quarta-feira, 18 de setembro de 2024

PREFÁCIO - IN A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO


 Por MARIA da GRAÇA


PREFÁCIO - IN A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO Quando em Agosto de 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, se reuniram ao largo da Terra Nova, para o estabelecimento de um possível acordo de ajuda a Inglaterra, o líder inglês ficou não somente surpreendido, como também irritado.

Os EUA propuseram, como condição para o seu envolvimento, que se pusesse termo ao domínio do comércio mundial pelos banqueiros ingleses e alemães e cessasse o domínio da Europa sobre extensos territórios das colónias, subjugadas por uma dependência forçada; não estavam dispostos a sacrifícios para garantir a continuidade dessas práticas; era necessário conceder liberdade de comércio e de progresso aos territórios colonizados e projectar uma plataforma para o futuro do mundo livre.

Nessa época, uma boa parte dos países europeus enfrentavam muitas dificuldades, ocupada pelos exércitos de Hitler. A Inglaterra continuava a resistir, mas até quando?

Os norte-americanos insistiam que não era consistente combater a teoria nazi-fascista, em nome dos elevados valores humanos e, em simultâneo, manter os súbditos das colónias num regime de subdesenvolvimento e de exploração. Embora contrariado, Winston Churchill cedeu.

A cimeira terminou com a assinatura da Carta do Atlântico, contendo os princípios da matriz da futura política mundial do pós-guerra, que inspiraram a Carta das Nações Unidas, assinada em 1945, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, ficando assim criado um quadro político de entendimento internacional para o fim do colonialismo tradicional.

Entretanto , a efervescência da guerra tinha gerado, no interior norte de Portugal, uma corrida desenfreada à exploração de volfrâmio para o fabrico de armamento pesado, destinado à guerra: 250 toneladas/mês era a quantidade que Portugal se propôs fornecer  e mais tarde uma quantidade ainda maior aos Aliados , o que criou uma escassez do minério e desencadeou uma forte corrente de contrabando e a subida dos preços no mercado negro. Uns faziam a guerra, outros forneciam o material que a alimentava.

Simultaneamente, as áreas de Barroso a uma altitude superior a 600 metros, tal como noutros locais de montanha, foram destinados à produção intensiva de batata de semente, de forma a garantir disponibilidade de um produto essencial na alimentação dos portugueses nesse período de guerra. Barroso registou um forte abanão. As casas de colmo passaram a telha, a economia local com base na troca cessou, transfigurou-se a paisagem e a forma de viver ancestral e um maior número dos seus filhos puderam continuar os estudos.

No final dos anos cinquenta, a forte recuperação económica da Europa requereu mais mão-de-obra, ocasionando a saída, em crescendo e clandestina, de centenas de milhares de trabalhadores portugueses a caminho de França, Alemanha e de outros países, desequilibrando profundamente o tecido económico e social do interior rural português.

Logo no final da guerra, os EUA iniciaram o processo de descolonização, concedendo a independência às Filipinas e a Inglaterra seguiu-lhe o exemplo , acordando a independência da Índia e do Paquistão em 1947 e do Sri Lanka e Birmânia em 1948. Em 1949 a Indonésia liberta-se do domínio holandês. Na década de 50 atingiram a independência mais de duas dezenas de países africanos, ex-colónias de países europeus.

Muitos outros territórios de África alcançaram a independência entre 1950 e 1970, a maior parte por meios pacíficos. A descolonização representa o acontecimento mais marcante da política mundial do pós-guerra.

Nesta confrontação entre o global e o local, não pode deixar de se questionar a falta de objectividade e a teimosia de um país pequeno e pobre como Portugal, de pretender manter inalterado o seu domínio sobre territórios ultramarinos com uma extensão 23 vezes e meia maior que a de Portugal Continental.

Em Março de 1961 rebenta uma revolta brutal e sangrenta no norte de Angola, continuada ao longo dos anos seguintes por uma guerra de guerrilha e de desgaste, que se estendeu a outros territórios na dependência de Portugal.

Os mancebos do Barroso, como de todo o país, foram chamados a essa guerra ultramarina que envolveu entre 1961 e 1974 mais de um milhão de jovens portugueses. É desse percurso, dessa vivência interior de toda uma geração , que queremos dar testemunho individualizado e procurar uma resposta para a falta de entendimento do que se passava à nossa volta, naquele mundo de convulsão e mudança.

Ao longo do livro tentámos clarificar como a expansão muçulmana no sul do Mediterrânio levou à deslocação para o norte da centralidade da Europa e à expansão marítima de Portugal; revisitámos a descoberta de novos mundos e o comércio de escravos africanos, de ouro, pimenta e marfim;  a exploração da costa africana e o estabelecimento de feitorias costeiras; a chegada ao Congo e Angola , o povoamento por degredados, a chegada à Índia e ao Oriente, o desenvolvimento do comércio triangular atlântico, o advento de uma nova classe burguesa, a entrada na era industrial e o retalhar de África entre as potências imperialistas europeias.

Quanto a Portugal, veremos também como as idealizações de políticas de laboratório, concebidas por académicos arrogantes,fermentadas e difundidas em Lisboa, isto é, assentes num modelo ultra-centralizado, geraram e impuseram tantos projectos irrealistas, consumidores de recursos do erário público, que só geraram frustração e desânimo em Angola.

Veremos em revista como o Estado Novo implantou ali um capitalismo tardio, centrado em monopólios de exploração de recursos mineiros e em grandes unidades agrícolas vocacionadas para a exportação, com apoio no trabalho forçado ou contratado e mal remunerado; observar como uma receita encomendada a Gilberto Freyre - Luso-tropicalismo - serviu (ou não) de pedra de arremesso às aspirações de emancipação dos povos colonizados, estimulados pela competição das grandes potências, pelo domínio mundial.

Nesta invocação da história pretendemos igualmente filtrar os mitos, as manipulações absurdas e os ressentimentos. Não para ressuscitar novas querelas , mas sim para melhor nos conhecermos mutuamente, tomando a verdade como caminho autêntico de liberdade, entendida aqui como um processo de crescimento individual e colectivo, e referência de um percurso comum, consistente e harmonioso. Mas foi a trajectória humana de sofrimento injustificado e silenciado de milhares de vidas - portugueses e africanos, soldados e comunidades civis - que nos levou a elaborar este trabalho, que dedicamos a todos os que directa ou indirectamente foram envolvidos nesta tormenta.

Um sincero e reconhecido agradecimento a todos os que tornaram possível a concretização deste livro, em particular os amigos e companheiros que generosamente dedicaram o seu tempo a ler extensas partes do manuscrito ou o texto integral e ajudaram de muitas formas a melhorar a sua elaboração.

Como principal inspirador e colaborador activo na sua redacção, considero o João Barroso da Fonte como autêntico e dedicado co-autor deste livro.

                                                                                              ANTÓNIO CHAVES

 

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