Guias da Natureza, Borboletas - Plátano Editora, 1997 |
As borboletas
possuem muitas vezes colorações vistosas, formando desenhos intricados de rara
beleza, o que as torna muito conhecidas e admiradas. Estes seres vivos
constituem um importante grupo de insectos pertencentes à ordem dos
lepidópteros, termo que significa literalmente “asas (pteros) com escamas
(lepido)”. É uma ordem muito extensa, constituída por numerosas famílias a que
pertencem mais de 165 000 espécies. As asas e o corpo apresentam-se revestidos
por escamas, que vulgarmente também cobrem as patas. São estas escamas que,
possuindo muitas vezes cores vistosas, podem formar nas asas, os desenhos que
tornam as borboletas tão atractivas visualmente. O corpo da borboleta é muito
leve, as asas são em geral largas e podem medir desde poucos milímetros a mais
de 20 centímetros .
Durante a fase de desenvolvimento estes insectos, designados holometabólicos,
sofrem metamorfoses completas ou complexas, com quatro fases bem distintas:
ovo, larva ou lagarta, pupa ou crisálida para finalmente emergir o adulto. Ao
longo da sua vida os lepidópteros alimentam-se de formas diferentes, sendo
normalmente fitófagos no estado larvar e libadores no estado adulto. Assim
sendo e como a natureza não deixa nada ao acaso, também o seu órgão bucal
difere com a fase de desenvolvimento, estando preparado para diferentes tipos
de alimentação. Enquanto lagartas, estes insectos possuem armadura bucal
trituradora. Já no estado adulto a armadura bucal é libadora e preparada para
sugar o néctar adocicado das flores. Neste estado podem, por isso, ser
polinizadores. Depois destas considerações sobre as características gerais dos
lepidópteros vão desvendar-se alguns dos mistérios da borboleta azul.
A borboleta
azul, de nome científico Maculinea alcon (Den. & Schiff.) é uma das
30 espécies de lepidópteros da família Lycaenidae que ocorre em Portugal. Trata-se
de um grupo das espécies raras e ameaçadas em muitos países europeus, estando
incluída no Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas (IUCN-The World Conservation
Union). Foi classificada desde 1983 como “vulnerável” e desde 1994 é
considerada como em “perigo de extinção”. Apesar da sua vasta distribuição
geográfica, desde a Europa Central e Meridional (norte do Mediterrâneo) até à
Ásia Central, as suas populações dispersas encontram-se em declínio muito
acentuado em determinadas áreas. Em Portugal a sua distribuição está confinada
ao Norte do País, com maior ocorrência no Parque Natural do Alvão.
A borboleta
azul tem uma envergadura de 34
a 38 mm
e apresenta dimorfismo sexual, i.e. diferenciação morfológica entre sexos.
Assim, machos e fêmeas possuem uma coloração pardacenta na região inferior do
corpo e das asas, mas a região superior é de coloração mais azul nos machos do
que nas fêmeas. Esta espécie habita os lameiros e turfeiras com matos
higrófilos de tojo (Ulex sp.) e urze-peluda (Erica tetralix),
regularmente pastoreados. Nestes locais forma pequenas colónias isoladas, dado
que os adultos, por viverem apenas alguns dias, raramente se deslocam para
outros terrenos.
Parque Natural do Alvão - habitat da borboleta azul |
Tal como
acontece com outras espécies de licaenídeos, também esta borboleta possui um
ciclo de vida curioso e algo invulgar, sendo mirmecófaga, durante parte do seu
desenvolvimento i.e. depende de formigas do género Myrmica para sobreviver.
Assim, o início do ciclo biológico de M. alcon ocorre em Julho e Agosto,
com o voo e consequente acasalamento das borboletas. Após o acasalamento, as
fêmeas dirigem-se para as cápsulas florais de uma planta específica, a genciana
(Genciana pneumonanthe L.) e aí colocam os ovos. Cada fêmea põe, em
média, 60 ovos em grupos de 3 a 4 em cada planta. O desenvolvimento embrionário
ocorre durante aproximadamente três semanas, período após o qual, se dá a eclosão
das pequenas lagartas que começam
imediatamente a alimentar-se. Nesta fase, as lagartas são
fitófagas e alimentam-se dos tecidos vegetais que constituem o ovário das
flores de genciana, onde se alojam até atingirem o terceiro estado de
desenvolvimento larvar. E é a partir daqui que mudam o seu comportamento e se
tornam mirmecófagas. Como? Quando atingem a fase final do terceiro estado de
desenvolvimento larvar, abrem um orifício de saída na zona do cálice da flor e
deixam-se cair no solo, onde esperam, até serem adoptadas por formigas do
género Myrmica. É importante que sejam encontradas o mais rápido
possível depois de saírem da planta, uma vez que, com o passar do tempo,
diminuem as hipóteses de serem adoptadas e levadas para o formigueiro. Neste
processo intervêm um mecanismo engenhoso de sedução química, que passa pela
produção de uma secreção doce por parte das lagartas, semelhante às das larvas
das formigas, induzindo estas a levarem-nas para o seu formigueiro julgando
tratar-se de larvas perdidas. Nos formigueiros, onde passam cerca de onze meses
até completarem o desenvolvimento larvar e puparem, as lagartas são tratadas e
acarinhadas como larvas de formigas, em troca das substâncias doces que
produzem. As lagartas crescem muito durante esse tempo, atingindo cerca de 12 mm de comprimento e
pesando até 100 mg. No inicio do Verão terminam o seu desenvolvimento larvar e
transformam-se em pupa ainda dentro do formigueiro. O adulto surge cerca de um
mês depois. Nesta fase perde as capacidades de “camuflagem” e tem de abandonar
rapidamente o formigueiro para impedir que as formigas o matem, deixando assim
o formigueiro ainda antes de expandir as asas.
Mistério
desvendado! E eis que se inicia um novo ciclo, com o voo de centenas de
borboletas azuis sob o céu limpo de Julho e Agosto, na paisagem deslumbrante do
planalto de Lamas de Olo, junto aos vales por onde corre o pequeno Rio Olo, que
sussurrando tranquilamente, atravessa a Serra do Alvão.
A
distribuição geográfica dos lepidópteros foi e é condicionada por barreiras
geográficas como oceanos, desertos, glaciares ou montanhas, pela distribuição
das plantas hospedeiras habituais, pelas possibilidades de voo e ainda pela sua
tolerância aos factores físicos do ambiente, como os climáticos e os
ecológicos. No caso da borboleta azul, são as condicionantes do seu habitat,
nomeadamente a existência obrigatória do duo planta/formiga, que fazem com que
esta espécie seja tão importante e curiosa. É importante não esquecer que a
borboleta azul começa a ser hoje olhada como um bioindicador da qualidade das
turfeiras e consequentemente como uma espécie a preservar…
in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)
Paula Maria Seixas de Oliveira Arnaldo, nasceu a 20 de Maio de 1965. Casada, com três filhos. Licenciada em Engenharia Agrícola , Mestre em Engenharia de Produção Florestal e Doutora em Ciências Florestais. Lecciona várias cadeiras na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro., onde também orienta Pós-graduações e Mestrados. Desempenha várias funções como as de Vice-directora e Vice-coordenadora. Geriu o Fundo de Maneio atribuído ao Departamento de Produção de Plantas. É membro efectivo do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas; foi membro efectivo do Centro de Investigação Centro de Estudos em Gestão de Ecossistemas. Participou em diversos Projectos de Investigação e tem vários trabalhos publicados em revistas científicas e outras. Participou em diversas reuniões científicas e Congressos, apresentando numerosas Comunicações. Participou em várias Actividades de Extensão e Apoio à Comunidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário