quarta-feira, 7 de março de 2012

Freixo de Espada à Cinta - REQUIEM PELO PADRE JÚLIO MASSA


Jorge Lage
Foi no dia 09 deste mês que o Padre Júlio Massa se despediu dos vivos e, no dia seguinte, o seu corpo fez a viagem de Lisboa até Freixo de Espada-à-Cinta, sua terra natal, que se abriu para o receber para sempre.

A notícia foi-nos dada, dia 10, por uma amiga comum, do Ministério da Educação, com quem mantivemos uma curta conversa sobre este momento de pesar. Com a voz comovida disse-nos: vai a caminho do Freixo!
Também nós o acompanhamos e nos despedimos dele, em pensamento. Quando tivermos a felicidade de conhecer o Freixo, conversaremos com o Padre Massa já na campa rasa.
Visitamo-lo um dia, em Lisboa, e ao despedirmo-nos foi como se nos conhecêssemos há longa data, tendo a conversa durado até entrarmos no elevador. Sentimos que foi um privilégio falarmos com alma tão nobre, generosa e comunicativa, graças à intercessão de dois amigos comuns, o Coronel Jorge Parracho e a Dª Fernanda, ambos do Ministério da Educação. Estes eram visita frequente, com quem almoçava com frequência, levando eles a refeição para a residência dele. Ainda falámos, algumas escassas vezes, com o Padre Massa, ao telefone, mas sentíamo-lo uma pessoa vencida pela doença, com a noção exacta da sua situação.
Já tínhamos falado sobre este ilustre Transmontano no Mensageiro de Bragança, em 20/08/99 e em 03/11/00, aquando da publicação dos livros, pelas Irmãs Paulistas: “Pensa e Ri” e ao “Entardecer”.
Padre Júlio Augusto Massa
O primeiro livro era de anedotas entremeadas de pensamentos humanistas e o segundo um conjunto de poemas, tendo escrito mais de 600 sonetos. Publicou ainda: “Viajar no Tempo” (1995), “Sonho e Realidade” (1996), “Para além do temor”, “Para uma Sociedade mais igualitária”, “Trabalho e bem estar” e “Esperança entre Sombras”.
Era um sacerdote muito devoto do Espírito Santo e quando estava, pela doença impiedosa, confinado ao espaço de um andar, notou que entre a cozinha e a sala de estar estava o piso molhado. Ao sair da cozinha teve um rebate de consciência e pensa que seria melhor dar a volta pela sala. Mas a distância cozinha/sala de estar era mais curta e decidiu arriscar. Estatelou-se no chão não conseguindo levantar-se, onde permaneceu várias horas, até que se arrastou, com a metade do corpo que não estava paralisada e, com a ajuda da bengala, conseguiu deitar o telefone abaixo da mesa, para conseguir pedir ajuda à porteira do prédio, para se levantar. Depois de erguido, avaliou a situação e perguntou ao Espírito Santo: Porque não me ajudaste a evitar esta queda? A sua consciência teve a resposta: Eu ajudar, ajudei-te, mas tu teimaste e seguiste o caminho mais curto e... Perante nós assumiu que a culpa foi dele próprio, porque não ouviu a voz interior e da sua consciência.
O Padre Júlio Augusto Massa nasceu no Freixo em 1922, aos 13 anos partiu para Macau e em 1946 foi ordenado sacerdote. Era licenciado em Filosofia e pós-graduou-se em Ciências Sociais no Instituto Leão XIII e doutorou-se em Salamanca. Em 1948 é um dos fundadores do semanário missionário “O Clarim”, onde durante 40 anos escreveu com o pseudónimo A. Tormes. Foi Professor do Seminério Maior de Macau e no Liceu Nacional Infante D. Henrique. Dedicou-se à Assistência Social na diocese macaense e ali dirigiu o Boletim Eclesiástico diocesano. Entre 1960 e 1963 foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau.
Mas importa referir que o Padre Júlio Massa, esteve 13 anos prisioneiro, devido a um acidente vascular cerebral, no Lar de S. José, em Lisboa, para os padres da Diocese de Macau, a que pertencia. Esse imenso sofrimento aceitou-o de forma resignada e louvando a Deus. Aliás foi durante este tempo que o seu talento se revelou, para a poesia, em especial para o soneto. Preparava mais um livro que não chegou a publicar...
Torre Heptagonal
Segundo informações da Dª Fernanda, soube quando ia morrer, porque, dia 8 de Setembro, quando a porteira do prédio lhe disse, que ia chamar um médico, ele dissuadiu-a: Não chames ninguém! Eu ontem falei com Deus. Hoje é o meu último dia. Como nos confidenciou a nossa amiga, “tinha 81 anos, mas estava lúcido”, mas muito dependente, confinado à cadeira de rodas, recebendo a visita dum sobrinho, destes dois nossos amigos e de uma médica. Mesmo a sua irmã, que procurou visitá-lo nos últimos dias, recebeu a resposta negativa: diz-lhe que não estou em condições de receber ninguém. Nos últimos tempos que antecederam a partida final, “começou a desinteressar-se até pelo futebol, que acompanhava na televisão”.
A Igreja de Freixo, a Autarquia e a Diocese de Bragança e Miranda preparam-se com solenidade para receber mais um seu ilustre e santo filho, Missionários no Oriente. O Padre Massa levou longe a Fé, a Portagalidade e o Transmontanismo.
Com a coragem que encarou sempre a vida, recebeu também a morte, com uma serenidade santa, bem estampada no rosto do seu cadáver, porque sabia, como referiu em “Ao Entardecer”, “todos temos de parar, uns mais cedo, outros mais tarde”.
Atém sempre, bom Padre Júlio Massa!

Jorge Lage

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