Major-general
Com esta avalanche de manipulações, até parece que foi a Ucrânia
que atacou a Federação Russa e que a culpa foi da NATO. Cuidemo-nos
À memória vêm-nos desde logo os famigerados acordos de Munique de 1938, de Neville Chamberlain, Édouard Daladier e Benito Mussolini, tentando encontrar uma solução para apaziguar a voragem de Adolf Hitler, na antecâmara da Segunda Guerra Mundial. O resultado foi o infeliz desastre que todos nós conhecemos.
É verdade que a História não se repete,
mas muitas vezes rima, como terá escrito Mark Twain – por isso aprendamos a não
repetir os erros do passado. É no mínimo isso que devemos exigir aos nossos
dirigentes políticos. Por favor, não cometam os erros do passado!
Esta guerra real e de cada vez mais alta
intensidade que geograficamente parece estar contida dentro das fronteiras da
Ucrânia, em boa verdade já não o está. As ações próprias de uma guerra híbrida
preparatória de algo mais perigoso e sério fazem-se sentir quase
quotidianamente no nosso espaço europeu. Os ciberataques são diários, as ações
de vigilância e sabotagem levadas a cabo por agentes infiltrados por Moscovo
passaram a ser mera rotina, parece mesmo que voltamos à Guerra Fria. As ações
de propaganda visando conquistar as mentes e as almas dos nossos concidadãos,
explorando a nossa completa liberdade de imprensa e a de todos os meios de
comunicação de massa, incluindo as novíssimas redes sociais de hoje em dia, têm
tentado fazer de nós os culpados de todos os males do Mundo. O plantar de
colaboracionistas no nosso espaço tem vindo a agravar tudo.
Com esta avalanche de manipulações, até
parece que foi a Ucrânia que atacou a Federação Russa e que a culpa foi da NATO
que se aproximou perigosamente das suas fronteiras, como se a decisão de aderir
à Aliança não fosse uma legítima decisão soberana de cada Estado que a esta
organização escolheu pertencer. Cuidemo-nos, é tempo de nos protegermos, caso contrário
podemos ter de combater um inimigo híbrido, indefinido e plantado no seio das
nossas próprias populações. E essa é a pior guerra de se combater.
Como muito bem asseverou Grant Shapps, o
atual ministro da Defesa do Reino Unido, ao referir-se à nova ofensiva em
direção a Kharkiv, “os acontecimentos da semana passada deveriam ter sido um
alerta para o Ocidente. Palavras calorosas não são suficientes. Cada nação que
valoriza a sua liberdade deve fazer tudo o que puder o mais rapidamente
possível para garantir que as forças armadas da Ucrânia sejam capazes de
repelir esta invasão ilegal”. Claro que Shapps está carregado de razão. Chegou
o tempo de acabar de vez com “caveats” sem sentido – em bom português
“limitações de emprego” das armas que fornecemos à Ucrânia. Afinal temos medo
de quê? Das ameaças nucleares de Medvedev, de Putin ou de um qualquer outro
siloviki a quem o Presidente russo encomende ameaças veladas? Que saibamos a
lógica da Destruição Mútua Assegurada (o famoso MAD) continua a funcionar da
mesma forma eficiente em que funcionou durante a Guerra Fria. E que se saiba,
para os lados de Moscovo as tendências de um suicídio não estão em crescendo.
Estejamos por isso tranquilos.
Uma guerra não se ganha combatendo apenas
na frente de batalha, ganha-se destruindo a capacidade do adversário de
regenerar o potencial de combate, atacando o seu complexo militar-industrial,
as suas vias de comunicação logísticas, as suas concentrações de tropas e o seu
sector produtivo. Redunda num verdadeiro paradoxo o querer que a Ucrânia ganhe
uma guerra impedindo-a de utilizar as poucas armas de longo alcance que lhe são
fornecidas sobre objetivos militares legítimos, na profundidade da Federação
Russa. Em linguagem militar, na Zona de Comunicações e na Zona do Interior do
Teatro de Operações do Inimigo. Isto é pedir demasiado aos militares e ao povo
ucraniano, que já decidiu de que lado quer estar no futuro. Temos por isso a
obrigação de não os desiludir mais uma vez, de os apoiar e acabar de vez com
estas limitações de emprego desprovidas de sentido e reveladoras de falta de
coragem, para não proferir a palavra adequada: cobardia. Vivemos hoje um
momento crucial e extraordinariamente difícil – por isso respeitemos quem sofre
diariamente os horrores de uma guerra sem sentido e de um povo que tem sido
vítima constante de horroríficos crimes de guerra.
A ineficiência do sistema russo tornou-se
óbvia, a asfixiante falta de inovação parece ter acordado Putin para a
realidade. O novo Stalin renascido tem para si que a Rússia não conseguirá
vencer sem alavancar devidamente a sua economia de guerra. E, por isso mesmo,
está a fazê-lo, convencido de que, assim, vencerá.
Adolf Hitler teve exatamente a mesma
certeza por alturas de 1943 quando se viu perante o mesmo problema com que hoje
a Federação Russa se está a confrontar. Antes, a produção militar era tudo
menos racional, existiam incontáveis programas concorrentes muito exigentes e
dispendiosos que pareciam não ter utilidade visível. A sensação era de que
muitos recursos estavam a ser desaproveitados. Hitler, como é sabido, na fase
crucial da sua aventura expansionista resolveu nomear Albert Speer, “o seu
muito leal amigo”, para dirigir o seu complexo militar-industrial, como seu
ministro do Armamento e de Produção de Guerra. Hoje Vladimir Putin, muito à
semelhança daquele que parece ser o seu verdadeiro mentor (muito embora acuse
todos os outros de práticas nazis), resolveu nomear Andrei Removich Belusov
como ministro da Defesa.
As motivações de um e de outro parecem
ser tiradas a papel químico. Muito embora Belusov não tenha um verdadeiro,
prévio e consolidado conhecimento das questões da defesa e dos assuntos
militares, é leal e tem a vontade e a capacidade de pôr a funcionar em pleno os
projetos ligados ao complexo militar-industrial, exatamente como Speer fez. A
ausência de uma experiência militar propriamente dita não o impediu de colocar
em marcha uma reorganização surpreendentemente eficaz, alavancando o esforço
militar-industrial alemão a níveis nunca antes almejados. Resultou, a verdade
seja dita: foi realmente apenas em meados de 1944, apesar dos ataques aéreos
maciços, que a indústria alemã atingiu o topo da produção militar industrial,
crescendo mais de 50% justamente dez meses antes do final da guerra – sob a
égide de Speer.
Belusov parece ser o estereótipo do homem
que poderá conseguir idêntico feito. Trata-se de um tecnocrata proveniente da
elite da Era Soviética, que piamente acredita que o sistema russo pode ser
muito melhorado se dirigido pelo Estado, desde que o esforço de produção seja
por ele controlado, centralmente planeado e desburocratizado, e com todas as
empresas privadas a fazer o que lhes ordenam e utilizando eficazmente os lucros
para assim impulsionar a respetiva eficiência. Assim como Speer, que fora um
arquiteto, o seu Doppelganger é um doutor em Economia, de reconhecida
competência, que não irrita o novo Führer pois, geralmente, é muito leal.
Belusov vai certamente impulsionar a capacidade do complexo militar-industrial
russo.
Até que ponto? Esta é a grande questão
que se põe e que a todos os dirigentes políticos do Ocidente deve preocupar;
como diria Lénine, “o que fazer?”. Tenho para mim que o mais importante será
saber bem jogar na antecipação e procurar fazer mais, melhor e nisso haver um
empenhamento tão rápido que permita que a Ucrânia consiga estar sempre, pelo
menos, um passo à frente.
FONTE: CNN
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