Alexis de
Tocqueville foi o grande teórico da democracia de massas. E anunciou-a a todo o
Ocidente. Proveniente da aristocracia francesa, grande parte da sua parentela
havia perdido a vida na guilhotina durante o Governo de terror de Robespierre.
Alexis veio ao mundo onze anos depois do terror jacobino ter terminado, já a
França era governada por Napoleão Bonaparte. Cresceu com todos os privilégios
de um jovem aristocrata, tornando-se juiz. Com o seu amigo Gustave de Beaumont,
aos 25 anos de idade enceta uma viagem de dez meses pela América, para se
especializar na democracia norte-americana. Percorreram 12 mil quilómetros.
Conversaram com políticos influentes, entre eles o ex-presidente John Quincy
Adams, com simples pioneiros e pessoas influentes socialmente.
Nos dois tomos,
condensados em 681 páginas na edição da Relógio D’Água (2008), apresenta o
sistema político americano. No primeiro volume descreve as particularidades da
sua Constituição e das suas instituições politicas, explicando o seu
funcionamento. No segundo mostra como a democracia influencia a forma de pensar
e de agir do povo.
Ao contrário de
Hobbes, Locke ou Rousseau, Alexis não prescreve uma teoria universal; faz a
descrição exacta da sociedade e questiona-se sobre o seu funcionamento.
O que
Tocqueville observa, em primeira-mão, são questões que, à primeira vista,
parecem ser contraditórias e confusas: Nos Estados Unidos todos são
simultaneamente iguais e diferentes. A sociedade americana parece
resumir-se à classe média[1],
embora continuem a existir pobres e ricos. “Na América, há poucos ricos “ (p.
68), diz-nos. Passando a explicar as razões, como, por exemplo, a de que “Na
América, a maior parte dos ricos começaram por ser pobres …”. E acrescenta: “Na
América cada qual encontra pois facilidades desconhecidas noutros lugares para
fazer fortuna ou a aumentar (…) e o espírito humano (…) não é movido senão à
busca da riqueza” (p. 429).
Mas os ricos, no
geral, representam uma pequena parte e o seu papel parece ser irrelevante, ao
contrário da Europa. Mesmo o Governo, parece estar em mãos de talentos
medíocres. E isto porque as elites preferem intervir noutras áreas da sociedade
(os negócios)[2]. Tocqueville di-lo com
clareza:” Os grandes talentos e as grandes paixões afastam-se em geral do
poder, a fim de perseguirem a riqueza …” (p.191). Por isso, acrescenta: “É a
estas causas tanto como às más escolhas da democracia que deve atribuir-se o
grande número de homens vulgares que ocupam as funções públicas” (p. 192).
O individualismo
é predominante (Tomo II, Cp. II, III, IV). E ao contrário da sociedade europeia
(do século XIX, diga-se), onde a origem social determina a vida das pessoas, na
sociedade americana o particular vive com independência e apenas está obrigado a
si próprio nas decisões que toma.
Tocqueville
fascinou-se com esta sociedade, ao verificar que, de facto, ali a igualdade
existia. O cidadão mais humilde pode apertar a mão ao mais poderoso. Alexis
observa que as diferenças sociais são irrelevantes, pois nem o próprio dinheiro
distancia as pessoas, na medida em que todos os americanos acreditam no êxito.
O que hoje é pobre, amanhã pode ser rico. E o contrário também. Di-lo com muita
franqueza: “… é raro vermos duas gerações recolherem os seus favores”[3] (p.68).
Consegue depois
demonstrar que uma democracia igualitária pode funcionar, tendo o cuidado,
contudo, de prevenir que para o êxito completo são necessárias certas condições
– um nível educacional semelhante em todas as camadas sociais, liberdade de opinião,
protecção da propriedade privada e
igualdade de oportunidades. Esta seria para Alexis a de maior importância.
Logo no primeiro parágrafo do seu primeiro volume diz que o que mais o
impressionou foi a “igualdade das condições” (p. 31).
Nesta sociedade,
ao contrário da sua pátria em que a reivindicação de igualdade e liberdade
descambou na tirania e no despotismo, não existe exclusão mútua da liberdade e
igualdade.
Aqui, os
direitos são respeitados porque “O governo da democracia faz com que a ideia dos
direitos políticos desça ao menor de entre os cidadãos …” (p.219). E até os
pobres podem votar. A soberania está nas mãos do povo (p. 163), pois cada um é
dono de si próprio. Logo a começar o capítulo IV inicia: “Quando queremos falar
das leis politicas dos Estados Unidos, é sempre pelo dogma da soberania do povo
que devemos começar” (p.71). Mas reconhece certas excepções: “… os escravos, os
criados e os indígenas alimentados pelas comunas …” (p.220). E argumenta que
“Quando deixa de haver riquezas hereditárias … torna-se visível que o que faz a
principal diferença entre a fortuna dos homens é a inteligência” (p. 432).
Porém, não
deixou de apontar os pontos fracos da democracia de massas. Ao nivelar as
diferenças, pode contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade apolítica,
porque, na medida em que todos são iguais, e se o dinheiro passa a ser o único
ponto de diferenciação, é pois lógico que o cidadão assegure a sua posição
social através da propriedade. Confiam a politica aos líderes e retiram-se dela.
E esta retirada do cidadão é perigosa porque gera um despotismo democrático,
onde o Governo tutela o povo.
E ao contrário
dos seus contemporâneos, Alexis não teme que os cidadãos de uma democracia se
convertam numa turba revolucionária, violenta, ao pretenderem melhorar a
sociedade. O grande perigo para Tocqueville é que o afastamento do cidadão da
política se concretize na apatia politica generalizada.
Argumenta que a
maior ameaça para a democracia é que a igualdade arruíne a liberdade[4]. Ou
seja, que a opinião dos que pensam de forma diferente seja vitima da pressão da
conformidade, estabelecendo-se o que ele designava por “tirania da maioria”,
pois ameaçava um dos seus pressupostos políticos essenciais: a consciência da
liberdade individual (pp. 228-230). O que deixava certos cidadãos à margem da
sociedade por se não enquadrarem dentro das margens permitidas pela opinião
maioritária. Questiona-se então sobre o papel real dos cidadãos numa
democracia, sobre o grau de liberdade que é concedido pela opinião da maioria
ao individuo numa sociedade de massas, sobre os desvios aceitáveis numa
sociedade em que as diferenças são niveladas. Mas também alerta para os
problemas que a liberdade encerra (p. 480).
Alertava para o
especial perigo da maioria quando conjugado com a mediocridade, pois a
democracia abria a porta aos talentos mais vulgares, dando azo a que gente
ambiciosa[5] possa
apelar às massa com slogans simples, usando a demagogia, alcançando o poder
através de meras promessas. Contrariamente, pessoas extraordinárias,
especialmente dotadas, em geral não eram eleitas porque a grande maioria não as
entendia.
Muitos futuros ditadores como Hitler, acabaram por lhe dar razão
Mas Alexis de
Tocqueville é muito mais do que isto, cada capítulo seu daria um pequeno
ensaio.
Alexis Tocqueville recorda-nos
uma pequena história que fomos buscar a Bill Bryson. Diz-nos Bill: “Se
precisássemos de dar um exemplo típico da América do século XIX como terra da oportunidade, seria difícil
encontrar melhor do que a vida de Albert Michelson” (p. 185).
Nasceu em 1852, numa família de
comerciantes judeus pobres, na fronteira polaco-alemã. Foi para a América ainda
bebé de colo. Como eram pobres demais para poderem pagar a universidade, um dia
pôs-se a andar de um lado para o outro em frente dos portões da Casa Branca em Washington D.C. a
fim de provocar um encontro com o presidente Ulysses S. Grant. Consegui-o,
caindo nas graças do presidente que lhe garantiu um lugar na Academia Naval. E
foi aí que Michelson aprendeu a sua física. Dez anos depois, era já professor
na Case School, em Cleveland e chegou, com o seu trabalho relacionado com a
velocidade da luz, a ganhar o Prémio Nobel da Física. Foi o primeiro americano
a quem foi atribuído.
Armando Palavras
[1] Presume
que isso se deve a não existir na sociedade americana tradição. Histórica e
aristocrática.
[2]
Sempre que algum americano se lhe dirige é nestes termos: how is business?, que literalmente quer dizer “como vai o
negócio?”, mas que na verdade é um cumprimento muito parecido ao nosso “como
vai isso?”, ou “como vão as coisas?”.
[3] Referindo-se ao dinheiro.
[4] Este tema foi mais tarde
tratado por John Stuart Mill em
Da Liberdade
(1859).
[5] Não sendo particularmente
inteligente.
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