A
política de devolução de rendimentos em curso só seria sustentável no tempo se
se baseasse nos nossos próprios recursos, na criação de riqueza através de
investimento, em finanças públicas equilibradas e dívida a diminuir e não em
dinheiro emprestado e mais dívida.
No
Congresso do PCP ouvimos as críticas conhecidas às anteriores políticas de
austeridade do Governo Passos Coelho e os elogios à devolução de rendimentos
efectuadas pelo actual Governo sob pressão do PCP. Ouvimos também as críticas
recorrentes à União Europeia (UE) e a defesa da necessidade de nos libertarmos
dos espartilhos que a UE nos impõe, nomeadamente por não nos permitir aumentar
o deficit e a dívida à nossa vontade, pois sem estas restrições teríamos mais
recursos para aumentar salários e pensões.
O
discurso político do BE, nestas questões, é igual. Tudo isto é completamente
surrealista: a causa da austeridade imposta ao país em 2011 foi o déficit e a
dimensão da dívida. Esta atingiu dimensões tais que os nossos credores
internacionais foram perdendo a confiança na capacidade e vontade do nosso país
honrar os seus compromissos financeiros, tornando arriscado emprestar dinheiro
a Portugal. Para compensar esse risco, os juros dos empréstimos a Portugal
foram subindo, até que em 2010 e 2011 atingiram níveis incomportáveis.
Isto
é fácil de compreender por qualquer pessoa e não tem nada a ver com as opções
políticas de cada um: basta perguntar aos eleitores do PCP e do BE se gostariam
de emprestar as suas poupanças a alguém que soubessem à priori que não tenciona
pagar. Certamente que não, ou seja, reagiriam como os mercados que tanto
criticam. Em consequência chegámos à situação em que o Estado estava prestes a
não ter capacidade para cumprir os seus compromissos e ter de deixar de pagar
dívidas, ou salários de funcionários públicos, ou ambos.
Para
evitar isso foi necessário chamar a troika, para nos emprestar dinheiro em
condições melhores do que as poderíamos conseguir por nós próprios. Obviamente
a troika não queria ajudar-nos a continuar a gastar mais do que produzíamos,
mas ajudar-nos a vencer a fase de transição para uma situação de contas
públicas equilibradas, o que aceitámos. Assim tivemos de passar a gastar menos:
daí a austeridade que se seguiu.
Por
isso o discurso do PCP e do BE é surrealista: defendem o aumento da dívida, ou
seja, as causas da austeridade, e simultaneamente protestam contra as
consequências. E que alternativa propõem? Que deixemos unilateralmente de pagar
a dívida e os respectivos juros, o que segundo dizem, iria libertar recursos
para outros fins melhores. A realidade seria exactamente o contrário. A seguir
ninguém mais emprestaria dinheiro ao Estado português e a empresas portuguesas.
Como a economia vive a crédito, muitas empresas faliriam rapidamente.
A
provável falência dos bancos, poderia agravar a situação, porque os meios de
pagamento deixariam de funcionar. A saída do euro seria inevitável, e o euro
seria substituído por um escudo novo quase sem valor. Compreende-se a aposta em
mais endividamento sabendo, desde sempre, que o PCP defende a saída do euro:
eis o objectivo desta política de endividamento (além de distribuir benesses
para ganhar votos). Recorde-se que o dinheiro é apenas uma forma de trocar
riqueza, em si mesmo não serve para nada. Pode-se jantar com uma nota de 20
euros, mas não se come a nota. Ou seja, o valor do dinheiro depende do que se
pode comprar com ele.
Como
o país produziria cada vez menos riqueza e o Governo imprimiria cada vez mais
dinheiro para suportar os seus gastos, o valor do dinheiro reduzir-se-ia por
via de uma inflação galopante e desvalorização da moeda. Na bancarrota da
Argentina há uma década e meia, o peso argentino desvalorizou-se 75% numa
noite. Ou seja, o não pagamento da dívida faria com que o poder de compra dos
salários, das pensões e poupanças caísse a pique. Os recursos realmente
disponíveis para as políticas sociais (escola pública e Serviço Nacional de
Saúde, por exemplo) reduzir-se-iam brutalmente e com isso a reduzir-se-ia
fortemente a qualidade dos serviços públicos, que é um factor fundamental de
justiça social. Não há política pior para os trabalhadores e as classes mais
desfavorecidas.
Um
argumento que se usou no Congresso do PCP para justificar o não pagamento da
dívida foi que a dívida nos foi imposta. Mas quem é que nos impôs a dívida?
Alguém obrigou o Estado português a pedir dinheiro emprestado? Alguma vez a
troika invadiu o nosso país com soldados e tanques para obrigar o Governo
português a pedir dinheiro emprestado? Sabemos que o resgate dos Bancos
contribuiu para aumentar a dívida, mas a imensa maioria da dívida resultou das
políticas de deficits elevados e outras despesas não contabilizadas no deficit.
Recorde-se que a existência de deficit significa que o Estado gasta mais do que
as respectivas receitas e para isso precisa de dinheiro emprestado, aumentando
a dívida. E quem foram os partidos que mais defenderam essas políticas? O PCP,
o BE e em grande parte o PS. Ou seja, se a dívida foi imposta ao povo
português, foi pelos banqueiros desonestos e pelos partidos da geringonça.
A
política de devolução de rendimentos em curso só seria sustentável no tempo se
se baseasse nos nossos próprios recursos, ou seja, na criação de riqueza
através de investimento, em finanças públicas equilibradas e dívida a diminuir
(o que se poderia conseguir com um aumento grande da riqueza produzida, o que não
está a acontecer), e não em dinheiro emprestado e mais dívida. Assim a “festa”
da geringonça só dura enquanto do exterior nos emprestarem dinheiro com juros
baixos. Quando a “festa” acabar perderemos tudo o que recebemos no último ano e
muito mais.
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