25 Dezembro 2022
O último momento parlamentar do ano foi do mais inacreditável que testemunhei em sete anos de observação semanal da política. Sem exagero, o debate de urgência que encerrou 2022 - dedicado às detenções na Defesa Nacional - deixaria estarrecido qualquer indivíduo minimamente informado. Infelizmente, entre jogos de bola, chuvadas e festividades, passou quase despercebido.
Em suma, a transgressão foi dupla: o partido com maioria na Assembleia - o PS - tudo fez para impedir que o seu governo fosse escrutinado, e um ministro de Estado - Gomes Cravinho - tudo fez para impedir que o seu ministério fosse escrutinado. Ambas correspondem a uma quebra do propósito institucional do lugar onde foram perpetradas, ambas traem o compromisso de honra assumido pelos seus autores e ambas foram cabalmente ignoradas pelo Presidente da República, pelo primeiro-ministro e pelo líder da oposição.
João Gomes Cravinho faltou repetidamente à verdade.
Estas são as suas mentiras.
Diz o ministro que há matéria a ser investigada porque fez "o que se exige a quem tem responsabilidades públicas". Ora, tal é falso. Não só a Operação Tempestade Perfeita teve início em 2018, como o Ministério Público requisitou a auditoria que visava suspeitos na sua investigação 6 meses antes de Gomes Cravinho a enviar para a Justiça. Ao contrário do que opina Manuel Carvalho, diretor do Público, "o envio dessa auditoria para o Tribunal de Contas e para a Procuradoria-Geral da República" não "joga a favor do ministro" por uma razão óbvia: não foi João Gomes Cravinho que teve a iniciativa de avançar com nenhuma dessas ações.
A auditoria às obras suspeitas no Hospital Militar de Belém foi pedida por Jorge Seguro Sanches, secretário de Estado a quem o ministro escondeu a nomeação do diretor-geral alvo da investigação ("Não podia estar contra algo que desconhecia", revelou Sanches ao plenário), e só seguiu para a Justiça por recomendação explícita da Inspeção-Geral da Defesa. Cravinho deu despacho às diligências; nunca partiram dele. Prova disso é a confidencialidade indevida - confirmada pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos - que ofereceu à auditoria, resistindo continuadamente a desclassificá-la, assim como a sua recusa em abrir um inquérito individual ao diretor-geral que havia sido denunciado pelo seu próprio secretário de Estado.
"A sua verdade não coincide com a verdade dos factos. E em democracia mentir tão descaradamente ao Parlamento não pode ser indiferente."
Sem motivo aparente, Gomes Cravinho ocultou informações que são hoje objeto de processo criminal e promoveu alguém cuja gestão de dinheiros públicos causava dúvidas a colegas do seu governo, à Inspeção-Geral do seu ministério e ao Tribunal de Contas.
Até agora, ninguém conseguiu explicar porquê.
Na mesma intervenção, diz o ministro que a auditoria identificava "inconformidades legais" na obra "sem que houvesse qualquer suspeita dolosa" sobre o diretor-geral, este mês detido. Ora, tal é igualmente falso. Pela lógica, se havia "inconformidades legais" em algo adjudicado por alguém, esse alguém não pode estar isento de "qualquer suspeita". Mais: Cravinho afirma que não autorizou as despesas suspeitas (de 700 mil para 3,2 milhões de euros, num hospital hoje fechado) e que o diretor-geral não tinha competências para as autorizar, o que torna ainda mais incompreensível a sua defesa dos gastos em 2021 ("É dinheiro que não se perde") e a sua promoção do mesmo diretor-geral para presidente de uma empresa pública, nesse ano.
"Não desvalorizei", jura Cravinho em 2022. "Não há derrapagem", desvalorizava Cravinho em 2021.
Diz também o ministro que "semanas mais tarde, surgiram notícias na comunicação social que levantavam suspeitas graves sobre as empresas contratadas", levando-o a pedir "uma reavaliação da auditoria". Ora, tal é novamente falso. Muito dissimuladamente, Gomes Cravinho tenta diminuir a "auditoria inicial", que não havia travado a sua promoção do diretor-geral, dando a entender que foram revelações na imprensa que materializaram as suspeitas da Operação Tempestade Perfeita. Comicamente, as tais "notícias na comunicação social" não foram mais do que trabalho jornalístico feito a partir dessa auditoria, que o ministro escondeu e desvalorizou e que o Ministério Público já pedira meses antes.
O PS, que chumbou a audição do diretor-geral em 2021 e do ministro em 2022, não contraria a ausência de transparência e discernimento de João Gomes Cravinho. A sua verdade não coincide com a verdade dos factos. E em democracia mentir tão descaradamente ao Parlamento não pode ser indiferente.
Colunista
...-Isto agora, com Sir Sebastião Bugalho "fia muito fino..." , ou vai ou raxa! - Tomem que já almoçaram...
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