Quando
há ano e meio recebeu a humilhante derrota eleitoral com o belo sorriso que não
voltou a perder, o plano do dr. Costa não se limitava à tomada de um mero
cargo: o objectivo era capturar o país.
Já
se decidiu se os famosos 10 mil milhões “fugiram”, “voaram” ou saíram “pela
porta do cavalo”? Entretanto, devia informar-se os governantes, deputados,
comentadores e acólitos sortidos da frente de esquerda de que,
independentemente da respectiva origem e destino, aquele dinheiro não é deles.
É que falam como se fosse.
Em
qualquer dos casos, o portentoso escândalo dos offshores, fundamentado num
roubo imaginário, conseguiu abafar as “tricas” da CGD, colectânea de roubos
reais cujo espólio voou para os bolsos de criaturas e instituições devidamente
credenciadas pela casta dirigente. No primeiro caso, a casta passeia
indignação, instiga muito barulho e, na condição de não se levantar surpresas,
reclama um simulacro de investigação. No segundo, a ordem é de censura. No
máximo, a ralé pode contemplar reverente a fortuna que lhe subtraem em prol do
banco público e da harmonia universal. A casta não se limita a falar como se o
dinheiro alheio lhe pertencesse: aparentemente, convenceu-se mesmo disso.
E
não é só de bens materiais que a casta se julga proprietária. Na quinta-feira,
a dra. Teodora Cardoso comparou o défice de 2,1% a um “milagre”, alcançado
graças a “medidas que não são sustentáveis”. Embora a presidente do Conselho de
Finanças Públicas tenha sido objectiva e, talvez, simpática, depressa o PCP
soltou um jagunço para avisar a senhora que o milagre é ela ainda ter salário e
emprego. À luz da tradição siberiana da seita, a ameaça aceita-se. Já as
reacções do PM e do PR, formalmente mais brandas e igualmente raivosas, não se
aceitam sob pretexto nenhum. Anda por aí um cheirinho peculiar, e não é a
democracia.
Apenas
na última semana, o dr. César dos Açores, que possui a inteligência de uma
anémona e a subtileza de duas, confessou que se encontra a “reflectir” sobre a
permanência do governador do Banco de Portugal. O “Público”, após alertar
aflito para a “fuga” de capitais e de seguida lamentar os que aludem à “fuga”
de capitais, aceitou nova missão: enlamear o pérfido juiz Carlos Alexandre,
acusado de pedir 10 mil euros emprestados. Nas televisões, com destacado louvor
para a TVI e a RTP, “analistas” esgadanham-se para apurar quem melhor aplaude
os poderes vigentes. Nas rádios, ouvir os noticiários da Antena 1 e da TSF
embaraçaria os conselheiros do almirante Thomaz. Nas “redes sociais”, os
guardiões da moral perseguem blasfemos com afinco. E tudo, do atarantado dr.
Núncio aos problemas na suinicultura e às derrotas do Tondela, serve de
argumento para tentar enxotar Pedro Passos Coelho. Ao exigir, sem pingo de
vergonha, a urgência de a “direita” se habituar a “novas regras”, o dr. Ferro
não brinca.
De
que regras se trata? Quando, há ano e meio, recebeu a humilhante derrota
eleitoral com o belo sorriso que não voltou a perder, o plano do dr. Costa não
se limitava à tomada de um mero cargo: o objectivo era o de capturar o país.
Uma maioria, um governo e, hoje que se percebe o engodo chamado Sampaio da
Nóvoa, um “presidente”. A que acresce a tal máquina de propaganda, capaz de
transformar em rosas as misérias, as mentiras e a prepotência que a cada dia
nos impõem. Apesar da divertida boçalidade dos protagonistas, convém não nos
iludirmos: há aqui uma espécie de “projecto”, e um “projecto” onde a liberdade,
seja ela qual for, é parte descartável. E indesejável.
Sei
que arrisco a repetição, mas se a casa continua a arder é difícil sentarmo-nos
na sala sem mencionar o incêndio: em Outubro de 2015, os portugueses caíram nas
mãos de gente perigosa. A julgar pelas sondagens, e por defeito de visão ou de
carácter, não consta que preferissem mãos diferentes. Por isso, e porque se
gastou o nome para não se reconhecer a coisa, não vou ceder ao impulso
dramático e dizer que chegámos ao – esperem um instante – fascismo. O caminho
até lá, porém, é parecidíssimo com este.
Notas
de rodapé:
1.
Numa era em que o Estado é tão eficaz a vigiar a vida dos cidadãos, é
consolador descobrir brechas nesse sufoco. Consola um bocadinho menos perceber
que as brechas não beneficiam aqueles que cumprem a lei, mas justamente os que
a violaram. Mas ainda assim é revigorante aprender que, segundo o próprio
director dos serviços prisionais, não existe um “protocolo” de actuação para
fugas de presidiários. O que fazem então as autoridades quando alguém se evade
da cadeia? Ligam para o 112 e, aparentemente, esperam. Com sorte, os fugitivos
regressam, ou porque se esqueceram de qualquer coisa na cela, ou porque têm
saudades. Com azar, os fugitivos não voltam a ser vistos. É pena que tamanha
descontracção não se aplique a outros ramos do Estado: com ou sem “offshores”,
com ou sem falhas informáticas, o fisco, por exemplo, está repleto de
“protocolos” destinados a garantir que o nosso dinheiro não lhe escapa. Se
escapar, em penúltima instância vamos parar à prisão. Em última, escapamos nós.
2.
Leio que Barack Obama assinou um contrato milionário para escrever as memórias
dos seus mandatos presidenciais. Aguardo para ler as críticas dos indígenas a
essa infâmia: um antigo chefe de Estado não pode revelar conversas e momentos
privados; trata-se de um reles ajuste de contas; aquilo é de um ressentimento
intolerável; etc. Isto, claro, se a obra mencionar o “eng.” Sócrates. Se não
mencionar, as críticas serão nulas, mas o desplante maior: quem julga o sr.
Obama que é para ignorar a criança que sonhava com ventoinhas, o governante que
vendia moinhos, o socialista que, desconfiado do mercado, compra os próprios
livros e o empreendedor que, sensível ao investimento, paga a outros para
escrevê-los?
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