https://www.youtube.com/watch?v=D7RlQ5FLoRY
Cláudia Lucas Chéu
Podia jurar
que foi ontem. A homenagem da amiga de infância Cláudia Lucas Chéu a Sara
Tavares
Quando a minha mãe engravidou, tinha na altura dez anos, deu-me a possibilidade de escolher o nome da criança que viria a ser a minha irmã. Chamei-lhe Sara, claro. À minha irmã de sangue, o mesmo nome da melhor amiga. A Sara. Ainda ontem estávamos a brincar com as nossas Barbies falsas e a comer leite em pó à colherada, directamente da lata, até nos doer a barriga. Foi no telhado da minha casa no Pragal que te ouvi cantar pela primeira vez. Com o cabo da vassoura a fazer de microfone. Éramos mesmo pobres. Devíamos ter uns sete anos e a nossa amizade, alheia aos problemas que nos rodeavam, era tão alegre. Fazíamos programas de rádio à mesa da cozinha diminuta da minha casa e gravávamos tudo em cassetes áudio para um dia, quem sabe, as ouvirmos juntas. Eu apresentava os programas, tu cantavas. Como é que é possível?
Ainda
ontem jogávamos à bola e esfolávamos os joelhos numa sobreposição de feridas e
crostas, que nos diziam fazer-nos mais fortes. Acho que nunca sentimos que
assim fosse. Ainda hoje consigo sentir o cheiro a mofo dos sítios em que
vivíamos. Incontáveis foram as tardes passadas em casa da tua avó emprestada,
que te acolheu e amparou como podia, com sopa quente, alguns mimos e ralhetes.
Eu e tu vivíamos em casas sem portas, tirando a que dava acesso à rua, e cujas
divisões se separavam com cortinas. Casas pobres e escuras, com apenas uma
janela que deixava entrar a luz. Tu ainda não querias ser cantora, eu não
queria ainda ser escritora. Gostávamos era de brincar às telenovelas, ao Roque
Santeiro e à Tieta, e tu nunca teimaste, como muitos de nós, em fazer de
protagonista.
Vi-te começar a brilhar bem cedo, aos dezasseis anos, no programa “Chuva de Estrelas”. Aplaudi de pé no final da gravação desse primeiro programa, eu e a minha mãe, ambas a rebentar de orgulho por ti. O País descobria a estrela que eu já conhecia desde o recreio da escola primária. A minha melhor amiga da infância, a Sara. Uma menina tímida e educada, com um talento e luz enormes. Não estou a romantizar quando digo que dava para ver à distância o brilho do teu sorriso limpo. Graças a ti, tenho uma irmã homónima. Quando a minha mãe engravidou, tinha na altura dez anos, deu-me a possibilidade de escolher o nome da criança que viria a ser a minha irmã. Chamei-lhe Sara, claro. À minha irmã de sangue, o mesmo nome da melhor amiga.
Como
eram livres as nossas tardes pelas ruas do Pragal, junto ao Cristo Rei.
Passávamos o tempo como cães vadios, sem adultos para nos domesticarem as
maneiras. Um dia até fizemos pastilhas elásticas com um tubo de cola que
trouxemos da escola, não fazíamos ideia de que aquilo dava pedrada, nem sei
qual das duas é que teve a ideia. Rimos tanto nessa tarde inesquecível em que
uma pessoa não sabia que não se pode ter oito anos perfeitos para sempre. Podia
jurar que foi ontem. Querida Sara Tavares.
Ler aqui :https://www.dn.pt/cultura/morreu-a-cantora-portuguesa-sara-tavares-17366594.html
Toda a gente amaria que uma amiga falasse dela assim... Bonita e sentida homenagem...
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