sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

General Loureiro dos Santos – A GUERRA NA ERA DA INFORMAÇÃO


Com pouco mais de vinte anos, a Era da Informação já trouxe factores de tal expressão no modo de fazer a guerra, que pode afirmar-se ter provocado um autêntica revolução na forma dos actores políticos imporem a sua vontade através da coacção.
O aparecimento de novos espaços onde podem ocorrer operações que visam obrigar outros a agirem de acordo com o nosso interesse não só acrescentou novos teatros onde se pode fazer a guerra – espaço exterior, ciberespaço e espaço mediático – aos espaços até então existentes (terrestre, marítimo e aéreo), como, através da presença obsessiva da informação, circulando por essas novas plataformas, fez com que qualquer teatro de operações tradicional possa transbordar os seus limites geográficos (físicos, portanto reais), transformando-se num teatro de natureza global, através dos novos espaços, um dos quais virtual - o ciberespaço - criado pelo ser humano. Além de tornar as acções de guerra, em terra, no mar ou no ar, fortemente dependentes dos três espaços surgidos com a Era da Informação.


Alan Turing, o inventor do moderno
computador programável


Por outro lado, como as sociedades modernas se apoiam nas redes virtuais que geram o ciberespaço e o espaço mediático, toda a realidade concreta passou a ser extremamente frágil e vulnerável a iniciativas que consigam destruir algumas células dessas redes, porquanto a globalização da informação/comunicação, cultural e económica multiplicam a destruição em todas as direcções e a grandes distâncias, exponenciando de tal modo os seus efeitos, que os próprios autores dos actos destruidores iniciais são atingidos e poderão sair extremamente prejudicados. Do que resulta a situação paradoxal dos actores militarmente mais poderosos serem obrigados a condicionar e mesmo a limitar o uso da força que possuem, para evitar “danos colaterais” que tenham resultados contrários aos pretendidos. Pelo contrário, um actor individual com pouco apoio (caso das fugas da Wikyleaks), um conjunto vasto de pessoas comuns conectadas por telemóvel ou pela internet (caso das manifestações convocadas por SMS) ou um pequeno grupo que manipule ingredientes baratos e acessíveis e utilize artefactos técnicos de baixo preço existentes no mercado para fabricar e activar explosivos, qualquer destes actores pode colocar em causa as maiores potências mundiais, particularmente se estas potências forem confrontadas por acções sistemáticas de pequena guerra, por tempo prolongado, desgastando-as material e moralmente e obrigando-as a negociar.
 Sem menos importância é o facto da Era da Informação ter acabado com a importância das fronteiras como frentes de segurança e trazido a necessidade de combater nos antípodas contra ameaças aí originadas que podem atingir o interior de um estado, pondo fim ao seu monopólio de único actor político com capacidade de fazer com que a força alcance efeitos estratégicos. Ao lado do esatdo ou contra si, embora tendo-o sempre como referência, surgiu pujante o actor não estatal, muitas vezes transnacional. E deixou de ser útil a distinção entre ameaças externas e internas para definir quem as deve combater, sendo substituído pelo critério das capacidades necessárias para as enfrentar   
Estando mergulhados no fluir dos novos acontecimentos e das rápidas e sucessivas transformações e aperfeiçoamentos tecnológicos, não é seguro que a nossa observação da realidade em mudança, da qual fazemos parte, seja clara e muito menos definitiva. Ela não deixará de constitui uma mera aproximação, entre muitas outras, a uma futura abordagem, suficientemente distanciada no tempo, portanto numa altura em que já seja possível desbastar a folhagem do acessório e sejam bem visíveis os traços essenciais da forma como se faz a guerra nesta nossa época e no próximo futuro. Uma guerra que estamos a ver, mas também a viver, alguns de nós a fazer, nos seus variados desenvolvimentos, nomeadamente naquilo que, presentemente, nos surge como factor determinante – o papel da informação. Guerra da Informação tanto no sentido de combater no ciberespaço com a finalidade de suprimir, neutralizar, distorcer, ou usar a nosso favor o espaço virtual indispensável ao adversário, como a guerra das percepções, procurando que os alvos humanos que nos interessam percepcionem o que nos convém.
Uma guerra aparentemente simples, colocando as pessoas bem no centro dos acontecimentos – são elas, o seu raciocínio e os seus sentimentos e emoções, que constituem os verdadeiros objectivos a alcançar. Aquilo que elas percepcionam, mais do que a realidade existente, transformou-se no verdadeiro factor desequilibrador das relações de forças. São as pessoas, concentradas nos grandes aglomerados urbanos, organizados ou caóticos, que constituem o terreno dos combates e os principais recursos neles utilizados.
É uma guerra demasiado complexa, que exige abordagens abrangentes, do tipo civil-militar, onde é tão decisivo o soldado, com a finalidade de garantir a segurança das pessoas e das interacções políticas, económicas e sociais, como quem protagoniza estas interacções – o sociólogo, o antropólogo, o intérprete, o professor, o diplomata, o médico, etc.
Uma guerra tão real em sofrimento, como virtual na paralisação das redes sobre as quais funcionam as novas sociedades organizadas e todas as infra-estruturas críticas que a suportam.
Uma guerra com muitos e diversificados afeganistões: o Afeganistão prodigamente dito, assim como afeganistão da Somália, do Iémen, e os afeganistões de Ciudada Juarez, e da região do Cáucaso. Todos eles lugares de extrema carência, cujos problemas maiores são de natureza social, portanto nas melhores condições de serem usados como santuários por criminosos e terroristas de toda a ordem.
Também o afeganistão das favelas do Rio de Janeiro como o complexo do alemão, onde têm ocorrido operações policiais e militares.
Estamos em presença de guerras em que o poder tem outras origens que não as classicamente admitidas. Conforme Joseph Nye afirma na última “Foreign Affairs”: “Num mundo com base na informação, a difusão mediática do poder pode representar um perigo maior do que a projecção do poder. A sabedoria convencional diz que prevalece o estado com maior exército, mas na Era da informação, o estado (ou actor não estatal) que melhor partido tirar dos meios de difusão da informação pode, por vezes, ganhar”. Ou seja, digo eu, pode ganhar quem contar a melhor “história” no sentido jornalístico do termo.

Dezembro de 2010-12-29

José Alberto Loureiro dos Santos
General (R)


 in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)

O Autor

General José Alberto Loureiro dos Santos – Natural de Vilela do Douro, freguesia de Paços, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real, José Alberto Loureiro dos Santos assentou praça na Escola do Exército em 1953, e passou à reserva em 1993. Oficial de Artilharia, habilitado com o Curso de Estado-Maior e o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (doutoramento em Ciências Militares).
Cumpriu duas comissões de serviço em África. Como oficial general, desempenhou várias funções, entre as quais, Director do IAEM, Comandante-Chefe das FA na Madeira, Vice-Chefe do Estado-Maior General das FA (tenente coronel graduado em general de quatro estrelas) e Chefe do Estado-Maior do Exército.
Foi ainda: Encarregado do Governo e Comandante-Chefe de Cabo Verde, Secretário Permanente do Conselho da Revolução, membro do Conselho da Revolução (por inerência, nas funções de Vice CEMGFA), Ministro da Defesa Nacional (nos IV e V Governos Constitucionais) e Professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. É sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa (Secretário da Classe de Letras) e membro do Conselho Científico do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), do Conselho de Honra do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e membro (cooptado) do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa.
Além de participação em várias obras colectivas, tem os seguintes livros publicados: Apontamentos de História para Militares (1979), Forças Armadas, Defesa Nacional e Poder Político (1980), Incursões no Domínio da Estratégia (1983), Abordagem Estratégica da Guerra da Independência (1986), Como Defender Portugal (1991), Reflexões sobre Estratégia, Temas de Segurança e Defesa (2000), Segurança e Defesa na Viragem do Milénio – Reflexões sobre Estratégia II (2001), Ceuta 1415 – A Conquista (2002), A Idade Imperial – Reflexões sobre Estratégia III (2003), E Depois do Iraque? (2003), Convulsões – Ano III da Guerra ao Terrorismo – Reflexões sobre Estratégia IV (2004), O Império Debaixo de Fogo – Ofensiva contra a Ordem Internacional Unipolar – Reflexões sobre Estratégia V (2006), A Ameaça Global – O império em Cheque – A Guerra do Iraque em Crónicas (2008), As Guerras que já estão aí e as que nos esperam, se os políticos não mudarem – Reflexões sobre Estratégia VI (2009), História Concisa de Como se Faz a Guerra (2010).
Tem efectuado conferências e colaborado em vários órgãos de comunicação social, sobre assuntos de Estratégia, Segurança e Defesa e Relações Internacionais.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Poucos mas bons (o combate ao tráfico de escravos)

  A Marinha Portuguesa teve um destacado historial de combate ao tráfico de escravos ao longo do século XIX. Poucos, mas Bons – Portugal e...