Tem vaidade no que foi, procurou ser e agora é:
"uma síntese entre um passado histórico
de grande relevância e a modernidade, trazida com a presença da Base das Lajes,
com um porto oceânico e com as potencialidades da zona industrial que está a
despontar". É da Praia que tratamos, da urbe que, depois da aldeia de
Sant'Ana, foi residência do primeiro Capitão do Donatário e, por esse facto,
também o primeiro centro do poder, na ilha de Jesus Cristo. Recorde-se que uma
das razões apontadas para que Jácome de Bruges tenha escolhido a Praia como
residência é atribuída à existência de "grossos arvoredos" nessa zona
e já perspectivando também a fertilidade do terreno para a vantajosa cultura do
trigo e do pastel (planta usada na tinturaria).
Que por não dispor das mesmas condições
geo-estratégicas de segurança e apoio à navegação marítima, a Praia foi então
perdendo parte da sua primitiva influência administrativa, política e até
económica, ninguém tem dúvidas disso, e assim o parece demonstrar a demora de
mais de quinhentos anos que levou a vencer a barreira de simples vila rural e
piscatória para se guindar a cidade recheada de interesse histórico e
potencialidades naturais sem conta, e a que já fizemos referencia anteriormente:
na Iª crónica, a respeito do miradouro do Facho; na IIª, a propósito da batalha
de 11 de Agosto de 1829, das Lages, do Ramo Grande e do Museu do Vinho, e na
IXª, ao realçar a decisão de D. Beatriz em dividir a ilha equitativamente em
duas capitanias. Em face disso, só do que não foi ainda abordado até ao momento
nos ocuparemos a partir daqui. Ora, " Se bem me lembro...", glosando
a frase do genial praiense Vitorino Nemésio, ainda faltam tecer, em particular,
algumas considerações à volta desta tal antiga vila que só a 20 de Junho de
1981, é elevada a cidade. Para melhor o fazer vamos servir-nos de uma planta da
cidade que tem a chancela da Direcção Regional de Turismo, e com a sua ajuda
localizarmos o sítio onde se situa o epicentro do assunto a focar. Vamos a
isso. Bem cuidada e acolhedora temos na zona histórica da cidade da Praia da
Vitória, a Praça Francisco Ornelas da Câmara, onde figura destacada a Estátua
da Liberdade, cujo desenho se deve a Abraam Abohobot e fora inaugurada no 1º
centenário da Batalha de 11 de Agosto de 1829, tendo como objectivo honrar os
heróis deste acontecimento. Ali vai entroncar a Rua de São Paulo, onde, no nº
5, nasceu, a 19/12/1901, o autor de “Mau
Tempo no Canal”,
Vitorino Nemésio, falecido em Lisboa, a 20/11/1978. Na mesma
rua, quase ao fundo, situam-se os Paços do Concelho, um edifício do século XVI
que veio substituir a primitiva Câmara junto ao mar. Destruído pelo sismo de
1614, foi reconstruído no século XVII. Apresenta de interesse particular a
fachada e a torre sineira. Tem escadaria larga e bem lançada e um curioso
alpendre que se assemelha, em parte, aos grandes solares de entre Minho e
Douro. Ainda na mesma artéria, entre a casa de Nemésio e os paços do Concelho,
ficam as traseiras da Igreja Matriz dado a frente estar virada para a Rua de
São Salvador. Com orago Santa Cruz, a igreja matriz da urbe foi fundada por
Jácome de Bruges, em 1456, embora reformulada no século XIX. Digna de
respeitosa visita, preserva ainda o estilo manuelino, como se pode ver nos principais
portais e abóbadas da igreja e capelas laterais. Nela se encontra um dos mais
ricos museus de arte sacra, onde se destaca a ourivesaria. Possui uma
importante colecção de esculturas que remontam ao séc. XVI, entre as quais uma
rara escultura de marfim indo-português policromado do séc. XVIII. Na capela
dos Ornelas subsiste uma lápida funerária do séc. XVI. Notáveis talhas douradas
com destaque para a capela do Santíssimo, séc. XVII, podem ser ali admiradas.
Ligando o conhecido Largo do Conde da Praia da Vitória à Praça Francisco
Ornelas da Câmara, temos a Rua de Jesus, das mais airosas e bem preservadas da
cidade. Por ela se tem acesso ao sedutor Jardim Municipal, onde uma estátua de
João Silvestre Ribeiro, mandada erigir em 31 de Dezembro de 1879 pela
população, em memória e agradecimento ao conselheiro que tomou a seu cargo a
reedificação da Praia, após os sismo de 15 de Junho de 1841, é só por si motivo
de admiração. Do lado oposto da via fica o Mercado Municipal, que com seus
portões em madeira, transmite o colorido dos mercados tradicionais. Construído
entre 1878 e 1882 é um ponto de encontro das gentes do concelho. Feita a visita
a estes dois pólos de atracção praiense, continuemos o passeio a pé de regresso
até junto da Estátua da Liberdade, mas nunca sem antes, a meio da rua, lançar
um olhar para a porta nº 53, pois foi onde nasceu Gervásio de Lima, a
26/3/1876. O que nada tem a ver com a rua de seu nome hoje existente na Praia.
Vamos ficar na Praça Francisco Ornelas da Câmara para daqui, a seguir,
descermos à vizinha marina.
Costa Pereira
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