Jorge Lage |
Foi no dia 09
deste mês que o Padre Júlio Massa se despediu dos vivos e, no dia seguinte, o
seu corpo fez a viagem de Lisboa até Freixo de Espada-à-Cinta, sua terra natal,
que se abriu para o receber para sempre.
A notícia
foi-nos dada, dia 10, por uma amiga comum, do Ministério da Educação, com quem
mantivemos uma curta conversa sobre este momento de pesar. Com a voz comovida
disse-nos: vai a caminho do Freixo!
Também nós o
acompanhamos e nos despedimos dele, em pensamento. Quando tivermos a felicidade
de conhecer o Freixo, conversaremos com o Padre Massa já na campa rasa.
Visitamo-lo um
dia, em Lisboa, e ao despedirmo-nos foi como se nos conhecêssemos há longa
data, tendo a conversa durado até entrarmos no elevador. Sentimos que foi um
privilégio falarmos com alma tão nobre, generosa e comunicativa, graças à
intercessão de dois amigos comuns, o Coronel Jorge Parracho e a Dª Fernanda,
ambos do Ministério da Educação. Estes eram visita frequente, com quem almoçava
com frequência, levando eles a refeição para a residência dele. Ainda falámos,
algumas escassas vezes, com o Padre Massa, ao telefone, mas sentíamo-lo uma
pessoa vencida pela doença, com a noção exacta da sua situação.
Já tínhamos
falado sobre este ilustre Transmontano no Mensageiro de Bragança, em 20/08/99 e
em 03/11/00, aquando da publicação dos livros, pelas Irmãs Paulistas: “Pensa e
Ri” e ao “Entardecer”.
Padre Júlio Augusto Massa |
O primeiro livro
era de anedotas entremeadas de pensamentos humanistas e o segundo um conjunto
de poemas, tendo escrito mais de 600 sonetos. Publicou ainda: “Viajar no Tempo”
(1995), “Sonho e Realidade” (1996), “Para além do temor”, “Para uma Sociedade
mais igualitária”, “Trabalho e bem estar” e “Esperança entre Sombras”.
Era um sacerdote
muito devoto do Espírito Santo e quando estava, pela doença impiedosa,
confinado ao espaço de um andar, notou que entre a cozinha e a sala de estar
estava o piso molhado. Ao sair da cozinha teve um rebate de consciência e pensa
que seria melhor dar a volta pela sala. Mas a distância cozinha/sala de estar
era mais curta e decidiu arriscar. Estatelou-se no chão não conseguindo
levantar-se, onde permaneceu várias horas, até que se arrastou, com a metade do
corpo que não estava paralisada e, com a ajuda da bengala, conseguiu deitar o
telefone abaixo da mesa, para conseguir pedir ajuda à porteira do prédio, para
se levantar. Depois de erguido, avaliou a situação e perguntou ao Espírito
Santo: Porque não me ajudaste a evitar esta queda? A sua consciência teve a
resposta: Eu ajudar, ajudei-te, mas tu teimaste e seguiste o caminho mais curto
e... Perante nós assumiu que a culpa foi dele próprio, porque não ouviu a voz
interior e da sua consciência.
O Padre Júlio
Augusto Massa nasceu no Freixo em 1922, aos 13 anos partiu para Macau e em 1946
foi ordenado sacerdote. Era licenciado em Filosofia e pós-graduou-se em
Ciências Sociais no Instituto Leão XIII e doutorou-se em Salamanca. Em 1948 é
um dos fundadores do semanário missionário “O Clarim”, onde durante 40 anos
escreveu com o pseudónimo A. Tormes. Foi Professor do Seminério Maior de Macau
e no Liceu Nacional Infante D. Henrique. Dedicou-se à Assistência Social na
diocese macaense e ali dirigiu o Boletim Eclesiástico diocesano. Entre 1960 e
1963 foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau.
Mas importa
referir que o Padre Júlio Massa, esteve 13 anos prisioneiro, devido a um
acidente vascular cerebral, no Lar de S. José, em Lisboa, para os padres da
Diocese de Macau, a que pertencia. Esse imenso sofrimento aceitou-o de forma
resignada e louvando a Deus. Aliás foi durante este tempo que o seu talento se
revelou, para a poesia, em especial para o soneto. Preparava mais um livro que
não chegou a publicar...
Torre Heptagonal |
Segundo
informações da Dª Fernanda, soube quando ia morrer, porque, dia 8 de Setembro,
quando a porteira do prédio lhe disse, que ia chamar um médico, ele
dissuadiu-a: Não chames ninguém! Eu ontem falei com Deus. Hoje é o meu último
dia. Como nos confidenciou a nossa amiga, “tinha 81 anos, mas estava lúcido”,
mas muito dependente, confinado à cadeira de rodas, recebendo a visita dum
sobrinho, destes dois nossos amigos e de uma médica. Mesmo a sua irmã, que
procurou visitá-lo nos últimos dias, recebeu a resposta negativa: diz-lhe que
não estou em condições de receber ninguém. Nos últimos tempos que antecederam a
partida final, “começou a desinteressar-se até pelo futebol, que acompanhava na
televisão”.
A Igreja de
Freixo, a Autarquia e a Diocese de Bragança e Miranda preparam-se com
solenidade para receber mais um seu ilustre e santo filho, Missionários no
Oriente. O Padre Massa levou longe a Fé, a Portagalidade e o Transmontanismo.
Com a coragem
que encarou sempre a vida, recebeu também a morte, com uma serenidade santa,
bem estampada no rosto do seu cadáver, porque sabia, como referiu em “Ao
Entardecer”, “todos temos de parar, uns mais cedo, outros mais tarde”.
Atém sempre, bom
Padre Júlio Massa!
Jorge Lage
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