Por MARIA da GRAÇA
PREFÁCIO - IN A
ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO Quando em Agosto de 1941, em plena Segunda
Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o presidente
dos EUA, Franklin Roosevelt, se reuniram ao largo da Terra Nova, para o
estabelecimento de um possível acordo de ajuda a Inglaterra, o líder inglês ficou
não somente surpreendido, como também irritado.
Nessa época, uma boa parte dos
países europeus enfrentavam muitas dificuldades, ocupada pelos exércitos de
Hitler. A Inglaterra continuava a resistir, mas até quando?
Os norte-americanos insistiam que
não era consistente combater a teoria nazi-fascista, em nome dos elevados
valores humanos e, em simultâneo, manter os súbditos das colónias num regime de
subdesenvolvimento e de exploração. Embora contrariado, Winston Churchill
cedeu.
A cimeira terminou com a
assinatura da Carta do Atlântico, contendo os princípios da
matriz da futura política mundial do pós-guerra, que inspiraram a Carta
das Nações Unidas, assinada em 1945, e a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, em 1948, ficando assim criado um quadro político de
entendimento internacional para o fim do colonialismo tradicional.
Entretanto , a efervescência da
guerra tinha gerado, no interior norte de Portugal, uma corrida desenfreada à
exploração de volfrâmio para o fabrico de armamento pesado, destinado à guerra:
250 toneladas/mês era a quantidade que Portugal se propôs fornecer e mais
tarde uma quantidade ainda maior aos Aliados , o que criou uma escassez do
minério e desencadeou uma forte corrente de contrabando e a subida dos preços
no mercado negro. Uns faziam a guerra, outros forneciam o material que a
alimentava.
Simultaneamente, as áreas de
Barroso a uma altitude superior a 600 metros, tal como noutros locais de
montanha, foram destinados à produção intensiva de batata de semente, de forma
a garantir disponibilidade de um produto essencial na alimentação dos
portugueses nesse período de guerra. Barroso registou um forte abanão. As casas
de colmo passaram a telha, a economia local com base na troca cessou,
transfigurou-se a paisagem e a forma de viver ancestral e um maior número dos
seus filhos puderam continuar os estudos.
No final dos anos cinquenta, a
forte recuperação económica da Europa requereu mais mão-de-obra, ocasionando a
saída, em crescendo e clandestina, de centenas de milhares de trabalhadores
portugueses a caminho de França, Alemanha e de outros países,
desequilibrando profundamente o tecido económico e social do interior
rural português.
Logo no final da guerra, os EUA
iniciaram o processo de descolonização, concedendo a independência às Filipinas
e a Inglaterra seguiu-lhe o exemplo , acordando a independência da Índia e do
Paquistão em 1947 e do Sri Lanka e Birmânia em 1948. Em 1949 a Indonésia
liberta-se do domínio holandês. Na década de 50 atingiram a independência mais
de duas dezenas de países africanos, ex-colónias de países europeus.
Muitos outros territórios de África alcançaram a independência entre 1950 e 1970, a maior parte por meios pacíficos. A descolonização representa o acontecimento mais marcante da política mundial do pós-guerra.
Nesta confrontação entre o global
e o local, não pode deixar de se questionar a falta de objectividade e a
teimosia de um país pequeno e pobre como Portugal, de pretender manter
inalterado o seu domínio sobre territórios ultramarinos com uma
extensão 23 vezes e meia maior que a de Portugal Continental.
Em Março de 1961 rebenta uma
revolta brutal e sangrenta no norte de Angola, continuada ao longo dos anos
seguintes por uma guerra de guerrilha e de desgaste, que se estendeu a outros
territórios na dependência de Portugal.
Os mancebos do Barroso, como de
todo o país, foram chamados a essa guerra ultramarina que envolveu entre 1961 e
1974 mais de um milhão de jovens portugueses. É desse percurso, dessa
vivência interior de toda uma geração , que queremos dar testemunho individualizado
e procurar uma resposta para a falta de entendimento do que se passava à nossa
volta, naquele mundo de convulsão e mudança.
Ao longo do livro tentámos
clarificar como a expansão muçulmana no sul do Mediterrânio levou à deslocação
para o norte da centralidade da Europa e à expansão marítima de Portugal;
revisitámos a descoberta de novos mundos e o comércio de escravos africanos, de
ouro, pimenta e marfim; a exploração da costa africana e o
estabelecimento de feitorias costeiras; a chegada ao Congo e Angola , o
povoamento por degredados, a chegada à Índia e ao Oriente, o desenvolvimento do
comércio triangular atlântico, o advento de uma nova classe burguesa, a entrada
na era industrial e o retalhar de África entre as potências imperialistas europeias.
Quanto a Portugal, veremos também
como as idealizações de políticas de laboratório, concebidas por académicos
arrogantes,fermentadas e difundidas em Lisboa, isto é, assentes num modelo
ultra-centralizado, geraram e impuseram tantos projectos irrealistas,
consumidores de recursos do erário público, que só geraram frustração e
desânimo em Angola.
Veremos em revista como o Estado
Novo implantou ali um capitalismo tardio, centrado em monopólios de exploração
de recursos mineiros e em grandes unidades agrícolas vocacionadas para a
exportação, com apoio no trabalho forçado ou contratado e mal remunerado;
observar como uma receita encomendada a Gilberto Freyre - Luso-tropicalismo -
serviu (ou não) de pedra de arremesso às aspirações de emancipação dos povos colonizados,
estimulados pela competição das grandes potências, pelo domínio mundial.
Nesta invocação da história
pretendemos igualmente filtrar os mitos, as manipulações absurdas e os
ressentimentos. Não para ressuscitar novas querelas , mas sim para melhor nos
conhecermos mutuamente, tomando a verdade como caminho autêntico de liberdade,
entendida aqui como um processo de crescimento individual e colectivo, e
referência de um percurso comum, consistente e harmonioso. Mas foi a
trajectória humana de sofrimento injustificado e silenciado de milhares de
vidas - portugueses e africanos, soldados e comunidades civis - que nos levou a
elaborar este trabalho, que dedicamos a todos os que directa ou indirectamente
foram envolvidos nesta tormenta.
Um sincero e reconhecido
agradecimento a todos os que tornaram possível a concretização deste livro, em
particular os amigos e companheiros que generosamente dedicaram o seu tempo a
ler extensas partes do manuscrito ou o texto integral e ajudaram de muitas
formas a melhorar a sua elaboração.
Como principal inspirador e
colaborador activo na sua redacção, considero o João Barroso da Fonte como
autêntico e dedicado co-autor deste livro.
ANTÓNIO
CHAVES
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