sexta-feira, 8 de julho de 2011

Duas obras maiores europeias e o “lixo português”

Édipo matando o pai
As últimas noticias sobre o “lixo português”, provocado pelo comportamento usurário[1] das agências de rating americanas, fizeram-nos viajar no tempo cerca de 2500 anos. Aportámos na Grécia Antiga e assistimos a duas tragédias, obras maiores de dois dos três gigantes da poesia. As Bacantes e a Oresteia. Esta de Ésquilo e aquela de Eurípides[2].
E isto porque aos actuais dirigentes europeus lhes falta a estatura dos seus precedentes. Os fundadores da União.
Nas Bacantes, Agave levada pela paixão incontrolável, acaba por matar o seu próprio filho. Esse acontecimento provocou-lhe reflexão profunda. Teria ido longe demais? Porque não paramos em determinado momento? Se o não fazemos, a paixão dilacera-nos a alma!
Na Oresteia, Ésquilo dá-nos uma grande lição. A de que se aprende com o sofrimento.
Que relação existe entre estas duas obras e o momento actual da Europa e do Mundo?
Se a estatura dos actuais dirigentes fosse da igualha dos seus antecessores há muito que haviam solucionado esta especulação, esta usura, esta roubalheira, esta paixão exacerbada pelo dinheiro, pela divida soberana dos Estados. E há muito que estas agências teriam parado para reflectir como Agave. Hão-de fazê-lo tarde, mas fazem-no quando as pessoas se tornarem bestas. Não estamos longe dos tempos de Hitler ou Staline. Com culpa da própria Europa que impõe juros, também eles usurários, aos seus próprios estados membros, ferindo-os de morte como o deus das Bacantes. “O deus feriu-nos com razão mas demasiado cruelmente”, diz Cadmo ao trazer nos braços os membros despedaçados de Penteu.

Penteu desmembrado pelas Bacantes

E as agências sabem-no. E também sabem que esse tipo de juro é incomportável para estados periféricos como a Grécia ou Portugal.
Ao contrário dos dirigentes actuais, os pais fundadores aprenderam a lição de Ésquilo. Aprenderam com o sofrimento, experiência pela qual não passaram os seus sucessores. Os fundadores sofreram as agruras das duas guerras, sobretudo da segunda. E esse sofrimento tornou-os mais humanos, mais solidários, essencialmente com os mais desfavorecidos.
É por essa razão que ainda hoje o Serviço Nacional de Saúde inglês é intocável. Caíram-lhes toneladas de bombas na cabeça, na Segunda Guerra Mundial!

Post-scriptum
Não é por acaso que a pátria de Ésquilo e de Euripides se encontra hoje no epicentro de um vulcão humano. A corrupção foi quem a levou a este termo. E a Portugal também.

Armando Palavras



[1] A usura, tema magistralmente tratado por Luís Dias de Carvalho em Trás-os-Montes e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura (Coord. PALAVRAS, Armando), ed. Exoterra, 2011.
[2] O terceiro é Sofocles, admirável autor da imortal Antígona.

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