terça-feira, 28 de junho de 2011

Aspectos de Ontem - Astérix L Goulés e L Princepico: dois clássicos em mirandês

Depois de séculos se manter como língua de transmissão oral, talvez devido às condições peculiares de geografia da região transmontana, caracterizada, de certo modo, por ter conservado os arcaísmos, resistindo às invasões e às novidades[1], o mirandês é revelado à opinião pública em 1882 pelo sábio português José Leite Vasconcelos que inicia uma série de pequenos escritos, intitulados O dialecto mirandez (Notas glottologicas), no jornal O Penafidelense. São mais tarde compilados no opúsculo O dialecto mirandez (contribuição para o estudo da dialectologia românica no domínio glottologico hispano-lusitano), editado no Porto. Noticia-se assim, pela primeira vez, a existência de um idioma que não é português nem galego. Evidencia-se, no entanto, que se pode estabelecer que o mirandês pertence ao domínio espanhol, como próximo do leonês, com muitas interferências, porém, do português.
Uma boa parte da gramática desse idioma, assim como o tratamento das suas origens e filiação, são assunto dos dois volumes dos Estudos de Philologia Mirandesa, publicados pelo mesmo sábio em 1900-1901.
Ramon Menéndez Pidal, um sábio espanhol, afirma em 1906 no seu dialecto leonês, que a fala descrita por Vasconcelos se estendera em tempos idos a um domínio linguístico muito mais extenso que o seu pequeno território.
Durante o século XX, vários autores se debruçaram sobre o assunto. Distinguiram-se, por exemplo, José Herculano de Carvalho e António Maria Mourinho. Foi graças a eles que o mirandês não se extinguiu por completo. Esta curiosidade por este idioma ressurgiu com todo o vigor nos últimos anos do século passado. Sobretudo após ser reconhecido como uma segunda língua oficial de Portugal, falada no extremo Nordeste. A proposta de Lei foi apresentada à Assembleia da República, pelo então deputado Júlio Meirinhos e aprovada por unanimidade a 17 de Setembro de 1998, sendo publicada em Diário da República no inicio do ano seguinte.
Actualmente o estudo do mirandês não interessa apenas ao estudioso isolado. Exige trabalho conjunto.
E foi com este espírito que nos apareceram dois clássicos (um da banda desenhada outro da literatura universal) vertidos em mirandês: Em 2005 surgiu a tradução para mirandês, por Amadeu Ferreira (secundado por Domingos Raposo e Carlos Ferreira), de um volume de um clássico da banda desenhada – Astérix L Goulés. Foi uma forma formidável de universalizar o idioma, divulgando-o na grande família de 103 línguas de todo o mundo em que se encontra traduzida a obra. Uma edição da ASA, numerada. A nós calhou-nos o exemplar número 859.
Simbolicamente, tal como aquela pequena aldeia de gauleses que era o último reduto de resistência, também o mirandês, um idioma velho de séculos como o tempo, o é.
A figura de Astérix nasceu há 50 anos pelas mãos do francês René Goscinny, nascido em 1926 (argumentista) e de Albert Uderzo, nascido em 1927 (desenhador).
Em 2011, o livro de Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho, foi vertido para mirandês, sob a chancela da ASA, por Ana Afonso, supervisionada por Domingos Raposo. O Principezinho, uma das obras mais emblemáticas da literatura francesa, saiu a público pela primeira vez em 1943 e já foi traduzido em mais de 200 línguas (nomeadamente em línguas minoritárias e dialécticos).

Armando Palavras




[1] A tal propósito, cf., Oliveira Martins (1972), Jaime Cortesão (1984), Veríssimo Serrão (1978), Severim Faria, Noticias de Portugal (2003), Orlando Ribeiro Os Factores Democráticos na Formação de Portugal (1984), Vitorino Magalhães Godinho, Portugal a Emergência de uma Nação (2004), COELHO, António Boges Coelho, Quadros para uma Viagem a Portugal no século XVI (1986), José Mattoso, Suzanne Daveau, Duarte Belo, Portugal, O sabor da Terra (2010).

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