu
desenvolvimento e faça a gestão dos seus recursos e aspirações, com a devida
dotação financeira; que as instituições, tanto locais, como regionais e
nacionais, criem as ferramentas e mecanismos que levem à aplicabilidade plena
da legislação em vigor.
Como
muito bem diz o estudioso, escritor, poeta e divulgador, o meu amigo Amadeu
Ferreira, no seu artigo “Statuto Jurídico de la Lhéngua Mirandesa”[1]:
“… Antes de mais, la lei tubo ua
amportança simbólica. (…) An purmeiro, ajudou ls mirandeses a tomar cuncéncia
mais fuorte de la sue lhéngua, anquanto lhéngua. Dende poderá salir mais
einiciatiba al nible de la lhéngua, habendo agora melhores cundiçones para
fazer zandar l porcesso de zaparecimiento de la lhéngua, mobelizando nuobas
buntades i oumentando la proua de ls mirandeses an relacion a la sue lhéngua. L
mirandés passou a ser bisto a nible nacional i anternacional de modo deferente,
l que puode ajudá-lo a salir de l cantico adonde ten stado metido. (…) l mirandés
deixou de ser un problema de ls mirandeses, para passar a ser tamien ua
question de l Stado Pertués, pus se reconhece la sue amportança, el tamien stá
metido na sue cunserbaçon i zambolbimiento. L mais amportante de todo, ye que
la lei dá la palabra als mirandeses, muita cousa dependendo deilhes, seia cumo
pessonas seia cumo anstituiçones. Se nun houbir einiciatiba i, sobretodo, se
nun se criáren fuortes anstituiçones lhiadas a la lhéngua, nada feito. Las leis
nun s’apícan eilhas solas, mas la sue eijistença puode abrir caminos,
outrepassar rejistenças i, sobretodo, fazer saltar fuorças de la sociadade i de
l Stado. Por esso, l’amportança de la lei nun ye solo simbólica”
3. ANEXOS
3.1: LEI
Nº 7/99 de 29 de Janeiro
Reconhecimento oficial de
direitos linguísticos da comunidade mirandesa
A Assembleia da República decreta, nos termos da
alínea c) do artigo 161º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1º
O presente diploma visa reconhecer e promover a
língua mirandesa.
Artigo 2º
O Estado Português reconhece o direito a
cultivar e promover a língua mirandesa, enquanto património cultural,
instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de Miranda.
Artigo 3º
É reconhecido o direito da criança à
aprendizagem do mirandês, nos termos a regulamentar.
Artigo 4º
As
instituições públicas localizadas ou sediadas no concelho de Miranda do Douro
poderão emitir os seus documentos acompanhados de uma versão em língua
mirandesa.
Artigo
5º
É
reconhecido o direito a apoio científico e educativo, tendo em vista a formação
de professores de língua e cultura mirandesas, nos termos a regulamentar.
Artigo
6º
O presente diploma será regulamentado no prazo
de 90 dias a contar da sua entrada em vigor.
Artigo 7º
O presente diploma entra em vigor 30 dias após a
data da sua publicação.
Aprovada em 19 de Novembro de 1998.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 15 de Janeiro de 1999.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 19 de Janeiro de 1999
O Primeiro-Ministro, António de Oliveira Guterres.
3.2: DESPACHO NORMATIVO Nº 35/99
A Lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, reconhece o
direito a preservar e promover a língua mirandesa, enquanto património
cultural, instrumento de comunicação e de reforço de identidade da terra de
Miranda.
Nos termos dos artigos 3º e 5º da mesma Lei,
cabe regulamentar o direito à aprendizagem do mirandês, bem como o necessário
apoio logístico, técnico e científico.
Assim, determina-se:
1 - Aos alunos dos estabelecimentos de ensino
básico e de ensino secundário do concelho de Miranda do Douro é facultada a
aprendizagem do mirandês, como vertente de enriquecimento do currículo
científico.
2 - A disponibilização da oferta referida no
número anterior compete aos estabelecimentos de ensino básico e de ensino
secundário do concelho de Miranda do Douro, mediante o desenvolvimento de
projectos que visem preservar e promover a língua mirandesa.
2. 1. - Os projectos devem contemplar
finalidades e metodologias pedagógicas, bem como a identificação dos meios e
dos recursos necessários, nomeadamente no âmbito da formação de professores.
2.2. - Os projectos são aprovados pelos
Directores do Departamento da Educação Básica e do Departamento do Ensino
Secundário, conforme os níveis de ensino em que incidem, após parecer favorável
do Director Regional de Educação do Norte.
2.3. - Os projectos podem desenvolver-se em
parceria com entidades da comunidade local, designadamente com o Município e
associações culturais, mediante a celebração de protocolos de cooperação.
Os competentes serviços centrais e regionais do
Ministério da Educação prestam o apoio logístico, técnico e científico que se
apresentar adequado ao desenvolvimento dos projectos a que se refere o presente
despacho.
Ministério da Educação, 5 de Julho de 1999
(continua)
[1]
FERREIRA, A.(2003)
“Statuto Jurídico de la
Lhéngua Mirandesa ” In. Ciemen, Drets Lingüístics,
Anclabes lhenhuisticos na Ounion Ouropeia (2003)65-86.
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