quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Os Mistérios da Borboleta Azul






Guias da Natureza, Borboletas - Plátano Editora, 1997
As borboletas possuem muitas vezes colorações vistosas, formando desenhos intricados de rara beleza, o que as torna muito conhecidas e admiradas. Estes seres vivos constituem um importante grupo de insectos pertencentes à ordem dos lepidópteros, termo que significa literalmente “asas (pteros) com escamas (lepido)”. É uma ordem muito extensa, constituída por numerosas famílias a que pertencem mais de 165 000 espécies. As asas e o corpo apresentam-se revestidos por escamas, que vulgarmente também cobrem as patas. São estas escamas que, possuindo muitas vezes cores vistosas, podem formar nas asas, os desenhos que tornam as borboletas tão atractivas visualmente. O corpo da borboleta é muito leve, as asas são em geral largas e podem medir desde poucos milímetros a mais de 20 centímetros. Durante a fase de desenvolvimento estes insectos, designados holometabólicos, sofrem metamorfoses completas ou complexas, com quatro fases bem distintas: ovo, larva ou lagarta, pupa ou crisálida para finalmente emergir o adulto. Ao longo da sua vida os lepidópteros alimentam-se de formas diferentes, sendo normalmente fitófagos no estado larvar e libadores no estado adulto. Assim sendo e como a natureza não deixa nada ao acaso, também o seu órgão bucal difere com a fase de desenvolvimento, estando preparado para diferentes tipos de alimentação. Enquanto lagartas, estes insectos possuem armadura bucal trituradora. Já no estado adulto a armadura bucal é libadora e preparada para sugar o néctar adocicado das flores. Neste estado podem, por isso, ser polinizadores. Depois destas considerações sobre as características gerais dos lepidópteros vão desvendar-se alguns dos mistérios da borboleta azul.
A borboleta azul, de nome científico Maculinea alcon (Den. & Schiff.) é uma das 30 espécies de lepidópteros da família Lycaenidae que ocorre em Portugal. Trata-se de um grupo das espécies raras e ameaçadas em muitos países europeus, estando incluída no Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas (IUCN-The World Conservation Union). Foi classificada desde 1983 como “vulnerável” e desde 1994 é considerada como em “perigo de extinção”. Apesar da sua vasta distribuição geográfica, desde a Europa Central e Meridional (norte do Mediterrâneo) até à Ásia Central, as suas populações dispersas encontram-se em declínio muito acentuado em determinadas áreas. Em Portugal a sua distribuição está confinada ao Norte do País, com maior ocorrência no Parque Natural do Alvão.
A borboleta azul tem uma envergadura de 34 a 38 mm e apresenta dimorfismo sexual, i.e. diferenciação morfológica entre sexos. Assim, machos e fêmeas possuem uma coloração pardacenta na região inferior do corpo e das asas, mas a região superior é de coloração mais azul nos machos do que nas fêmeas. Esta espécie habita os lameiros e turfeiras com matos higrófilos de tojo (Ulex sp.) e urze-peluda (Erica tetralix), regularmente pastoreados. Nestes locais forma pequenas colónias isoladas, dado que os adultos, por viverem apenas alguns dias, raramente se deslocam para outros terrenos.
Parque Natural do Alvão - habitat da borboleta azul
Tal como acontece com outras espécies de licaenídeos, também esta borboleta possui um ciclo de vida curioso e algo invulgar, sendo mirmecófaga, durante parte do seu desenvolvimento i.e. depende de formigas do género Myrmica para sobreviver. Assim, o início do ciclo biológico de M. alcon ocorre em Julho e Agosto, com o voo e consequente acasalamento das borboletas. Após o acasalamento, as fêmeas dirigem-se para as cápsulas florais de uma planta específica, a genciana (Genciana pneumonanthe L.) e aí colocam os ovos. Cada fêmea põe, em média, 60 ovos em grupos de 3 a 4 em cada planta. O desenvolvimento embrionário ocorre durante aproximadamente três semanas, período após o qual, se dá a eclosão das pequenas lagartas que começam
imediatamente a alimentar-se. Nesta fase, as lagartas são fitófagas e alimentam-se dos tecidos vegetais que constituem o ovário das flores de genciana, onde se alojam até atingirem o terceiro estado de desenvolvimento larvar. E é a partir daqui que mudam o seu comportamento e se tornam mirmecófagas. Como? Quando atingem a fase final do terceiro estado de desenvolvimento larvar, abrem um orifício de saída na zona do cálice da flor e deixam-se cair no solo, onde esperam, até serem adoptadas por formigas do género Myrmica. É importante que sejam encontradas o mais rápido possível depois de saírem da planta, uma vez que, com o passar do tempo, diminuem as hipóteses de serem adoptadas e levadas para o formigueiro. Neste processo intervêm um mecanismo engenhoso de sedução química, que passa pela produção de uma secreção doce por parte das lagartas, semelhante às das larvas das formigas, induzindo estas a levarem-nas para o seu formigueiro julgando tratar-se de larvas perdidas. Nos formigueiros, onde passam cerca de onze meses até completarem o desenvolvimento larvar e puparem, as lagartas são tratadas e acarinhadas como larvas de formigas, em troca das substâncias doces que produzem. As lagartas crescem muito durante esse tempo, atingindo cerca de 12 mm de comprimento e pesando até 100 mg. No inicio do Verão terminam o seu desenvolvimento larvar e transformam-se em pupa ainda dentro do formigueiro. O adulto surge cerca de um mês depois. Nesta fase perde as capacidades de “camuflagem” e tem de abandonar rapidamente o formigueiro para impedir que as formigas o matem, deixando assim o formigueiro ainda antes de expandir as asas.
Mistério desvendado! E eis que se inicia um novo ciclo, com o voo de centenas de borboletas azuis sob o céu limpo de Julho e Agosto, na paisagem deslumbrante do planalto de Lamas de Olo, junto aos vales por onde corre o pequeno Rio Olo, que sussurrando tranquilamente, atravessa a Serra do Alvão.
A distribuição geográfica dos lepidópteros foi e é condicionada por barreiras geográficas como oceanos, desertos, glaciares ou montanhas, pela distribuição das plantas hospedeiras habituais, pelas possibilidades de voo e ainda pela sua tolerância aos factores físicos do ambiente, como os climáticos e os ecológicos. No caso da borboleta azul, são as condicionantes do seu habitat, nomeadamente a existência obrigatória do duo planta/formiga, que fazem com que esta espécie seja tão importante e curiosa. É importante não esquecer que a borboleta azul começa a ser hoje olhada como um bioindicador da qualidade das turfeiras e consequentemente como uma espécie a preservar…

in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)





A autora

Paula Maria Seixas de Oliveira Arnaldo, nasceu a 20 de Maio de 1965. Casada, com três filhos. Licenciada em Engenharia Agrícola, Mestre em Engenharia de Produção Florestal e Doutora em Ciências Florestais. Lecciona várias cadeiras na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro., onde também orienta Pós-graduações e Mestrados. Desempenha várias funções como as de Vice-directora e Vice-coordenadora. Geriu o Fundo de Maneio atribuído ao Departamento de Produção de Plantas. É membro efectivo do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas; foi membro efectivo do Centro de Investigação Centro de Estudos em Gestão de Ecossistemas. Participou em diversos Projectos de Investigação e tem vários trabalhos publicados em revistas científicas e outras. Participou em diversas reuniões científicas e Congressos, apresentando numerosas Comunicações. Participou em várias Actividades de Extensão e Apoio à Comunidade.

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