Alberto Gonçalves –
OBSERVADOR
A cada mentira,
segue-se a impunidade, a cada impunidade segue-se um novo avanço no controlo de
um país apático. A “tenebrosa máquina de propaganda” não é particularmente
sofisticada. Mas é suficiente
Há dois ou três
anos, os ataques à liberdade de expressão ainda implicavam considerável
logística: reunir uma quadrilha, enviar a quadrilha a eventos alheios à moral
vigente, fazer a quadrilha cantar a “Grândola” até calar o orador/blasfemo em
questão. Agora, os ventos que sopram favorecem uma espécie de Simplex da
censura e o processo simplificou-se imenso: basta pedir.
Já toda a gente sabe
que a direcção da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
cancelou uma conferência de Jaime Nogueira Pinto por exigência da associação de
estudantes. Não importa que a conferência tenha sido organizada por uma
entidade, a Nova Portugalidade, que pelos vistos venera ditadores de Salazar a
Chávez. Nem importa que a associação de estudantes, cheiinha de meninos do BE,
apenas venere alguns dos ditadores inventariados e abomine os restantes.
Importa que a proibição tenha vingado, e que um espaço teoricamente plural seja
sequestrado por semi-analfabetos com pulsões totalitárias. A designação do
estabelecimento já não prometia nada de especial (nas “ciências sociais” cabe
justamente tudo o que não é científico). Os acontecimentos referidos demonstram
o estado do ensino e as esperanças suscitadas pela “geração mais bem preparada
de sempre”.
Além disso,
dizem-nos umas coisas sobre o país em geral e as forças “democráticas” que o
assaltam. Principalmente quando estas não dizem nada: boa parte do PS, o BE em
peso e o PCP quase inteiro dedicaram ao acto de delinquência um interessante
silêncio. A excepção veio do deputado comunista Miguel Tiago, que proclamou no
Twitter: “Uma democracia que tolera fascistas é suicida. Uma que os promove é
falsa.” Se não estou em erro, o deputado Miguel Tiago é o sujeito que na semana
passada ameaçou retirar o emprego à presidente do Conselho de Finanças
Públicas. Esta semana está carregado de razão.
Apesar das
advertências constitucionais, Portugal tolera e promove o fascismo com vasta
irresponsabilidade. O à-vontade do deputado Miguel Tiago é um exemplo. Outros
exemplos não faltam. Os fascistas promovem palestras anti-semitas sem arriscar
o cancelamento por direcções zelosas. Os fascistas organizam festas em louvor
de despotismos sortidos sem risco de verem os trabalhos sabotados com cantorias
ou bastonadas. Os fascistas passeiam os respectivos símbolos na rua sem
inspirarem um reles insulto ou uma sova das antigas. Os fascistas concorrem a
eleições com programas criminosos e a bênção dos “media”. Os fascistas desfilam
nos “media” e infestam as “redes sociais”. Os fascistas infiltram os sindicatos
e as “causas”. Os fascistas ocupam uma percentagem significativa do Parlamento,
onde subscrevem os genocídios de Estaline. Os fascistas influenciam
decisivamente o governo.
Durante anos,
acreditei nas virtudes do ecumenismo partidário. Na minha ingenuidade,
imaginei-nos civilizados o bastante para reduzir “naturalmente” ao devido e
ínfimo lugar as ideologias do ódio e do sangue. É escusado notar que me
enganei. A tolerância para com o fascismo sufoca a democracia, a sua promoção
impõe o tipo de regime que começa a espreitar.
Nestes tempos tristes,
acho que acharia graça a que os democratas que sobram por aí aplicassem aos
fascistas o tratamento que os fascistas prescrevem. Não teria preço assistir à
interrupção das gémeas Mortágua através de uma cantata de Bach, ou à troca da
t-shirt do “Che” por uma estadia em campo de reeducação. Mas também não teria
grande utilidade. Por dois motivos. O primeiro prende-se com o número: duvido
que a maioria dos portugueses preze a liberdade a ponto de valer a pena
defendê-la. O segundo prende-se com o método: é fundamental não descer ao nível
dessa gente. A bem da higiene, às vezes no sentido comum do termo, há que
manter a distância. Por mim, procuro aumentá-la a cada dia. Se os fascistas
desejam assim tanto o país, os fascistas que fiquem com ele. É, de certo modo,
o fim do país? Não é o fim do mundo.
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1. Pela LER, Lei da
Ética Republicana, 89,6% das falcatruas ou similares realizadas em Portugal com
aval partidário conduzem direitinhas ao PS. Por isso, foi com naturalidade que
a monstruosa “fuga” de capitais para os offshores, um “escândalo” que
comprometia dramaticamente o governo anterior, afinal dizia sobretudo respeito
a casos sucedidos durante o governo actual. Felizmente, também existe a LORPAS,
Lei da Ocultação Republicana de Pelintragens Atribuíveis a Socialistas, a qual,
como o nome indica, transforma os escândalos em histórias sem importância logo
que o PS aparece neles.
Num ápice, os
“paraísos fiscais” que, a fim de anularem os saques na CGD, alimentaram
manchetes bombásticas e editoriais inconformados, quase desapareceram dos
noticiários. A CGD desaparecera antes. Hoje, o grande desígnio nacional é
anular a dra. Teodora Cardoso, além de sugerir o vil desempenho do governador
do Banco de Portugal, de modo a controlar o dito. Amanhã, a indignação será
outra, sem que as indignações prévias sejam justificadas ou resolvidas. A cada
mentira, segue-se a impunidade, e a cada impunidade segue-se um novo avanço no
controlo de um país genericamente apático. A “tenebrosa máquina de propaganda”
para que o prof. Cavaco avisou não é particularmente sofisticada. Mas é
suficiente.
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2. Votei em Marcelo
contra Sampaio da Nóvoa. Hoje, começo a acreditar que a candidatura do segundo
foi um estratagema para eleger o primeiro. Se não foi, parece, dada a
“cooperação exemplar”, ou os excessos a que o PR chega para legitimar as
patranhas que o governo conta enquanto lança o país para o abismo, económico e
não só. Na perspectiva do PR, trata-se de ler as sondagens e, entre abundante
folclore, garantir a sua popularidade à esquerda e à “direita”, método cuja
eficácia está por apurar. Na perspectiva do país, é qualquer coisa de muito
mais sinistro. Há nomes, e nomes feios, para definir o modo como uma pessoa
colabora na ruína de muitos para acautelar a própria pele. A questão é se, um
ano depois da tomada de posse, estou arrependido de ter votado em Marcelo. A
palavra é apavorado.
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