Por Maria da Graça
PARABÉNS A PE. FONTES - 22 DE FEVEREIRO 2024
18 - (EXCERTO)
"Não posso perder tempo com acontecimentos da terra. Sem que exista motivo para parar a minha vida, continuarei a minha existência como me propus narrar, ou alguém se propôs, nesta forma livre e ficcionada dos meus momentos. Estou no seminário. Ou antes, não estou. Vou a caminha de Tourém de carro. E até aldeia, até esse tempo, há o seminário. Uma educação severa que proibia ler romances. A capela era lugar ideal para os ler por ser lugar pouco vigiado. O local de oração sempre foi refugio de sossego. Talvez tivessem medo, os superiores, da presença de Deus que ali estava mais perto da Terra. Naquele recinto não incomodavam ninguém. Mesmo durante as eucaristias, quando os chinelos voavam de um lado para o outro.
Era proibido vir de
chinelos mas, à noite , depois do banho, ninguém cumpria essa regra. E como a
Eucaristia era celebrada sempre nessa monotonia bafienta, tínhamos de encontrar
formas de passar o tempo. Uma era arrastar bancos, obrigando alguém a ficar de
pé. Outra, a mais perigosa e arrojada, era fazer de chinelos discos voadores
quando os conseguíamos arrancar dos pés de algum moço distraído, Nunca
participei dessas aventuras. Para mim bastava olhar e ver. Os sorrisos
silenciosos esqueciam o tempo. Todavia tudo parou por alguns meses, quando um
chinelo desgovernado, atirado pelo Chico, um rapaz robusto de Chaves, foi parar
ao altar no momento da consagração do pão e do vinho. Virou o vinho. Não foi
expulso porque o pai, um fabricante de móveis dava quantias avultadas para o
seminário. O assunto foi silenciado e os chinelos deixaram de voar. Somente se
moviam os bancos.
Depois das férias, quando
voltava para a severidade, levava sempre presunto e chouriços. A primeira vez.
ainda não estava habituado aos costumes da casa, fui confiscado. Ficaram-me com
todos os fumados. Deviam se rir de nós ao comê-los. Desejei-lhes
silenciosamente que se entalassem até ao rabo com aqueles alimentos. Da segunda
vez, e sabendo o que acontecia, guardei os produtos debaixo da capa e nas
mangas do capote. Podia cheirar um pouco, mas nunca descobriram onde estavam,
Sabíamos que nessa noite teríamos revista ao quarto. Pegava nos odores de porco
divinais e escondia-os no penico. Nunca o utilizava a não ser para esse fim. Vinham,
revistavam tudo, e partiam desolados. Com os produtos bem guardados e em nosso
poder, marcávamos uma noite, eu mais seis, para nos juntarmos e fazermos uma
pequena e silenciosa festa.
A preparação era cuidadosa
... ... ...
(...)
IN PADRE FONTES - O
Romance de Uma Vida
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