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Virgilio Gomes |
Encontrei
há uns anos, numa universidade de Roma, um texto extraordinário queassociava o
conceito de saudade da terra natal dos portugueses ao bacalhau. Li com
entusiasmo todo o texto e logo, naquele momento, refleti sobre as lembranças
alimentares que me fariam ter saudades da minha terra transmontana. O termo
saudade é tão difícil de definir que apenas os poetas são capazes de o fazer.
Não vou por isso entrar pelo caminho difícil de começar a definir saudade.
As
saudades, como emoções que são, relacionadas com a comida estão mais associadas
às pessoas com quem se partilhou a refeição, ou petisco, ou ao momento
especial, do que propriamente à comida. Claro que a iguaria estaria sempre
acima do que chamaríamos uma prestação correta. As refeições aconteciam em
ambiente convivial e quase tertuliano durante as quais o ritual, o respeito, e
a sequência verbal eram marcantes. E muitas vezes durante as refeições se
moldavam caminhos e se fazia aprendizado de vida. Qual é a emoção que a comida
pode provocar quando a recebemos à porta de casa, depois de uma encomenda
telefónica, e igual em qualquer parte do mundo?
A
mesa era local de educação, atualização de informações e de muita aprendizagem
até sobre o que comíamos. Mas a mesma comida provocava, naturalmente, efeitos
diferentes. Não esqueço os resmungos de meus irmãos quando eu chegava e pedia
um bacalhau guisado com batatas. E porque tinha eu saudades daquele prato? Esta
receita sabia-me a liberdade. Era o relembrar de infância das minhas férias
mais divertidas e diferentes passadas na aldeia de Montesinho. Onde tinha a
permissão de comer no campo com os segadores, recusando o possível bom bife de
casa, com aquela comida simples e noutro espaço. Ora foi esse espaço e essas
circunstâncias que me marcaram. Não foi, pois, o guisado mas o ambiente e as
pessoas com quem eu comia. Eu continuo a gostar muito de bacalhau! O mesmo
bacalhau que na pluma de José Lins do Rego parece entediar os trabalhadores da
fazenda Santarém onde “ninguém come – dizia uma -, é bacalhau no almoço e no
jantar.”
O exemplo de saudade relacionada com a comida
também se encontra em aventuras de crianças. Nenhumas “súplicas” tinham o sabor
das da dona Catarina dos Batoques. Porquê? Pelo passeio autorizado de ir a sua
casa comprá-las, em grupo com irmãos e primos. Mas aquelas “súplicas” marcaram
o gosto de tal forma que todas as outras são definidas em comparação com estas.
Mas quando, e porque sentimos saudades? Quando precisamos de um aconchego, de
mais conforto. E esse aconchego, com coisas que sabemos nos tranquilizam, sabe
melhor. Mas quando sentimos a saudade, e tentamos o aconchego com comida, não
chega comermos sós. E sem nos darmos conta disso, habituados que estávamos a
comer em partilha, quer dizer em ato convivial, se comemos sós, por muito
gostosa que esteja a iguaria, acabamos por sentir a falta de um carinho, de um
abraço. A comida apenas nos diminui o sofrimento, e a saudade mantém-se.
Fica-se com a saudade desconsolada.

Como costumo dizer frequentemente, tive a
sorte de ser educado na província. E educado com mitos e rituais alimentares.
De bons produtos e boas confeções. Com as couves a saberem a couves.
Recentemente o famoso autor americano Michael Pollan escreveu contra a
globalização alimentar baseada em produtos alimentares em vez de alimentos, e
cito: “Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”. E não tenho
vergonha de sentir saudades do que gosto de comer. Vou pouco a Trás-os-Montes
mas tenho a sorte de virem muitos transmontanices até mim.
©
Virgílio Nogueiro Gomes

Nem
de propósito. A foto que ilustra esta crónica de saudades, foi produzida num
jantar em Fortaleza, Brasil, durante o qual foi servido Bolo-Rei e o meu amigo
Jorge Chaskelman pediu para eu falar um pouco da tradição deste bolo. Lá veio a
conversa da perca de tradições, a saudade da “fava” e do “brinde”. Pois o
Bolo-Rei que nos foi servido trazia “fava” e “brinde” que saiu a mim. Parecia
de propósito. Desembrulhada foi identificada como a Pomba do Espírito Santo que
rapidamente se transformou na Pomba da Paz!
Actualizado
em Quarta, 21 Dezembro 2011 02:29
Copyright © 2008 Virgílio Nogueiro Gomes -
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e manutenção: Jorge Borges
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