O problema é que,
mesmo quando a presunção é hipotética ou falsa, os offshores evocam dinheiro
que escapa ao controlo pleno da oligarquia
A Monocle lembra-me
a actriz Ashley Judd: bonitinha no invólucro, maluquita no conteúdo. No último
número, a revista dedica 64 páginas de louvores a Portugal e conclui sermos
"uma nação orgulhosa e pronta para o investimento". A parte do orgulho
nem comento. A parte do investimento também não, e deixo o comentário à FEE,
Foundation for Economic Education, que fez as contas ao fisco e concluiu
sermos, ao lado da Bélgica e depois da Suécia, o segundo lugar do Ocidente onde
quem manda mais castiga a iniciativa de quem obedece e melhor constrange o
sucesso económico. Em 2016, pagámos 34,7% do PIB em contribuições e impostos,
proeza que bateu o recorde anterior e projecta um futuro radioso. O nome não
mente: a Monocle é um bocado zarolha.
Pior ainda, a nossa
orgulhosa pátria está repleta de zarolhos assim, uns por infortúnio, outros por
vocação, e nenhum com o sentido estético da publicação britânica (a elite daqui
exibe pêlos nas orelhas). Se restavam dúvidas, estas dissiparam-se com a
erupção do caso dos 10 mil milhões em offshores. "Erupção" é maneira
de dizer, já que o "escândalo" fora divulgado um ano antes sem
reacção palpável – evidentemente porque à época não havia uma trapalhada
equivalente à da CGD para remover das notícias. "Caso" também é força
de expressão, já que uma pessoa lê as pessoas que percebem do assunto e não
consegue garantir qualquer ilegalidade. Acontece que, mal ouvem falar em
offshores, os serviçais da oligarquia indígena desatam a presumir, ou a fingir
que presumem, crimes monstruosos.
Convém notar que o
problema não são bem os offshores. Com frequência, os serviçais em causa estão
directa ou indirectamente ligados a offshores nas avenças que recebem, nas
compras que fazem, se calhar até nas contas que abrem e de certeza nos
interesses que apoiam. Não admira, visto que uma parcela considerável dos
países do mundo (Portugal incluído graças à Madeira) é no fundo um offshore, de
resto instrumento hoje vital para as trocas comerciais e não um sintoma de
degradação moral.
O problema é que,
mesmo quando a presunção é hipotética ou falsa, os offshores evocam dinheiro
que escapa ao controlo pleno da oligarquia. Aliás, na perspectiva dos
utilizadores, a sua função é essa, prevenir que o ganho de uns não seja
inteiramente devorado pelos que ocupam o Estado ou vivem a roçar-se nele: a
inveja é o real motor da História. Na perspectiva dos "ofendidos", o
recurso ao fantasma dos offshores permite alertar para roubos imaginários enquanto
se cometem os autênticos.
Chegou então o
momento de responder à pergunta que dilacera inúmeras almas: como (simular voz
consternada) é sequer possível comparar a "fuga" de 10 mil milhões
com os SMS do dr. Centeno? Não comparo. Em princípio, a primeira situação não
esconde grande drama, excepto o destino que os legítimos proprietários deram às
respectivas verbas. Em princípio, a segunda situação é só a superfície da folia
praticada a coberto da CGD, e do destino que proprietários ilegítimos deram a
verbas alheias. Admitindo que do princípio à realidade vai alguma distância,
investigue-se ambas as situações e digam coisas, embora se adivinhe que se
investigará pouco e dirá nada.
O BOM
Um imperativo
conxitusinal
Saber português vai
deixar de ser critério de aquisição da nacionalidade. Com um único gesto,
abate-se a cansativa frase de Fernando Pessoa e justifica-se o linguajar do
primeiro-ministro. É, porém, redutor atribuir apenas ao dr. Costa a
responsabilidade pela abertura em causa. Liga-se a televisão, abre-se os
jornais, espreita-se as ditas redes sociais e fica-se fascinado pela tortura a
que a língua é incessantemente sujeita. Ou nem isso: de facto, o que hoje
espanta é ver alguém exprimir-se em português razoável. Exigir o mesmo a
estrangeiros seria pura xenofobia.
O MAU
La La Land
Nem sei quantas
palavras poderia escrever sobre os Óscares. Talvez duas: não vi. Nos últimos
anos, salvo a ocasional fita decente, o que me chega do cinema são as fitas
indecentes protagonizadas pelas "estrelas" em cartaz.
"Hollywood" desatou a levar-se a sério e perdeu a piada toda. Aquela
gente convenceu-se de que lhe compete esclarecer as massas em vez de se limitar
a entretê-las. O resultado do delírio nota-se no lixo em que participam e
atinge o clímax na celebração anual, que voltarei a ver quando atribuírem o
prémio para o Maior Pedante. Mas percebo a dificuldade na escolha.
O VILÃO
Pluralidade
Recentemente,
garantiram-me que o dr. Louçã sabe umas coisas de Economia, e que as
alucinações infantis que profere em público são apenas para consumo de
fanáticos. Até por experiência própria, eu sabia que o dr. Louçã mente sobre
tudo à sua volta. Aprendi que também mente a si próprio. Resta apurar se no
Banco de Portugal teremos o académico que vive neste mundo ou o populista que
afirma desejar outro, cheio de unicórnios, igualdade e campos de reeducação
trotskistas. Entretanto, há que nomear Ferraz da Costa para a direcção do BE a
bem da pluralidade.
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