BARROSO da FONTE |
Perdemos todos os Transmontanos, um dos
mais lúcidos, mais sólidos e mais coerentes cidadãos do nosso tempo. Quase um
século de uma convivência proveitosa, porque viveu para os outros e não me
parece que tenha vivido para si. Permita-me o leitor que fale na primeira
pessoa.
Há notícias que se escrevem e que podem
gerar incomodidades. Mas quando se fala de alguém como foi o Padre Ângelo do
Carmo Minhava, fica-se, com a quase certeza, de que falamos de um ser humano,
verdadeiramente exemplar
Conheci-o em 1952, como meu professor de
música. Nunca fui bom aluno em nada, nem sequer em música. Em dez anos
solfejei, cantei e até regi algumas vezes, mas nas aulas e entre colegas. Fui
barítono por escolha sua. Nessa condição cheguei a ir, integrado no seu orfeão,
atuar aos estúdios da Rádio Alto Douro. Penso que era um brinquedo para o
(depois, meu amigo) Carlos Ruela. Era um privilégio nesses tempos, em que não
havia estúdios, nem televisões. Mas, de facto, apenas fiz letras que (os hoje maestros) José Luís Borges Coelho e o
Altino Moreira Cardoso, musicaram. Por não conseguir musicar, sinal de que
aprendi pouco em dez anos, tive a rara satisfação de ver quatro poemas meus
musicados pelo Mestre de nós os três, quais sejam: as letras dos hinos das
Casas de Trás-os-Montes do Porto e de Guimarães, um soneto à morte de meu Pai e
o poemeto: «da terra nasce o amor». Mas não fiquei a dever apenas esta formação
musical. Pela vida fora foi lendo os meus escritos em jornais e em livros, em
prosa e em verso,que produzi em mais de meio século. Sempre me escrevia a
agradecer e a felicitar; e, algumas vezes, a puxar as orelhas, por excessos de
linguagem ou discordâncias formais. Recordo que numa entrevista a Gil Silva e a
Paulo Mourão ao programa «Perfis -Transmontano sem preconceito»,
questionado sobre - «o que tem a dizer sobre Pires Cabral, António Cabral e
Barroso da Fonte, respondeu assim: - «embora discorde, por vezes, de
certas efabulações do escritor Pires Cabral, reconheço nele um escritor de
muito mérito... O dr. António Cabral é, desde jovem, vocacionado para as
letras. Barroso da Fonte, idem, por vezes bastante conflituoso, mas frontal e
grande patriota».
Nunca me reconheci tão bem caraterizado.
De Ângelo Minhava fica, para além da
morte, aquilo que todos nós deveríamos deixar: erudição, obras e exemplos de
toda a natureza.
A imprensa regional já noticiou o seu
desaparecimento. Na imprensa diária, a começar pela RTP que se proclama de
serviço público, ainda nada vi, nem ouvi, de entretida que anda com o futebol,
com guerras de alecrim e de manjerona e com vedetas vazias de tudo, a não ser a
espuma que lhes tapa as mazelas.
Espero que o poder político distrital,
desde Mondim de Basto a Montalegre, desde Vila Real à Régua, de Chaves a Lagoaça, saiba perpetuar o nome e a
obra deste Transmontano do tamanho das Fisgas de Ermelo e do simbolismo
intelectual do majestoso Douro. Barroso da Fonte
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