JORGE GOLIAS
Foi Eduardo Lourenço que disse que para Torga Portugal mais
do que uma pátria era uma mátria, palavra também do gosto de Natália Correia,
ela que declamando quase sugeria uma mátria a cantar.
Sete cantores de ópera e dois coros, um deles de Vila Real,
com o povo a cantar. Há então povo em palco ao vivo e representado pelas
personagens torguianas. Ou seja, a ópera aqui a sacralizar um povo e um
território e ao mesmo tempo a dessacralizar a sua própria essência projectando-se
na terra e na população. A ópera popular, assim seja.
E, de Vila Real para o mundo, a consagração daquela célebre
frase de Torga “O Universal é o Local sem paredes”, querendo assim dizer que um
conto bom é bom em qualquer local, seja na sua aldeia de S. Martinho de Anta ou
em Nova Iorque.
Serra do Marão |
Há 82 anos, Torga estava preso: Lisboa, Cadeia do Aljube,
Natal de 1939, escreveu ele o poema Pietà, escultura que Miguel
Ângelo esculpiu directamente da pedra, sem modelos, como todas as outras
(Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,/ Da pedra e da tristeza, no teu canto,/
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,/ Embrulhado nas dobras do teu manto.).
Torga visitou e estudou as obras de Miguel Ângelo em Roma e em Florença e
dedicou-lhes vários poemas.
De Miguel de Cervantes Torga sorveu a força do clássico da
literatura, Don Quixote de La Mancha, o primeiro e melhor romance
moderno, o segundo livro mais traduzido do mundo, estando a Bíblia em primeiro
lugar.
Miguel de Unamuno, um dos mais destacados pensadores
espanhóis que fascinou Torga e que chegou a citar no poema Unamuno dos
Poemas Ibéricos (Dom Miguel…/ Fazia pombas brancas de papel/ Que voavam da
Ibéria ao fim do mundo…/ Unamuno Terceiro! / Foi Cid o Primeiro,/ D. Quixote o
Segundo).
Torga, cujo território visitei recentemente e sobre o que vi
escrevi frases fortes para gravar na pedra, como gravei na memória a vista
telúrica do Alto da Galafura e como fixei admirado a beleza do Marão frontal mirando-me
da sua majestosa altitude. Marão que sempre entendi significar Mar Alto e que
creio ter sido assim crismado pelos marinheiros transmontanos das caravelas
quando no regresso a Ítaca já não viam as ondas do mar alto, mas viam outrossim
a onda deste marão de terra mátria.
Carnaxide, 14 de Dezembro, de 2021, 82 anos depois da prisão de Miguel Torga no Aljube
JG80
O Excelentíssimo Coronel Jorge Golias tanto é coronel, como poeta, como um grande Marão!
ResponderEliminarAbençoado Transmontano ...
Feliz Natal !
Agradecido pelo seu comentário José Matos.
ResponderEliminarFeliz Natal
JG80
Belíssima crónica de um amigo do nosso chão, Engenheiro Jorge Golias que não deixou passar uma data de sofrimento para o nosso grande "artista" (era, como artista que gostava de ser conhecido, porque a escrita é uma grande arte só ao alcance de poucos, como aqui se pratica pelos invocado e evocando) Miguel Torga.
ResponderEliminarMas, mais que o sofrimento no Aljube, roeu-lhe a alma o facto de estar tudo conjugado a nível internacional e alguns bons amigos em Portugal, alguns membros da igreja, para lhe ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura, e, pasmem-se, o PCP moveu todas as influências para que a candidatura de Miguel Torga não fosse considerada, segundo me confessou em conversa privada o Padre Avelino. O grande escritor, Miguel Torga, não levou mais nenhuma amargura, para a tumba fria.
Não deve haver maior pulhice no burgo lusitano, no século XX.