Jorge Luis Borges |
O Aleph, aquele ponto no espaço de onde se vê todo o universo, como lembra Umberto Eco[1], é um conceito, segundo Jacques Bergier[2], que está vivo nas tradições mais antigas, assim como nas matemáticas mais modernas. Aleph é o nome da primeira letra do alfabeto da língua sagrada[3]. Na cabala designa o En-Sof, o sítio do conhecimento total, o ponto de onde o espírito distingue de um só golpe a totalidade dos fenómenos, das suas causas e dos seus sentidos. É o ponto para além do infinito. O Ómega do Padre Teilhard de Chardin e a finalidade da Grande Obra dos Alquimistas. Diz-nos a lenda, a tradição, que durante a manipulação alquímica, na qual o adepto oxida a superfície de um banho fundido em metais, que quando a película de óxido se quebra, aparece sobre um fundo opaco a imagem da nossa galáxia com os seus dois satélites, as nuvens de Magalhães. Se fosse verdade, tratar-se-ia do primeiro “instrumento transfinito”, diz-nos Bergier[4].
É deste Aleph que Jorge Luís Borges trata no seu escrito, assim intitulado. Mas onde foi ele buscar a ideia do Aleph, aquele ponto fatal de onde se vê o populoso mar, a madrugada e o crepúsculo, as multidões da América, uma teia de aranha argêntea no centro de uma pirâmide, um labirinto despedaçado que era Londres, um pátio interior da Rua Soler com os mesmos azulejos de há trinta anos vistos no vestíbulo de uma casa da calle Frey Bento, cachos de uva, neve, tabaco, listas de metal, vapor de água, convexos desertos equatoriais, e em Inverness uma mulher inesquecível, e numa casa de Adrogué um exemplar da primeira versão inglesa de Plínio e ao mesmo tempo todas as letras de todas as páginas, um pôr do sol em Querétaro que parece reflectir a cor de uma rosa em Bengala, um globo terrestre posto entre dois espelhos que o multiplicam indifinidamente num gabinete de Alkamaar, uma praia do mar Cáspio ao alvorecer, um baralho de cartas espanhol numa montra de Mirzafur, êmbolos, bisontes, marulhadas, todas as formigas que existem na terra, um astrolábio persa, e os restos atrozes do que deliciosamente havia sido Beatriz Viterbo? A Dante, ao último canto (XXXIII, 85-96) do Paraíso[7]. Vejamos os versos 85 – 90:
Vi que na profundidade da luz eterna
Se incorpora, ligado por um vinculo de amor,
Tudo o que se encontra espalhado pelo Universo;[8]
Substâncias, acidentes e o seu operar
Quase de tal maneira unidos, que o
Que eu digo, dá uma pálida ideia[9].
Armando Palavras
[1] Sobre Literatura (Difel)
[2] O Despertar dos Mágicos ( ).
[3] E do alfabeto Hebreu. Pronuncia-se alif.
[4] Alguns “estudiosos”, sempre prontos para a especulação do conhecimento, acreditam que seria com uma aparelhagem deste género que os Maias, que ignoravam o telescópio, descobriram Úrano e Neptuno.
[5] Que viria a morrer louco.
[6] Matemáticos polacos contemporâneos. Banach foi assassinado pelos Nazis e Tarski (que faleceu em 1983 nos EUA) não foi porque se exilou nos EUA antes da guerra eclodir. Mas quase toda a sua família foi.
[7] Já Eco lhe faz referência.
[8] Usamos a edição da editora Livraria Sá da Costa (Trad. Prof Marques Braga). Diferente da edição da Bertrand (2006), trad. Vasco Graça Moura. Mas as traduções são sempre aproximações.
[9] Nel suo profondo vidi che s’interna,/ legato con amore in un volume,/ cio che per l’universo si squaderna:/ sustanze e accidenti e lor costume7 quasi conflti insieme, per tal modo/ che cio ch’i’ dico è un semplice lume.
[10] Embora Dante tenha popularizado a metafísica e a teologia de São Tomás no seu famoso poema, Dizem-nos Hurbert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly ( Um Mundo Iluminado, 2011) que a sua motivação inicial era bem mais simples do que isso. Aos nove anos de idade conheceu em Florença uma menina de oito anos chamada Beatriz Portinari. Apaixonou-se por ela “à primeira vista”. A partir daí, Dante fez de Beatriz a sua amada, e prometeu escrever um poema sobre ela como nenhum outro antes escrito para uma mulher amada. E conseguiu.
[11]Ao popularizar a metafísica e a teologia de São Tomás, não admira que no século XVI o poema de Dante fosse considerado sagrado e de Comédia, passasse a ser designado A Divina Comédia.
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