quinta-feira, 9 de novembro de 2023

À Sombra Fresca dos Castanheiros - Memórias de Infância

                                                                                          Por MARIA da GRAÇA


De um tempo de infância me ficaram as suaves memórias de um colo de mãe, de um terno aconchego de colo de madrinha, do chale de felpo, como ela chamava o chale de lã que tantas vezes me serviu de agasalho, de um tempo de infância eu guardo o desenho da minha aldeia, essa pequena cidade para mim perfeita, rumorejante enquanto o arco de sol a batia, silenciosa e dormente depois da hora em que o sino da torre tocava as ave-marias.

De um tempo de infância me ficou essa viva memória da sombra dos castanheiros da pequena quinta de meu pai, uma espécie de paraíso como aquele que Javé deu a Adão, só mais pequenino.

Talvez meu berço ali tivesse descansado alguma vez, à sombra dos castanheiros e o rumorejar da folhagem, no estio, seria canto de embalo para os meus sonos de infante.

Não dei conta, mas eu cresci à sombra destes gigantes bons, os castanheiros da quinta do Valbom, que assim lhe chamaram meus avós.

Meus braços nunca puderam abraçar os velhos troncos desses castanheiros que iam a caminho de mil anos, mas os gestos das minhas mãos eram mansos passeando sobre a aspereza da pele desses gigantes que o tempo marcara de sinais.

Não sei quantas vezes me acoitei no tronco esburacado desses castanheiros velhinhos inventando mágicas cavernas de contos antigos ou tão só armando com ramos casinhas de brincar de uma cidade fingida.

Mais tarde, longínquos dias de verão de que recordo cantares de ceifeiros, sentava-me às vezes, naqueles alongados braços desses gigantes pacientes e bons que balouçavam comigo sem que eu desse alguma vez conta de um ai.

Lembro-me das abelhas voltejando, lembro-me do  mel dos cortiços de meu pai,  tinha a cor do ouro e o sabor, dizia ele, do pendão dos castanheiros, e das castanhas caindo com os ventinhos de outono, de minha mãe, da cesta cheia, dessa inesquecível cor de rubi das castanhas martaínhas, e dos magustos nas eiras, do vinho novo, do púcaro das castanhas na lareira, desse manto de ouro da folhagem macia com que os vestia o criador antes que adormecessem de cansados, antes que a neve descesse para os agasalhar, antes que o vento soprasse e eles, de tão velhinhos, ofereciam os braços e deixavam-se embalar.

Prof. Alberto Correia

In QUEM ME DERA CÁ O TEMPO  (Antologia Da Maria Castanha)


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