Há
dias, a dona Catarina do BE afirmou a um diário que, face à dívida, só nos
resta a "negociação unilateral". O conceito tem a pertinência de,
digamos, um matrimónio individual, no qual o noivo vai à conservatória e a
noiva nem o conhece. Mesmo assim, a dona Catarina não se riu, os jornalistas
que a entrevistaram não se riram e Portugal não sucumbiu a uma epidemia de
gargalhadas idêntica à de Tanganyika. Na nossa exótica vida pública, certas
criaturas e certas "ideias", alucinadas que sejam, adquiriram o curioso
direito de ser levadas a sério.
Lembrei-me
deste episódio quando, anos depois, voltei a concordar com um artigo de José
Pacheco Pereira (Uma comunicação social cada vez menos plural, no Público). Não
concordei com o artigo inteiro, nem sequer com metade. A bem dizer, não
concordei com quase nada, excepto com o pedacinho em que JPP reclama "uma
comunicação social menos enfeudada ao poder do ‘pensamento único’, que não
condicione pela agenda, pelo tratamento de títulos e notícias, pela duplicidade
política do que entende ‘grave’ ou venial e que, acima de tudo, actue num
sentido único da vulgata que passa nos nossos dias por ser a ‘realidade’".
Para
encontrar uma amostra destas patentes desgraças, basta ver A Quadratura do
Círculo, programa televisivo em que – ai a coincidência – JPP e dois confrades
"debatem" a "actualidade". Há muito que, na maioria das
emissões, a "actualidade" se resume ao líder da oposição, e o
"debate" consiste em matá-lo, esfolá-lo e, mal JPP toma a palavra, em
triturá-lo com esmero. Se A Quadratura mandasse, Pedro Passos Coelho demitia-se
semana sim, semana sim, empanado em alcatrão e penas. De caminho, e ainda que
empurre jovialmente o País para nova bancarrota, o chefe do Governo – e antigo
membro daquela confraria – escapa incólume ou medalhado pelas suas proezas.
Misteriosamente, o "pensamento único" de que JPP se queixa é o da
"direita".
Não
caio na infantilidade de recorrer ao argumento exactamente oposto. Nas
televisões e nos jornais, sobram, por enquanto, alguns lugares onde a
"direita" (leia-se tudo o que não se desfaz em mesuras perante a
oligarquia) consegue aliviar-se de duas ou três opiniões. O quadro geral,
porém, é de uma humilhante submissão ao poder vigente e às respectivas
simpatias. No fundo, cerca de 87% do espaço "mediático" (desculpem)
disponível serve para desancar em Pedro Passos Coelho e bajular os abundantes
inimigos dele. Ocasionalmente, para desenjoar, bate-se em alvos acessórios e
que com retorcida habilidade lá se arranja forma de associar ao presidente do
PSD: a "troika", o sr. Trump, o "neoliberalismo", o
"nacionalismo", a "globalização", os lucros da banca, as
perdas da banca, etc. O facto de não haver aqui vestígio de coerência, ou de
vergonha na cara, não prejudica a estratégia. A acreditar nas sondagens,
favorece-a.
Moral
da história? Não existe. Existe uma evidência: a vulgata omnipresente é aquilo
que JPP, aí por 2011 e razões que não comento, desatou a defender. E a
realidade, sem aspas, é o que nos cairá em cima não tarda. Previsivelmente,
como de costume, os autores da farsa sairão dela entre risos. Nós já não iremos
a tempo.
O
BOM
1
kextão de cãoçuantes
Por
não gostar do princípio nem do resultado, não uso o acordo ortográfico. Mas uma
petição contra o dito vem lembrar que este não é o principal problema.
Subscrita por dezenas de figuras públicas ou convencidas disso, a petição
mistura quem escreve em português de gente, quem escreve em português sofrível
e quem tortura o português com requintes. Donde a futilidade da empreitada: lutar
pela sobrevivência do "c" mudo quando a frase à volta já morreu há
muito é como salvar o tapete de um carro em chamas. Por bonito que seja, não
vale o esforço.
O
MAU
Selfie-made
man
É
falso que, na entrevista à SIC, o prof. Marcelo se tenha limitado a elogiar o
Governo. Também dedicou elogios ao primeiro-ministro oficioso: ele próprio. De
resto, provou-se que o homem é mesmo o Presidente de todos os portugueses – de
todos os portugueses que acreditam no arranjinho que manda nisto, que
beneficiam dolosamente do arranjinho e que detestam Pedro Passos Coelho por
julgá-lo o último obstáculo à impunidade do arranjinho. O País
"descrispado" (sic) do prof. Marcelo é imaginário. Por azar, os
portugueses são reais.
O
VILÃO
Marchas
populistas
Contar
os participantes na posse do sr. Trump é escusado. Importa é contar os
participantes nos protestos contra o sr. Trump, perdão, em prol das senhoras. E
apurar quantos possuem no currículo o respeito pela liberdade. Muito poucos,
com certeza. Do que vi, admitindo excepções, a coisa oscilava entre taradinhos
das "conspirações", leninistas encartados e gente que nunca se maçou
com o suplício das mulheres sob o islão. Têm piada? Alguma, perdida quando se
nota que, apesar da ameaça que o sr. Trump representa, há perigos bem maiores.
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