Antes
de fazer três anos, Panchito Barría teve uma poliomielite que o deixou
inválido. Os pais, pescadores de San Gregório, na Patagónia, todos os verões
atravessavam o estreito de Magalhães para se instalarem em Angostura, uma
pequena calheta de pescadores, constituída por uma dúzia de casas, apenas
habitadas durante o curto verão austral, situada a norte de Manantiales,
povoado petrolífero da Terra de Fogo.
O
menino acompanhava-os, sem falar, sempre triste até aos cinco anos. Um dia,
porém, o milagre aconteceu. Daqueles que acontecem no “sul do mundo”, como nos
diz Luís Sepúlveda em
Patagónia Express
(Asa, 2008), a quem fomos buscar esta história milagrosa, comovente e trágica, descrita em
duas páginas.
Duas
dezenas de golfinhos apareceram ao largo de Angostura, deslocando-se do
Atlântico para o Pacífico.
Panchito
soltou um grito dilacerante assim que os viu. E á medida que os golfinhos se
afastavam os seus gritos eram mais volumosos. Quando desapareceram soltou um
grito agudo, assustando os pescadores e espantando os cormorões, mas fazendo
regressar um dos golfinhos.
O
golfinho aproximou-se da costa aos saltos. E entre ele e o menino
estabeleceu-se uma ponte de comunicação. “Acontecera porque a vida é assim”,
diz-nos o escritor.
Durante
todo aquele Verão, o golfinho permaneceu diante de Angostura, até que o Inverno
o obrigou a outras paragens. O menino, porém, diria aos pescadores e aos seus
pais que o cetáceo teve de partir para não ser apanhado pelo gelo, e disse-o
sem manifestar pena alguma, porque, afirmava, no ano seguinte regressaria. E
regressou. Panchito tornou-se um menino igual aos outros, alegre,
participativo, aprendeu a ler e a escrever, a desenhar o seu amigo golfinho.
Esta amizade durou seis verões.
Certa
manhã, no verão de 1990, o golfinho faltou ao encontro, os pescadores alarmados
correram o fim do mundo para o encontrar. Não o encontraram, mas depararam com
um barco-fábrica russo, um dos "muitos assassinos do mar", navegando muito perto de
Angostura.
Panchito
Barría morria dois meses depois, de tristeza. “Extinguiu-se sem chorar, sem
balbuciar uma queixa”.
Sepúlveda
visitou o seu túmulo, uma pequena sepultura isolada, pintada de branco, virada
para o mar. O mar onde tantas vezes o pequeno Panchito brincara com o seu
Amigo!
Armando Palavras
Mais um deslumbrante livro do qual fiquei agora com água na boca e espero ler. Muito obrigado pela breve e maravilhosa crónica.
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