terça-feira, 3 de abril de 2012

Jorge Tuela - Adeus, Terra, adeus, Pátria ...

Depois da tropa, feita lá para as bandas de Lisboa, Victor resolveu montar um negócio. Tinha nascido numa aldeia transmontana, onde a infância decorrera feliz e despreocupada, brincando com os colegas, indo aos ninhos, campos fora, tomando banhos saborosos nas águas cantantes do tio, correndo as ruas da povoação, pelo carnaval, a deitar farinha às raparigas…
Na adolescência já o trabalho o ia mordendo, mas, mesmo assim, gostava daquela vida um tanto livre e descontraída. Ia encontrar-se com as raparigas à fonte, namoriscar com um ou outra, dar-lhe por vezes uns apertões atrevidos…Em casa, não havia fome. Comia-se o que a terra dava: pão, batatas, mas também hortaliça, legumes, grão de bico e feijão. Os pais matavam dois ou três porcos: não faltava carne e fumeiro para todo o ano. De vez em quando ia-se à coelheira, buscar um ou outro coelho. E o bando das galinhas dava muitos ovos e frangos saborosos. Faltava, porém, dinheiro nos bolsos e sem o canta – João não podia haver extravagâncias nem luxos…
Foi, por estas e por outras, que Victor, ao acabar a tropa, tinha resolvido montar um café. Havia encontrado uma boa oportunidade lá para os lados de Odivelas. As coisas iam correndo bastante bem, não fosse o trabalho e a prisão que essa vida representava. Depois que abrira o estabelecimento nunca mais pôde tirar uns dias para ir à terra matar
saudades. O diabo do negócio absorvia-lhe os dias todos… Verdade que ia ganhando umas boas coroas, mas quase nem havia tempo de gastá-las à vontade. Aquela vida era uma autêntica escravatura. Não tinha um dia de folga, sequer. E mal podia saborear a seu gosto um simples jogo de bola: estavam quase sempre os fregueses a pedir imperiais, cafés, sandes, isto e aquilo. Raios…
Na terra, antes da tropa, também tinha trabalhos. Era, porém, muito diferente: Domingos e dias santos mais livres e descontraídos e serões quase sempre disponíveis para ir até aos cafés da aldeia, a um ou outro bailarico ou simplesmente frequentar a casa duma ou outra moçoila…
Um dia de Inverno, porém, desabou uma tempestade de agia pela sua zona. O ribeiro que lhe passava perto do café, cresceu, transbordou e inundou as margens numa extensão de mais de meia centena de metros. As águas entraram-lhe em turbilhão portas adentro, atingindo alturas descomunais: inutilizaram-lhe máquinas e electrodomésticos,
ensoparam-lhe produtos, levaram muita coisa na enxurrada, deixando, por sua vez, no chão, carradas de luxo e de lama. Só visto!....
O nosso homem desanimou de todo… Sabendo, contudo, que estas coisas eram frequentes por aqueles sítios, tinha-se munido com um seguro contra tais calamidades. Entregou, por isso, o caso a um bom advogado e resolveu tirar uns dias de descanso, na sua terra. A ida à aldeia não era de todo inocente:
Victor pouco passava dos quarenta e ainda tinha lá uns campitos jeitosos. No fundo de si mesmo, estavaa pensar comprar um tractorzito destes mais pequenos e dedicar os anos que lhes restassem a tratar das courelas que herdara. Sempre seria uma vida mais livre, mais calma e saudável…
Os proventos não seraim assim tantos, como os que auferia no negócio, bem entendido, mas, com algum que já tinha amealhado, devia chegar…
Deu uma volta pela aldeia…Reparou em várias casas reconstruídas.
- Por aqui, não se vive mal, não! – comentou.
- Estás enganado! – disseram-lhe. – São tudo casas de férias. Gente que vive fora: em Lisboa e Porto, mesmo em Madrid ou Paris.
- Casas novas para gente que aqui viva – acrescentou outro – só conheço uma: o Lar da 3ª idade!
- De resto, na povoação, pouca gente valia se encontrava. Meia dúzia de homens de meia idade, com umas quantas vacas leiteiras, algum rebanho ou mesmo pequenos projectos agrícolas. A maior parte da população era constituída por pessoas de avançada idade que já não podia trabalhar. Victor resolveu dar umas voltas pelos campos e fi cou estarrecido. Estava quase tudo coberto de giestas e silvas. Mal se encontrava um palmo de terra cultivado.
- Valha-nos Deus! – exclamou o recém-chegado. – Como deixaram pôr este país!
Foi ao supermercado da Vila: batatas da França, cebolas da Alemanha, fruta da Espanha.
- Eu pensava que era só nos grandes centros! – desabafou o nosso homem – Este país não produz mesmo nada!
Entretanto, Victor tinha recebido notícias do seu advogado. O Seguro ia pagar-lhe os prejuízos. Devia receber um bom pecúlio. Por outro lado, fora sabendo que Angola estava em alta, atraindo muitos portugueses. Podia ser uma boa oportunidade também para ele! Pensou, matutou no caso. Em boa verdade, ainda não se sentia com idade para encartar os sonos. E se ele fosse também para lá? Com esta ideia a matutar-lhe no toutiço regressou a Lisboa. Dali a uns tempos resolveu-se mesmo. E foi.
- Adeus, terra, adeus, Pátria!
Jorge Tuela
in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)
 O autor
Jorge Tuela, é pseudónimo de Isaque de Jesus Neves Barreira. Nasceu em Moimenta (Vinhais) e actualmente reside em Vila Nova de Gaia. Licenciou-se em Filosofia e é Mestre em Filosofia da Educação. Leccionou nos ensinos Secundário, Magistério Primário e Superior Politécnico. Cultivou actividade de jornalismo tanto em Portugal como em Angola, onde viveu dez anos. Tem vasta obra literária publicada. Com nome próprio publicou obras cientificas como Ramalho e a Educação (1995), com o pseudónimo Jorge Tuela publicou, entre outros, Contos do Nordeste (1966), que já conta com três edições.

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