Não foi a equipa de
assessores de Donald Trump que inventou a teoria dos factos alternativos. Ela
existe há muito. Quem é, como eu, democrata por convicção sabe que as ditaduras
têm a horrível realidade da verdade única, da verdade que agrada a quem detém o
poder.
Mas sabe também que
as democracias, muitas vezes, mesmo no plano dos factos, conseguem construir
mais do que uma verdade. As ditaduras só aceitam uma verdade, mesmo no plano da
ideologia e dos programas políticos. Levam a exigência da verdade oficial,
principalmente, a esse plano. Só há uma verdade informativa, só há uma verdade
histórica, só há uma verdade religiosa, só há uma verdade no mundo, a que eles
aceitam. Na democracia, naturalmente, nesse plano dos programas e das
ideologias, há tantas verdades quanto as crenças e as convicções de cada um.
Mas o problema é que a liberdade de expressão, quando as pessoas não têm
escrúpulos nem boa formação moral, leva-as a construir a sua própria verdade e
tornam-se também peritas em tentar recriar a história. Por exemplo: quem,
porventura, diga que Portugal, em 2004, estava à deriva, está a querer recriar
a verdade histórica, para melhor dizer, a falseá-la.
A verdade é que
Portugal nesse ano cresceu mais do que nos anos anteriores, teve um défice de
3,1 por cento (depois de todas as correções de anos posteriores), tinha uma
maioria parlamentar estável sem a mínima quebra de disciplina de voto, tinha um
primeiro-ministro confirmado no congresso do seu partido com cerca de 90 por
cento dos votos, quase não tinha greves nem manifestações. Mais: quem chefiava
o Governo, dois dias antes da dissolução, era recebido em apoteose em
Trás-os-Montes. Demitiu-se um ministro, demitiu-se um comentador de televisão e
o país tornou-se instável e à deriva, mas então o que dizer do que se passou
depois? Quantos ministros se demitiram ou foram demitidos, quantas crises
políticas já existiram, quantos escândalos "lesa-majestade", esses
sim, já aconteceram, quantas trafulhices já se descobriram? A questão está em
que muitos se convencem de que o passar do tempo permite convencer as pessoas de
que a verdade que lhes interessa deve ser uma e distinta da verdade verdadeira.
O problema cada vez mais é este, para o mundo e para os cidadãos: há as
verdades verdadeiras e as outras. Também já havia as verdades de conveniência.
Cada vez mais há as verdades interesseiras e, de quando em vez, vão surgindo as
verdades pessoais.
O que importa é
haver sentido de Estado e respeito pela pátria, que em cada momento se aceita
servir. Quando se ama a pátria não se aceita mentir aos compatriotas, por muito
dura que a verdade histórica seja, porventura, para cada interveniente. A
dignidade está em assumir-se aquilo que se faz, bem como as respetivas
consequências. Gosto sempre, nestas matérias, de citar o meu pai que partiu faz
hoje (quarta) cinco anos: é tudo uma questão de categoria.
Advogado
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