1 cebola
1 dente de alho
4 colheres (sopa) de cebola bem picada
1 colher (café) de vinagre
1 copo de azeite
1 pedaço de toucinho
½ orelha de porco, sal e água
Golpeie as castanhas e ponha-as a ferver em água e sal, até que levantem fervura. Escorra-as e pele-as.
Em bastante água, ponha a cebola, o dente de alho, o pedaço de toucinho, a orelha de porco e as castanhas peladas. Deixe cozer bastante tempo, até que tudo fique bem cozido e junte-lhe o refogado, feito com o azeite, e a cebola picada, adicionando-se o vinagre.
Magusto medieval |
A orelha de porco pode-se comer depois do caldo, com batatas cozidas ou picá-la com castanhas. No líquido do caldo, faça sopas de pão, deixando fervê-lo num tacho com pedacitos de pão.
O porco deve demolhar-se com antecedência, para libertar algum sal. Se utilizar castanhas piladas deve deixá-las de molho da noite anterior.
in: LAGE, Jorge, Castanea, uma dádiva dos deuses, (ed. autor), 2005, pp. 255-256.
Castanhas, quentinhas e boas!
Sexta, 09 Dezembro 2011 12:42
Virgilio Gomes |
Quem não tem recordações de um assador de castanhas num bom lume, que nos aquece, e até do fumo, que não nos incomoda? Não sei porquê, mas tenho a impressão de que as castanhas sempre marcaram uma presença e encerram um sentido poético. Chega o frio de inverno, e as castanhas confortam-nos. Para quem, como eu, educado na província, habituado às castanhas assadas nos assadores de lareira ou diretamente no borralho, os assadores ambulantes de cidade sempre me causaram uma certa estranheza. Apesar de lhes reconhecer todas as qualidades. O assador das minhas memórias provoca inevitavelmente um ambiente intimista, alegra o sítio, alimenta o corpo e aquece as mãos e, tantas vezes, a alma. E, depois, é uma festa para a pequenada.
A castanha teve um percurso histórico na alimentação dos portugueses mas a doença que atingiu o castanheiro e a chegada de outro produto concorrente, entrou no esquecimento e agora apenas se destina a pequenos intervenções, mas de grandes prazeres. A castanha era um elemento base que servia para engrossar os caldos e guarnecer sopas, acompanhava especialmente carnes e caça; com este fruto faziam-se doces e, especialmente, reduzida a farinha, servia para confecionar pão. Por isso, desempenhou um papel muito importante na alimentação, que foi diminuindo com a difusão dos vários cereais. O golpe fatal foi o aparecimento da batata, coincidente com o mal que atacou os (nossos) castanheiros – doença da tinta – que, obviamente, reduziu drasticamente a produção de castanha. Mas ainda tiveram tempo, os nossos antepassados, para as levar até ao Brasil onde se desenvolveu um tradição e um receituário próprio.
Contrariamente ao que muitos afirmam, não herdámos um receituário de castanhas. A sua utilização exclusivamente popular, digamos, quase básica, não levou ao seu registo. Também porque quando surgiram as primeiras publicações de receitas é a época coincidente com a do abandono das castanhas. Todavia, estamos agora perante o aparecimento de um novo receituário com utilização de castanhas e essas confeções revelam-se de grande imaginação e de conhecimento do produto, ficando, assim, um novo registo que acreditamos prosseguirá nas gerações futuras. Curiosamente, a área da doçaria é a mais pródiga, possivelmente pelo prestígio que a grande receita francesa dos “marrons glacés” significa para o mundo da gastronomia.
A polivalência da castanha leva a que seja utilizada nas sopas, acompanha muitos peixes e, em especial, o bacalhau; guarnece carnes, com enlevo particular a caça, e transforma a doçaria num capítulo especial. Mas também serve de distração gustativa simplesmente assada ou cozida e barrada com manteiga ou geleia de marmelo. Também se fritam e, depois, temperam com sal e pimentas para aperitivo, ou entre refeições. Se os nossos antepassados secavam a castanha – pilada - para aproveitamento posterior, hoje, com a castanha congelada, os restaurantes podem dispor dela durante todo o ano.
Em Portugal também se deu muita importância à qualificação da castanha, classificando-a e protegendo a sua origem. Assim, temos quatro regiões com DOP para a Castanha dos Soutos da Lapa, Castanha Marvão, Castanha da Terra Fria e Castanha da Padrela. Não atingiu ainda a castanha o reconhecimento dos consumidores relativamente às diferentes qualidades de castanha. Assim, estas são as mais conhecidas: a Longal e a Judia. E ainda, entre outras, as seguintes: martainha, lamela, trigueira, boaventura, peluda, aveleira, amarela, francesa, verdeal, longal/redonda, rebordana, galega, preta, amarela/boaventura e carrazeda.
Numa perspetiva bíblica, a castanha está associada ao conceito de castidade, a qual simboliza a abstinência, dada a semelhança do nome castanea que é etimologicamente ligada ao termo castitas (castidade). Para Filippo Picinelli, autor de “Mundus Symbolicus”, a castanha é uma metáfora do bom crente, o ouriço mostra os espinhos no exterior mas é cheio de virtudes no interior. Paradoxalmente, representa também a pobreza pois, sendo modesta, exteriormente nada amável, está cheio de qualidades e virtudes lá dentro. Mas também já li algures que as flores do castanheiro representam a perfídia, mas são tão desconhecidas quanto elegantes, e lamentavelmente de pouca duração. Quando os castanheiros estão em flor é fascinante a observação da paisagem. O seu porte majestoso marca um efeito estético invulgar na leitura daqueles territórios. E na minha terra lá se vão distinguindo os soutos, conjunto para produção de fruto, ou os castinçais, para produção de madeira.
Nunca percebi as expressões de levar uma “castanhada” ou simplesmente uma “castanha”. Não entendo a agressividade que lhe é associada. Talvez porque sempre aprendi a respeitar, e a prazeirar-me com castanhas.
Ninguém como Miguel Torga para descrever em prosa, que parece poesia, a beleza e força da castanha. Na sua obra “Um Reino Maravilhoso” (1941), escreveu: “Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai de umas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro as agita a inquietação funda, dolorosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver numa cama fofa a maravilha singular de que falo, tão desafectada que até no nome é doce e modesta – a castanha. Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca dos pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença…”.
Pelo Brasil, a castanha portuguesa também está associada às celebrações natalícias. São assadas ou cozidas e muitas vezes fazem purés para acompanhar peixes e carnes. Revela-se igualmente como em doce ou em salgado. E para mim é um prazer encontrá-la nos supermercados e, curiosamente, em grande enfeite de destaque, a castanha da minha terra e exportada para o Brasil pela Sortegel. Trás-os-Montes a dar os seus sabores ao mundo!
A castanha está muito associada também à celebração do dia de São Martinho, 11 de novembro, que é patrono do vinho e, por hábito, neste dia provava-se o vinho novo. Isto para vos lembrar que, com vinho, as castanhas sabem sempre melhor.
© Virgílio Nogueiro Gomes
(Bacalhau com Castanhas do Chefe António Bóia)
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