Os políticos que fazem o que os eleitores querem, que
navegam ao sabor das exigências do eleitorado, que bajulam as massas, são em
geral rapidamente esquecidos. Aplaudidos enquanto desempenham o cargo, a
História encarrega-se de os apagar depressa. Poderá ser esse o caso de António
Costa.
José António Saraiva
Na semana passada defendi a ideia de que o sistema
político caiu num impasse do qual só poderá sair através de uma rutura – que
exigirá um político de perfil agressivo, capaz de pôr em causa algumas
‘verdades’ pacificamente aceites.
Como exemplo, adiantei o nome de André Ventura.
É o único político que neste momento vislumbro com
essas características.
Ora, concordando globalmente com o texto, vários
leitores questionaram o nome de Ventura e adiantaram outro, hipoteticamente com
mais hipóteses de sucesso: Pedro Passos Coelho.
É curiosa a insistência com que se tem vindo
ultimamente a falar de Passos Coelho, depois de todo o mal que se disse dele –
fora e dentro do PSD.
Mas não me surpreende.
O que está a acontecer com ele é normal nas
democracias: os líderes mais lembrados, os que ficam na História, são
exatamente os que levaram a cabo políticas impopulares.
Os políticos que fazem o que os eleitores querem, que
navegam ao sabor das exigências do eleitorado, que bajulam as massas, são em
geral rapidamente esquecidos.
Aplaudidos enquanto desempenham o cargo, a História
encarrega-se de os apagar depressa.
Poderá ser esse o caso de António Costa.
Especializou-se na arte de fazer promessas – umas
cumpridas, outras não –, de satisfazer as suas clientelas, de oferecer lugares
para calar opositores e de resolver problemas através da ‘passagem de cheques’
– e, assim sendo, depois de sair do poder e deixar de ter meios para distribuir
benesses, corre o risco de ser facilmente esquecido.
Tal como os alunos respeitam mais os professores
exigentes, que não permitem facilidades, também os cidadãos acabam por recordar
mais os políticos que não têm por objetivo ser populares.
Fazer o que as maiorias querem, andar a reboque
delas, é fácil; o que é difícil é pedir-lhes sacrifícios.
Ninguém gosta de ser atacado, vaiado, odiado mesmo,
como sucedeu com Passos Coelho enquanto foi primeiro-ministro.
Por isso, sempre respeitei os políticos que ousam ser
impopulares e desconfiei dos que oferecem tudo.
Aqui reside, aliás, o grande calcanhar de Aquiles das
democracias.
Sendo os governantes escolhidos pelo voto popular, o
sistema ‘convida-os’ a distribuir benefícios para angariar votos – mesmo
contraindo dívidas que terão de ser pagas pelas gerações futuras.
É essa a tentação ‘normal’ do político que quer
sobreviver; e por isso os que lhe resistem são os que a História recorda.
Lembro-me de Margaret Thatcher, a dama de ferro
inglesa, ou de Ernâni Lopes, antigo ministro das Finanças de Portugal num
Governo de Mário Soares.
São duas figuras hoje respeitadas, e até apresentadas
como exemplos, que foram vilipendiadas quando eram governantes.
Com Passos Coelho começa a suceder o mesmo.
Em pleno período de austeridade, quando toda a
esquerda e uma parte da direita o execrava, com o apoio da grande maioria dos
media, escrevi que a História ainda o resgataria. Não me enganei.
Quando hoje se fala do futuro da direita, cada vez
mais gente pensa no regresso de Pedro Passos Coelho à política.
Ora – apesar do que deixei escrito – acho que esse
regresso não seria bom nem para o país nem para ele.
No momento em que o PS deixar o poder – que tem
exercido apoiado no PCP e no BE –, vão ser necessárias algumas ruturas.
O país não pode continuar a viver com este tremendo
nível de impostos, que sufocam a economia, pelo que será preciso um choque
fiscal; e este exigirá uma redução drástica da despesa do Estado, que terá de
ser feita um tanto ‘à bruta’.
E terá Passos Coelho características para o fazer?
Em segundo lugar, é de presumir que, quando a direita
voltar ao poder, a situação das Finanças públicas seja péssima.
Tem sido sempre assim.
E com todos os apoios sociais avançados para fazer
frente à pandemia, e todos os benefícios sociais que este Estado-providência
distribui, muito dificilmente deixarão de ser necessárias novas medidas de
austeridade.
Ora, como conjugar a austeridade com uma redução de
impostos?
É praticamente a quadratura do círculo.
Que não se pode exigir a Passos Coelho: depois do
desgaste que sofreu na era pós-Sócrates, será imoral pedir-lhe que volte ao
Governo em circunstâncias semelhantes ou piores, num remake que seria patético.
E há ainda uma terceira razão. Os ‘regressos’, em
geral, não dão bom resultado.
Os casos abundam, em todas as áreas.
No futebol, na TV e na política.
Olhe-se para o regresso de Jorge Jesus ao Benfica, ou
de Cristina Ferreira à TVI, ou de Soares à política quando se recandidatou à
Presidência.
Por tudo isto, tenho muitas dúvidas quanto a um
regresso de Passos Coelho ao PSD e ao Governo.
Pelas suas características pessoais e pelo que vai
ser preciso fazer.
Foi nesta perspetiva que falei em André Ventura.
Sei muito bem que não é um estadista, que é um
demagogo, e que dificilmente terá alguma vez condições para formar Governo.
Mas tem o perfil do político capaz de fazer as
ruturas de que o sistema precisa, sem pôr em causa a democracia.
Há outra figura que talvez o pudesse fazer, se
quisesse: Maria Luís Albuquerque.
Não seria a primeira vez em Portugal que um
ex-ministro das Finanças era primeiro-ministro: basta pensar em Salazar e
Cavaco Silva – por sinal, dois políticos que provocaram ruturas.
Mas a verdade é que não a vejo para aí virada.
P.S. – Carlos Moedas é um bom exemplo de um político
que poderá ser competente mas nunca será capaz de liderar uma rutura. E por
isso, nesta conjuntura, será sempre vencido pela esquerda.
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