Mia Couto |
Há meses que alguns amigos nos mandam um texto cuja
autoria vem sempre atribuída a Mia Couto, intitulado
Um Dia Isto Tinha Que Acontecer, mas sem nunca indicarem a fonte. Ou
seja, o periódico, revista ou livro onde o autor luso terá “esgalhado” essas
reflexões!
Fizemos uma busca e … nada. Porém, encontra-se
disseminado pela internet. Uma enormidade de blogues e sites o publicaram, sem, contudo, referirem a fonte. Por essa razão
e por suspeitarmos (até prova em contrário) que se trata de um texto apócrifo,
o não publicamos neste espaço. Mas não deixamos de lhe proporcionar um
comentário.
Se concordamos com algumas reflexões do escrito, com
outras discordamos inteiramente.
Não vemos que venha mal nenhum ao mundo os pais
quererem “dar aos seus filhos o melhor”, “proporcionarem-lhes os estudos que
fazem deles a geração mais qualificada de sempre”. Da mesma forma, é óbvio que
procurem dar-lhes “uma vida desafogada”, patrocinando-lhes a carta de condução
e o primeiro automóvel. E não vem mal nenhum ao mundo se, goradas as
perspectivas do primeiro emprego, a família continue “presente, a garantir aos
filhos cama, mesa e roupa lavada”. Acharíamos estranho se fizessem o contrário,
abandonando-os. Nem os animais o fazem. Bem pelo contrário. São vários os
exemplos que se podem observar em programas como a National Geografihc, ou do mesmo género. Neste aspecto, Bertrand
Russell há-de ser sempre actual.
Já estamos com o texto quando aborda a questão dos
princípios, da educação, ou a do trabalho.
Em relação ao trabalho, julgamos que o Homem não pode
viver para o trabalho, mas sim do trabalho. É próprio da condição humana. O
Homem precisa de trabalhar, mas também precisa de descanso. Se trabalhar mais
do que descansa, vai parar ao manicómio. Se descansar mais do que trabalha,
também. Mas neste caso com menos probabilidades. É, pois, no equilíbrio que
está o busílis da questão. Poderíamos citar dezenas de livros da especialidade
para o confirmar. Mas basta a experiência de cada um. Ainda há bem pouco tempo, um banqueiro português a administrar, em Londres, um dos maiores bancos do mundo, teve de meter baixa, por trabalho excessivo.
Contudo, o cerne do texto centra-se na busca dos
responsáveis acerca dos princípios e da educação.
Ao contrário da reflexão produzida, a culpa não deve,
nem pode ser centrada na sociedade. E se for, é irreflectido afirmar que “a
culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar e educar, nem fazer melhor,
mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos”. Não é de todos, não
senhor. Ainda aceitamos que seja de alguns, mas de todos é que não é. Quantas
vezes, aqueles inconformados com o sistema ouviam: “É que és burro, não remes
contra a maré”. Será que estes “burros” têm culpa? Não! Estes continuaram a
insistir nos princípios, na educação que lhes advinha do berço. E os outros, se
alguma culpa tiveram, foi porque não conseguiam, ou não podiam “remar contra a
maré”. Assim sendo, tenham paciência, mas a culpa não é de todos.
A grande culpa desta crise deve centrar-se no sistema
político, porque os cidadãos regem-se pelo sistema legislativo “fabricado” pela
classe politica nos parlamentos. Os próprios magistrados a ele pedem meças.
O
que acontece é que quando as “leis” são más a sociedade entra em decadência. Assim
no-lo diz Edmund Burke por outras palavras: “As más leis são a pior espécie de
tirania”. Sobre ela, a Lei, adianta: “ A lei tem dois e apenas dois
fundamentos: a equidade e a utilidade”. Ora a experiência governativa (de quase
sete anos, levando o país ao limiar da bancarrota), que antecedeu a actual,
espelhou em muito aquilo que se pode denominar de má governação, precisamente
por pôr em prática o que Burke nos diz das “más leis” (mudando regras “a meio
do jogo”, prejudicando investimentos cujo retorno impensável, causou perdas e
mazelas irreparáveis - legislando favorecendo alguns e prejudicando outros). Chega como exemplo!
E
os bons, na sua maioria, calaram-se, ajoelhando-se perante “as más leis”,
hipotecando alguma da sua dignidade. Pois, retomando Burke, “para o triunfo do
mal só é preciso que os bons homens não façam nada”. Não fazendo nada, as “más
leis” originam a corrupção, e, como nos diz Burke, “no meio de um povo
geralmente corrupto a liberdade não pode durar muito” porque mesmo com leis
boas, tendo em conta a equidade e a utilidade, Sólon, o antigo legislador
grego, não deixa de ter alguma razão: “Leis são como teias de aranha: boas para
capturar mosquitos, mas insectos maiores rompem a sua trama e escapam”.
Que
culpa têm os cidadãos disto? Incluindo aqueles que não têm voz, como os dois milhões que vivem no limiar da pobreza?
Na
Alemanha, o presidente Wulff, depois de anunciada uma investigação a alegações
de corrupção, demitiu-se no passado dia 24 de Fevereiro; na Islândia, a
primeira coisa que fizeram foi prender os bandidos.
Armando Palavras
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