Vasco Pulido Valente -
OBSERVADOR
11
de Dezembro, 2016
Agora,
Jerónimo de Sousa, Louçã, Catarina e congéneres protestam por aí contra a
infame armadilha da “Europa”. Só que ela não nasceu ontem, nasceu em 1984 ou 85
e foi feita deliberadamente contra eles
A
velhice do PCP
Era
a última campanha do velho Cunhal e, por isso, pedi ao Paulo Portas para ir
ver. E lá fui na “caravana” (um método de propaganda hoje felizmente em desuso)
pelo arquipélago comunista no Alentejo e margem sul. Tudo se passou na melhor
ordem e nos jantares, que as militantes faziam, até se comia bem. Durante os
comícios, a assistência conversava sobre a única questão que verdadeiramente a
levara ali: o Álvaro. Estava o Álvaro mais magro? mais gordo? mais cansado?
mais fresco? com um ar mais velho? com um ar mais novo? A missa que o dito
Álvaro recitava no palanque não a interessava nada. Aquilo parecia uma família
que vinha visitar o avô, ninguém queria saber de política ou do partido que
putativamente a representava. No Seixal, se não me engano, houve um convívio.
As senhoras puseram as mesas e trouxeram as bebidas e os bolos. Por acaso uma
delas resolveu falar comigo, depois de um naco de doce de ovos. Perguntou qual
seria o resultado do PC: 11 por cento, 15 por cento? Respondi que 8 ou 9 por
cento. Ela choramingou: “Ai que desgosto que isso vai dar ao Álvaro!”.
Muita
gente se intriga com a durabilidade dos Comunistas. Não os percebem. Primeiro
são poucos (pela última contagem, 50 000) — num país pequeno, em terras
pequenas, nos bairros em que nasceram e cresceram. Segundo, vivem entre si: o
partido não gosta que os militantes tenham amigos fora de casa. Terceiro, o
grau de endogamia é muito alto. Entre os mais velhos (que são quase todos) a
família chega de facto a ser uma família. E com isto, claro, vem uma grande
dose de nepotismo, de compadrio, de protecção e de complacência. Os comunistas
não deixam o Partido (com maiúscula). Não admira. Quando saiu do PCF, por causa
da invasão da Hungria, Claude Roy disse: “Fiquei sozinho”, ou coisa
equivalente. Vinte anos mais tarde François Furet diria a mesma coisa. Em
Portugal, podem ficar só três, sentados numa pedra, que, para eles, tudo
continua.
A
precaução de Soares
Soares
costumava contar uma história muito interessante. Quando se começou a discutir
se Portugal devia “entrar” ou não na CEE, ele chamou um grupo de economistas
(portugueses) de grande reputação. Todos lhe disseram que “entrar” seria um
desastre para a economia e que nós só podíamos, razoavelmente, ficar de fora, à
espera de crescer e aparecer. Soares não se impressionou e disse a esses
prudentes sábios que, apesar de tudo, ele tinha decidido “entrar” e por muito
boas razões. Razões políticas. Como é de ver. Soares achava, e achava bem, que
a “Europa”, sob que forma fosse, nos protegia de dois males maiores. Primeiro,
numa época em que o regime não estava ainda sólido, de um pronunciamento
militar: Bruxelas correria à má cara com o primeiro capitão (ou general) que lá
fosse pedir dinheiro. Segundo, Bruxelas também nunca aceitaria um governo de
“esquerda” que saísse das suaves normas da Internacional Socialista e, por
isso, o PC ficava definitivamente fora do poder (o Bloco, nesse bom tempo, não
existia). O famoso “arco da governação” ficava assim definido e garantido por
uma ou duas gerações.
A
União Europeia e a moeda única, a que o dr. Cavaco se agarrou para meter algum
juízo financeiro na cabeça dos seus compatriotas, apertaram a malha. Agora,
Jerónimo de Sousa, Louçã, Catarina e congéneres protestam por aí contra a
infame armadilha da “Europa”. Só que ela não nasceu ontem, nasceu em 1984 ou 85
e foi feita deliberadamente contra eles. O dr. Soares sempre soube com que
linhas essa doce gente se cosia e deixou Portugal bem amarrado. Nenhum
argumento económico pesa contra a força, a não ser que a força por ela própria
se desfaça.
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