terça-feira, 27 de dezembro de 2011

'O Pai do Trabalho' e o primeiro-ministro

Este artigo foi escrito em 2 de Novembro, no Diário de Noticias, pelo escritor transmontano Modesto Navarro. Só agora se publica, porque só agora perfazem seis meses da tomada de posse do actual Governo. O tempo mínimo do benefício da dúvida que se deve dar a um Governo recentemente empossado, como dizia Francisco Sá Carneiro. Contudo, convém lembrar que Sá Carneiro se referia a governos que tomassem posse em condições normais. E temos de reconhecer que este tomou posse com o País na Bancarrota. Com a agravante de estar a governar com as leis que aqui nos trouxeram. Porque uma Lei não pode ser mudada de um dia para o outro.
O texto que se segue aborda questões sociais actuais que afligem qualquer cidadão português. Para além de fazer referência a um conto admirável do Dr. António Passos Coelho, que estimamos e admiramos e foi publicado em primeira mão, em colectânea que tivemos a honra de coordenar.
Armando Palavras





Modesto Navarro
O convidado  - Jornal Diário de Noticias - 02 Novembro 2011
   
'O Pai do Trabalho' e o primeiro-ministro
O Dr. António Passos Coelho escreveu um conto, exactamente com o título O Pai do Trabalho, que foi publicado num livro recente, Trás-os-Montes e Alto Douro - Mosaico de Ciência e Cultura.
Médico em Vila Real, consciente da realidade transmontana e nacional, terá deixado de ser entretanto (mal, muito mal...) o Dr. António Passos Coelho para ser "o pai do primeiro-ministro". Quando da última campanha eleitoral, foi questionado pelo filho sobre o que achava acerca da eventualidade de ele ganhar as eleições e vir a ser chefe do governo. Então, terá lucidamente dito, de imediato: "Estás lixado!"
Santas palavras. Mas vamos ao conto do médico e escritor António Passos Coelho. É uma historia naturalista, bem escrita e impressionante, sobre um homem a quem chamavam "O Pai do Trabalho" lá na aldeia, por não ter casa nem nada de seu e só querer ser útil aos outros. Ajudava os habitantes locais, nos campos, nas hortas, nas várias tarefas, sem pedir fosse o que fosse, a não ser algo que lhe quisessem dar. Não tinha família e por ali andava, empenhado em ser útil ao próximo com satisfação e generosidade.
Como dormia onde calhava, a certa altura o povo da aldeia, agradecido, resolveu fazer-lhe uma casa para ele se agasalhar e poder descansar. A junta de freguesia disponibilizou um terreno, o povo da aldeia organizou-se, contribuiu com dinheiro e materiais, trabalhou denodadamente e, no fim da construção, legalizou a casa na Conservatória do Registo Predial e na Fazenda, em nome de Francisco do Carmo, o verdadeiro nome do "Pai do Trabalho".
No ano seguinte, ele foi às sortes, na vila, e ficou livre da tropa. A junta militar não o apurou, talvez por ter julgado que, apesar de ser bem constituído, aquele mancebo sofreria de certa falha de entendimento. Uma semana depois, recebeu uma caderneta em casa, mas ele não sabia para que efeito era. Então, cinco anos decorridos, numa fase em que " O Pai do Trabalho" até saíra da aldeia, atrás de uns aldeagantes e saltimbancos que por ali passaram, talvez fascinado e para os ajudar nas vendas e espectáculos,"o regedor da freguesia pregou na tábua dos editais da porta da igreja um papel da Fazenda que dizia que uma casa sita no Monte dos Seixos, pertencente a Francisco do Carmo, ia ser posta à praça, em hasta pública, às tantas horas do dia tal, na repartição da Fazenda".
O povo viu que se tratava da falta de pagamento de cinco anos de taxa militar, em cada ano relaxada. "Que devia ele à Fazenda para lhe penhorarem a casa? Devia-lhe com licença um corno." Discutiram acaloradamente o assunto e alguém sugeriu um peditório, mas "não teve vencimento a filantrópica proposta, com a agravante de que seriam necessários mais peditórios anuais durante os trinta anos seguintes, por a taxa abranger trinta e seis anos".
Foi o fim do mundo na aldeia. O povo revoltou-se e, como "O Pai do Trabalho" andava desaparecido sabe-se lá para onde, sempre a ajudar os outros, não estiveram com meias medidas e pegaram fogo à casa, por não a quererem dar à Fazenda, ou seja, às Finanças governamentais. E a casa ardeu. "Só restaram os pardieiros negros da chama e do fumo... Até o diabo arreganhava os dentes de caçoada, nas profundezas do inferno, se o povo suou as estopinhas a construir uma casa para "O Pai do Trabalho" e os safardanas da Fazenda se abarbatavam com o valor da sua venda".
Quando regressou à aldeia, perante a casa ardida e a razão evidente do povo, "O Pai do Trabalho" disse que, no seu entendimento, "a Fazenda não devia obrigar a pagar quem não tinha dinheiro".
Recomenda-se a leitura deste conto sensato e realista a quem queira estar atento a tantos impostos, sacrifícios e roubos que têm vindo e continuam a vir, cada vez mais, para cima do povo deste país. Também o primeiro-ministro devia ler este conto escrito pelo seu pai, mas lá andará muito empenhado em cortar serviços fundamentais, subsídios de férias e de Natal, salários, reformas e o que resta da saúde, da educação e do apoio social, para além de querer extinguir freguesias e municípios nas aldeias, vilas e cidades, deixando-as ainda mais vazias e pobres do que já estão.
Sim, a desgraça irá longe, mas as pessoas estão revoltadas face a tantas mentiras das campanhas eleitorais e aos actos de pequenos e médios burgueses que, uma vez nos governos, servem apenas quem está lá em cima, a rir-se e a ganhar muito dinheiro com a brutalidade e a estupidez esperta de quem não vê a economia ardida nem o país a desaparecer.


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