Portugal não foi “uma segunda Grécia”. Uns não fizeram nada por isso.
Outros fizeram. Cavaco Silva não terá sido dos que fez menos. Tem todo o
direito de o lembrar e nós temos a obrigação de o ouvir.

À esquerda, nunca lhe perdoaram ter provado, com cinco vitórias eleitorais
e quatro maiorias absolutas, que o país, afinal, não é de esquerda. À direita,
a lista das queixas é maior. Como presidente da república, não expulsou José
Sócrates do poder, discordou demasiadas vezes de Passos Coelho e deixou António
Costa no governo. Tudo isso é verdade, mas foi ele quem, sozinho no Estado,
entre 2006 e 2011, limitou a tomada do poder por Sócrates; quem, em Julho de
2013, por entre demissões inusitadas e cartas estapafúrdias, manteve um governo
PSD-CDS que um Mário Soares ou um Jorge Sampaio teriam demolido imediatamente,
mesmo que à custa de fazer de Portugal outra Grécia; e quem, na origem da
“geringonça”, forçou António Costa a confirmar o compromisso com os princípios
do regime democrático.

À medida que, desde a década de 1990, a economia deixou de corresponder às
expectativas, o regime refugiou-se numa dupla irrealidade: a dos que achavam
que tudo poderia ficar como estava indefinidamente — sem riscos, e a dos que
achavam que tudo poderia ser mudado imediatamente — sem custos. Cavaco Silva
nunca pertenceu a nenhum desses grupos. Não teve, por isso, vida fácil. E
tornou ainda as coisas mais difíceis, quando, como presidente, optou por uma
acção, que não era o “murro na mesa” que uns queriam, nem a “chancela” que
outros esperavam. Este volume das suas memórias é dramático. A bancarrota de
2011 terá sido a maior das desilusões para quem, vinte anos antes, concebera a
integração europeia como a via de passagem de Portugal para um outro patamar de
desenvolvimento. Pior: o próprio enquadramento europeu pareceu, a certa altura,
ameaçado de “desintegração” e de “colapso” (p. 289). Percebemos melhor assim a
preocupação com a “estabilidade”, que uns, por ingenuidade ou malícia,
confundem com “não fazer nada”, e outros, com mais um “bloqueio”. Tudo poderia
ter corrido muito mal. Não correu. Portugal não foi “uma segunda Grécia”. Uns
não fizeram nada por isso. Outros fizeram. Cavaco Silva não terá sido dos que
fez menos. Tem todo o direito de o lembrar e nós temos a obrigação de o ouvir.
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