Por MARIA da GRAÇA
De um tempo de infância me
ficou essa viva memória da sombra dos castanheiros da pequena quinta de meu
pai, uma espécie de paraíso como aquele que Javé deu a Adão, só mais pequenino.
Talvez meu berço ali
tivesse descansado alguma vez, à sombra dos castanheiros e o rumorejar da
folhagem, no estio, seria canto de embalo para os meus sonos de infante.
Não dei conta, mas eu
cresci à sombra destes gigantes bons, os castanheiros da quinta do Valbom, que
assim lhe chamaram meus avós.
Meus braços nunca puderam
abraçar os velhos troncos desses castanheiros que iam a caminho de mil anos,
mas os gestos das minhas mãos eram mansos passeando sobre a aspereza da pele
desses gigantes que o tempo marcara de sinais.
Não sei quantas vezes me
acoitei no tronco esburacado desses castanheiros velhinhos inventando mágicas
cavernas de contos antigos ou tão só armando com ramos casinhas de brincar de
uma cidade fingida.
Mais tarde, longínquos
dias de verão de que recordo cantares de ceifeiros, sentava-me às vezes,
naqueles alongados braços desses gigantes pacientes e bons que balouçavam
comigo sem que eu desse alguma vez conta de um ai.
Lembro-me das abelhas voltejando, lembro-me do mel dos cortiços de meu pai, tinha a cor do ouro e o sabor, dizia ele, do pendão dos castanheiros, e das castanhas caindo com os ventinhos de outono, de minha mãe, da cesta cheia, dessa inesquecível cor de rubi das castanhas martaínhas, e dos magustos nas eiras, do vinho novo, do púcaro das castanhas na lareira, desse manto de ouro da folhagem macia com que os vestia o criador antes que adormecessem de cansados, antes que a neve descesse para os agasalhar, antes que o vento soprasse e eles, de tão velhinhos, ofereciam os braços e deixavam-se embalar.
Prof. Alberto Correia
In QUEM ME DERA CÁ O TEMPO
(Antologia Da Maria Castanha)
Sem comentários:
Enviar um comentário