Por Maria da Graça
... -- Eça de Queiroz finou-se, tranquilamente, às quatro horas e meia da tarde de 16 de Agosto de 1900, depois de ter recebido, já moribundo, os Sacramentos da Igreja. «Não acaba mais docemente um belo dia de verão»-- Como êle escreveu, referindo a morte de Fradique Mendes. ...
O Rei de Portugal mandou depor sôbre o ataúde do escritor preclaro uma corôa magnífica. Outro tanto fizeram o ministro português, Tomaz de Sousa Rosa, a família e alguns amigos. E, assim, cercado de rosas e de saudades, foi o cadáver de Eça de Queiroz depositado na igreja de Saint Pierre de Neuilly, vendo-se no préstito fúnebre o grande estadista José Luciano de Castro, Tomaz de Sousa Rosa, Ressano Garcia,o marquês da Graciosa, o visconde de Faria, e muitos mais portugueses, assim como franceses ilustres.
Em Portugal, apesar de Eça
de Queiroz não gozar de larga popularidade, a impressão de dor que produziu a
sua morte foi geral e profundíssima. Houve quem, não o conhecendo senão pelos
seus livros, o chorasse como se houvesse perdido pessoa querida. A imprensa, em
unanimidade digna de nota e de aplauso, lastimou, com sentida mágua, o
finamento do delicado estilista, e chegaram alguns periódicos, como O Dia, onde
então rebrilhava a pena inolvidável do grande jornalista António Ennes, a
publicar artigos verdadeiramente notáveis.
No dia 25 de Agosto, à
noite, reuniram os representantes dos jornais de Lisboa e de alguns da
província, que elegeram uma comissão, composta de cinco membros, à qual deram
plenos poderes para tratar da transladação dos restos mortais de Eça de
Queiroz para Lisboa.
Também esta comissão ficou
incumbida da organização do funeral e das altas homenagens, que então deveriam
prestar-se à memória do finado escritor, devendo entender-se, para êsse fim,
com o governo, com a câmara municipal e com as autoridades.
A 11 de Setembro, o
cadáver de Eça de Queiroz seguia de Paris para o Havre, em wagon armado em
câmara ardente, sendo recebido a bordo do transporte português África, ancorado
naquele pôrto francês.
A 16 dêsse mês, chegavam
às águas mansas do Tejo os despojos mortais do malogrado romancista, e a 17, às
três horas de serena e doce tarde de fins de verão, como só há em
Portugal, o ataúde, envolto na linda bandeira azul e branca, era desembarcado,
e, sob um montão de flores, seguia para o cemitério do Alto de S. João, por
entre alas respeitosas do povo. Acompanhava-o grande préstito, a cuja frente
iam os representantes da Família Real. Do arco da rua Augusta pendiam
crepes, e de muitas janelas, atulhadas de gente, piedosas mãos femininas
fizeram chover sôbre o carro, que conduzia o féretro de Eça de Queiroz,
flores viçosas e perfumadas, que êle tanto do coração adorava.
Foi sepultado no jazigo do seu cunhado, D. Alexandre de Castro Pamplona (Rezende), na rua nº 17 daquele cemitério. o caixão era enorme, a ponto de não ser possível colocar-se logo na prateleira do túmulo. Para ali poder dar entrada, foi necessário, mais tarde, desaparafusar-lhe as argolas.
À beira da sepultura
do autor do Primo Bazilio pronunciaram-se discursos. Discursos! ... Se nesse
momento grave e solene Eça de Queiroz não tivesse para sempre fechados os
ouvidos e mudos os lábios, que tantas vezes a ironia encrespou, se êle pudesse
reviver e erguer-se, em meio dos que lhe cercavam o esquife, estremeceria,
certamente, de indignação e de horror, soltaria brados de intensa cólera, por
assim soarem junto da sua derradeira jazida ... falas de conselheiro Acácio!
E lá ficou, bem depressa esquecido, no jazigo do Alto de S. João, o escritor notabilíssimo, que, na despreocupada mocidade, envolto em cabaia de sêda, como atesta uma fotografia sua, foi o comentador alegre e mordaz dos ridículos da sociedade portuguesa. Felizes os que repousam! ..." Beati qui requiescunt", como diz Lutero, ao encarar as sepulturas do cemitério de Worms.
Esquecido?
Não! Houve alguém, em cujo
coração de oiro floriu sempre o dulcíssimo sentimento da amizade, que não
perdeu da lembrança a memória de Eça de Queiroz. Houve alguém, de cuja mente
não se varreu a recordação do que fôra, em vida, seu íntimo e estremecido
amigo. Esse alguém foi o conde Arnoso. Carácter de português antigo, dedicado,
leal, nobilíssimo, fiel sempre aos afectos e ao carinho em que era liberal e
pródigo, quer a devotada estima se lhe alçasse ao trono, e, respeitosamente,
servisse o Rei de Portugal, quer, docemente, acariciasse aqueles a quem o
aprêço e a convivência estreitamente o prendiam -- Bernardo de Pindela, como
lhe chamavam antes de ser titular, não esqueceu, como tantos, o amigo de
muitos anos. Sabendo que êle morrera pobre, deixando esposa e quatro filhos em
circunstâncias que não eram de largueza nem de properidade, foi à câmara dos
pares do Reino, onde tinha assento, e, falando ali pela primeira vez, em nome
da amizade falou, apresentando o projecto de lei, que vai honrar uma página
deste meu livro.
Eis o projecto, tal como o conde de Arnoso, em sessão de câmara alta, de 15 de Março de 1901, depois de sentido discurso, enviou para a mesa da presidência:
«Artigo 1º___ É concedida
a pensão annual de 1.200$000 a D. Emília de Castro Eça de Queiroz, viuva do
eminente escriptor José Maria Eça de Queiroz, e a seus filhos Maria, José,
António e Alberto.
Artigo 2º___ Esta pensão
será vitalícia para a viuva, e, por sua morte, manter-se-ha para os filhos
varões até à maioridade, ou à conclusão dos seus cursos, e para a filha até ao
casamento, sendo isenta de pagamento de todos e quaesquer impostos e paga em
mensalidades, a partir da promulgação d`esta lei.
Artigo 3º___ Fica revogada
a legislação em contrário.
Sala das sessões, em 15 de
Março de 1901
Conde de Arnoso».
Hintze Ribeiro, que então
era o presidente do conselho de ministros, fêz, em seguida, uso da palavra, e
declarou que o govêrno dava ao projecto do digno par do Reino decidida
simpatia, e até sincero aplauso. ...
... (...)
IN EÇA DE QUEIROZ -A
Sua Vida e a Sua Obra.- CARTAS E DOCUMENTOS INÉDITOS
ANTÓNIO CABRAL -BAIÃO-
DOURO-(1944)
Ora, que bem que Eça de Queiroz está em jazigo de Família, como até aqui...- No Panteon daqui a nada até lá põem a Georgina do Ronaldo, se for preciso. Deviam era preocuparem-se com outros afazeres...
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