Vasco Pulido Valente in: jornal Público |
Nunca gostei da Universidade de Coimbra: nem da instituição, nem dos professores, nem da praxe (uma selvajaria sem graça e sem sentido), nem sequer dos cafés que a oposição frequentava. Escrevi também um livro que me deu para perceber o horror de tudo aquilo, mesmo na altura em que Eça e Antero andavam por lá.
E, depois, durante a Ditadura,
Coimbra forneceu fielmente Salazar com os piores ministros do país. Não espero
nada de bom que venha daqueles sítios. Mas não deixou de me surpreender a
atitude do sr. António Santos Justo, hoje director da Faculdade de Direito, que
proibiu um debate entre Pedro Mexia e Rui Tavares sobre "ideologias no
mundo actual", em nome da "tradição" e da
"neutralidade". Estamos, vale a pena lembrar, no fim de 2014.
A ignorância do sr. Justo sobre
as matérias que ensina (Direito, presumo) é incomensurável e a ignorância da
Universidade sobre o sr. Justo não é com certeza menor. O sr. Justo julga
ainda, apesar da sua idade e posição, que pode à sua vontade preleccionar sobre
Direito, sem implicitamente escolher a cada palavra uma posição ideológica.
Ninguém lhe disse que desde a antiguidade se discute a natureza da lei e os
modos lícitos de a fazer e aplicar. Mas talvez o sr. Justo tenha evitado
leituras perigosas, de Platão a Rawls, e se contente com a "sebenta"
de um predecessor ilustre, como por exemplo o imortal professor Varela (de
resto, um homem simpático), que em 1970 continuava a chamar
"concubinato" à coabitação sem casamento, sem que nisso pesasse a
sombra de uma ideologia.
Há uma esperança. Por vontade do
sr. Justo, ele inevitavelmente fechava a parte da Universidade de Coimbra que
se ocupa de ciências sociais, para não falar em humanidades, que com a sua
permanente discussão ideológica só servem para confundir a cabeça do estudante
mais cauteloso e servil. Quanto às ciências sociais, basta abrir a televisão
para verificar a confusão em que vive aquela pobre gente: economista contra
economista, sociólogo contra sociólogo e por aí fora, berrando e esperneando
por causa dessa coisa infame que o sr. Justo se esforçou para banir, num gesto
heróico, da sua Faculdade de Direito. Verdade que este novo método levanta dois
problemas. Primeiro, aliviaria o orçamento do dr. Nuno Crato. E, segundo,
provocaria imediatamente uma enorme polémica ideológica sobre quem devia sair e
quem devia ficar. Mas, de qualquer maneira, os portugueses não tornariam a
esquecer o admirável sr. Justo.
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