quinta-feira, 5 de abril de 2012

Revisitando Alexis de Tocqueville

Alexis de Tocqueville foi o grande teórico da democracia de massas. E anunciou-a a todo o Ocidente. Proveniente da aristocracia francesa, grande parte da sua parentela havia perdido a vida na guilhotina durante o Governo de terror de Robespierre. Alexis veio ao mundo onze anos depois do terror jacobino ter terminado, já a França era governada por Napoleão Bonaparte. Cresceu com todos os privilégios de um jovem aristocrata, tornando-se juiz. Com o seu amigo Gustave de Beaumont, aos 25 anos de idade enceta uma viagem de dez meses pela América, para se especializar na democracia norte-americana. Percorreram 12 mil quilómetros. Conversaram com políticos influentes, entre eles o ex-presidente John Quincy Adams, com simples pioneiros e pessoas influentes socialmente.


Nos dois tomos, condensados em 681 páginas na edição da Relógio D’Água (2008), apresenta o sistema político americano. No primeiro volume descreve as particularidades da sua Constituição e das suas instituições politicas, explicando o seu funcionamento. No segundo mostra como a democracia influencia a forma de pensar e de agir do povo.
Ao contrário de Hobbes, Locke ou Rousseau, Alexis não prescreve uma teoria universal; faz a descrição exacta da sociedade e questiona-se sobre o seu funcionamento.
O que Tocqueville observa, em primeira-mão, são questões que, à primeira vista, parecem ser contraditórias e confusas: Nos Estados Unidos todos são simultaneamente iguais e diferentes. A sociedade americana parece resumir-se à classe média[1], embora continuem a existir pobres e ricos. “Na América, há poucos ricos “ (p. 68), diz-nos. Passando a explicar as razões, como, por exemplo, a de que “Na América, a maior parte dos ricos começaram por ser pobres …”. E acrescenta: “Na América cada qual encontra pois facilidades desconhecidas noutros lugares para fazer fortuna ou a aumentar (…) e o espírito humano (…) não é movido senão à busca da riqueza” (p. 429).
Mas os ricos, no geral, representam uma pequena parte e o seu papel parece ser irrelevante, ao contrário da Europa. Mesmo o Governo, parece estar em mãos de talentos medíocres. E isto porque as elites preferem intervir noutras áreas da sociedade (os negócios)[2]. Tocqueville di-lo com clareza:” Os grandes talentos e as grandes paixões afastam-se em geral do poder, a fim de perseguirem a riqueza …” (p.191). Por isso, acrescenta: “É a estas causas tanto como às más escolhas da democracia que deve atribuir-se o grande número de homens vulgares que ocupam as funções públicas” (p. 192).
O individualismo é predominante (Tomo II, Cp. II, III, IV). E ao contrário da sociedade europeia (do século XIX, diga-se), onde a origem social determina a vida das pessoas, na sociedade americana o particular vive com independência e apenas está obrigado a si próprio nas decisões que toma.
Tocqueville fascinou-se com esta sociedade, ao verificar que, de facto, ali a igualdade existia. O cidadão mais humilde pode apertar a mão ao mais poderoso. Alexis observa que as diferenças sociais são irrelevantes, pois nem o próprio dinheiro distancia as pessoas, na medida em que todos os americanos acreditam no êxito. O que hoje é pobre, amanhã pode ser rico. E o contrário também. Di-lo com muita franqueza: “… é raro vermos duas gerações recolherem os seus favores”[3] (p.68).
Consegue depois demonstrar que uma democracia igualitária pode funcionar, tendo o cuidado, contudo, de prevenir que para o êxito completo são necessárias certas condições – um nível educacional semelhante em todas as camadas sociais, liberdade de opinião, protecção da propriedade privada e igualdade de oportunidades. Esta seria para Alexis a de maior importância. Logo no primeiro parágrafo do seu primeiro volume diz que o que mais o impressionou foi a “igualdade das condições” (p. 31).
Nesta sociedade, ao contrário da sua pátria em que a reivindicação de igualdade e liberdade descambou na tirania e no despotismo, não existe exclusão mútua da liberdade e igualdade.
Aqui, os direitos são respeitados porque “O governo da democracia faz com que a ideia dos direitos políticos desça ao menor de entre os cidadãos …” (p.219). E até os pobres podem votar. A soberania está nas mãos do povo (p. 163), pois cada um é dono de si próprio. Logo a começar o capítulo IV inicia: “Quando queremos falar das leis politicas dos Estados Unidos, é sempre pelo dogma da soberania do povo que devemos começar” (p.71). Mas reconhece certas excepções: “… os escravos, os criados e os indígenas alimentados pelas comunas …” (p.220). E argumenta que “Quando deixa de haver riquezas hereditárias … torna-se visível que o que faz a principal diferença entre a fortuna dos homens é a inteligência” (p. 432).

Porém, não deixou de apontar os pontos fracos da democracia de massas. Ao nivelar as diferenças, pode contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade apolítica, porque, na medida em que todos são iguais, e se o dinheiro passa a ser o único ponto de diferenciação, é pois lógico que o cidadão assegure a sua posição social através da propriedade. Confiam a politica aos líderes e retiram-se dela. E esta retirada do cidadão é perigosa porque gera um despotismo democrático, onde o Governo tutela o povo.
E ao contrário dos seus contemporâneos, Alexis não teme que os cidadãos de uma democracia se convertam numa turba revolucionária, violenta, ao pretenderem melhorar a sociedade. O grande perigo para Tocqueville é que o afastamento do cidadão da política se concretize na apatia politica generalizada.
Argumenta que a maior ameaça para a democracia é que a igualdade arruíne a liberdade[4]. Ou seja, que a opinião dos que pensam de forma diferente seja vitima da pressão da conformidade, estabelecendo-se o que ele designava por “tirania da maioria”, pois ameaçava um dos seus pressupostos políticos essenciais: a consciência da liberdade individual (pp. 228-230). O que deixava certos cidadãos à margem da sociedade por se não enquadrarem dentro das margens permitidas pela opinião maioritária. Questiona-se então sobre o papel real dos cidadãos numa democracia, sobre o grau de liberdade que é concedido pela opinião da maioria ao individuo numa sociedade de massas, sobre os desvios aceitáveis numa sociedade em que as diferenças são niveladas. Mas também alerta para os problemas que a liberdade encerra (p. 480).
Alertava para o especial perigo da maioria quando conjugado com a mediocridade, pois a democracia abria a porta aos talentos mais vulgares, dando azo a que gente ambiciosa[5] possa apelar às massa com slogans simples, usando a demagogia, alcançando o poder através de meras promessas. Contrariamente, pessoas extraordinárias, especialmente dotadas, em geral não eram eleitas porque a grande maioria não as entendia.
Muitos futuros ditadores como Hitler, acabaram por lhe dar razão
Mas Alexis de Tocqueville é muito mais do que isto, cada capítulo seu daria um pequeno ensaio.



Alexis Tocqueville recorda-nos uma pequena história que fomos buscar a Bill Bryson. Diz-nos Bill: “Se precisássemos de dar um exemplo típico da América do século XIX como terra da oportunidade, seria difícil encontrar melhor do que a vida de Albert Michelson” (p. 185).
Nasceu em 1852, numa família de comerciantes judeus pobres, na fronteira polaco-alemã. Foi para a América ainda bebé de colo. Como eram pobres demais para poderem pagar a universidade, um dia pôs-se a andar de um lado para o outro em frente dos portões da Casa Branca em Washington D.C. a fim de provocar um encontro com o presidente Ulysses S. Grant. Consegui-o, caindo nas graças do presidente que lhe garantiu um lugar na Academia Naval. E foi aí que Michelson aprendeu a sua física. Dez anos depois, era já professor na Case School, em Cleveland e chegou, com o seu trabalho relacionado com a velocidade da luz, a ganhar o Prémio Nobel da Física. Foi o primeiro americano a quem foi atribuído.

Armando Palavras



[1] Presume que isso se deve a não existir na sociedade americana tradição. Histórica e aristocrática.
[2] Sempre que algum americano se lhe dirige é nestes termos: how is business?, que literalmente quer dizer “como vai o negócio?”, mas que na verdade é um cumprimento muito parecido ao nosso “como vai isso?”, ou “como vão as coisas?”.
[3] Referindo-se ao dinheiro.
[4] Este tema foi mais tarde tratado por John Stuart Mill em Da Liberdade (1859).
[5] Não sendo particularmente inteligente.

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