Alberto
Gonçalves – Revista Sábado
Janeiro
17, 2017
Entrevistei
uma vez Mário Soares. Foi em 2006, durante a última campanha. Nesse mesmo dia,
fora publicado um artigo não excessivamente laudatório que escrevi sobre o
homem. Mal cheguei ao local da entrevista, o dr. Soares voltou-se para o
sujeito que o acompanhava (talvez Vítor Ramalho) e, sem subtileza, perguntou
baixinho se eu era o "tal". Confirmada a identidade, aplicou-me uma
ligeira rispidez. Ocasionalmente, distraía-se e tornava-se quase afável. Não
conheci, pois, o dr. Soares colérico ou jovial de que rezam as lendas. Não
conheci o dr. Soares, ponto.
Conto
este irrelevantíssimo episódio apenas para cumprir os critérios mínimos
aparentemente exigidos na hora da sua morte, momento aproveitado por
incontáveis criaturas para exibirem intimidade com o falecido. De resto, não
consigo integrar o coro de elogios incondicionais com que as criaturas nos
brindaram. Pelos vistos, uma considerável percentagem dos meus compatriotas
apenas respira, pensa, corre, dança e repete banalidades em público graças ao
dr. Soares. Curiosamente, muitos dos que lhe agradecem a liberdade apreciam
hoje a influência que notórios inimigos da liberdade exercem sobre o País.
Por
outro lado, também não sei se percebo o puro ódio que o dr. Soares despertava
em tanta gente (não, não é só o rancor de "retornados" e comunistas).
Quando, ainda antes do óbito, o prof. Marcelo garantiu que "todos os
portugueses" acompanhavam "com carinho a situação do dr.
Soares", o prof. Marcelo tipicamente acertou ao lado. Depois do óbito,
pouco depois, os minutos de silêncio que precederam dois jogos de futebol
viram-se interrompidos por abundantes insultos e assobios, espécie de
contraponto aos louvores oficiosos. Em transmissões posteriores, as televisões
baixaram prudentemente o som.
Sou
incapaz de tamanhos fervores. Para mim, o dr. Soares não criou o mundo nem
acabou com ele. É qualquer coisa no meio. Iniciou-se no estalinismo caseiro,
mas combateu o salazarismo à revelia do PCP. Resistiu em 1975 ao avanço das
forças antidemocráticas, mas ignoro se o fez por convicção ou por interesse.
Entregou-nos, em dose dupla, ao FMI, mas aproximou-nos da "Europa".
Derrotou o prof. Freitas, mas não tardou a reabilitá-lo junto com algum do pior
entulho pátrio. Exerceu uma presidência ecuménica na superfície, mas
conspiradora na essência. Ganhou fama de tolerante, mas cedeu a enormes
baixezas para derrotar adversários ou descartar-se de compinchas incómodos.
Mostrou uma grandeza natural, mas que frequentemente se confundia com
prepotência. Isto no século XX, de que, à nossa ridícula escala, constituiu
figura maior.
No
século XXI, o dr. Soares limitou-se a passear devoção por ditadores e figuras
particularmente sinistras, a sujeitar-se a enxovalhos eleitorais, a participar
em encontros de alucinados contra a troika e um governo eleito, a visitar
certos presidiários de Évora, a abominar o "neoliberalismo" e de
facto os regimes ocidentais. Transformado num anacronismo
"revolucionário", o dr. Soares deixou de ser contraditório e, em
suma, interessante. Passou os últimos anos a parecer negar-se a si mesmo. A
História dirá se negou o suficiente. Ou se negou de todo.
O
bom
Pão
e sobretudo circo
O
rating da única agência que ainda não nos atirou ao lixo passou os 4%, valor
limite para o sossego da DBRS. No dia seguinte, que eu visse, um único jornal
diário (em papel) deu ao facto (discretas) honras de capa. Nas televisões,
imagens em contínuo de um rapaz a levar porrada dos colegas e
"debates" sobre arbitragens da bola. Não digo que esteja ansioso pelo
quarto "resgate", mas mal posso esperar por conhecer os assuntos
prioritários com que a maioria dos media nos distrairá então. Só não se aceitam
apostas porque não haverá dinheiro.
O
mau
Professores
pasmados
O
prof. Marcelo felicitou Cuba pelo aniversário da revolução. Porque é um
marxista dissimulado? Nada disso. Porque o prof. Marcelo felicita tudo o que se
mexe e, no caso de falecidos avulsos, o que não se mexe também: ditaduras e
democracias, governos sofríveis e desastrosos, boas e aterradoras
personalidades, ginjinhas saborosas e intragáveis, etc. Em Belém, não há sombra
de critério. Talvez, em breve, os portugueses comecem a perguntar-se se há ali
sombra de utilidade. Outro professor pasmado, o dr. Pangloss, acabou mal.
O
vilão
Um
indiano errante
Para
o PM da Índia, o dr. Costa, de visita, "é um exemplo do dinamismo da nossa
diáspora". A sério? O estereótipo do emigrante indiano oscila, de acordo
com as circunstâncias, entre o vendedor de flores e o médico. Em ambos os
casos, é gente trabalhadora e em princípio íntegra. Os trabalhos do dr. Costa,
cuja integridade me dispenso de comentar, resumem-se a uma longa lista de
cargos partidários ou daí derivados. Se um currículo assim fosse exemplar da
diáspora, há muito que os vistos a cidadãos indianos seriam universalmente
recusados.
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