sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

As tabernas de Vila Real


Refeição numa taverna, aguarela do inicio do séc. XVII.
Art Collection of the folger Shakespear. Lib. Washington DC.

 No Século XIX

A “tasca” ou “taberna” cumpria a função de ponto de encontro, convívio e diversão, exclusivamente masculino. Aí aportavam, principalmente ao fim de tarde, os “artistas”[1], os funcionários e os caixeiros[2], quando terminavam o trabalho. Um copo agora, outro depois, com qualquer petisco faziam boca para o jantar. Ocasionalmente em redor de um baralho de cartas ou de um jogo de dominó.

Rua de São João (1900) - Vila Real

Bebia-se por copos, por vezes chamados “aferidos”[3]. O vinho bebia-se de acordo com o bojo ou a sede de cada um. Era servido ao copo (de vidro)[4], ao meio-litro ou ao “sino”. Em Vila Real era costume, beber o meio-litro de manhã, misturado com água de Vidago e açúcar. O “sino” era um copo de um litro de vinho, que, nalguns casos, se passava de mão em mão. A beberagem era, nalguns casos, acompanhada de figos, nozes e cascas secas de pêssego, vendidos na taberna.
Elísio Neves, além de nos fornecer os dados acima, traça-nos um quadro rico das tabernas vila-realenses do século XIX, em livro coordenado por ele e por A. M. Pires Cabral[5]. Diz-nos que nos anos 70 do século XIX, havia em Vila Real 16 tabernas que se concentravam na Rua do Carvalho[6]. Eram quatro. A Rua de São João[7] tinha duas e as restantes encontravam-se dispersas pela vila[8]. Informa-nos ainda que em 1900 as 16 tabernas se mantêm e enumera-as uma a uma, rua a rua. Em 1936, segundo Elísio Neves, os números são imprecisos. Contudo, no concelho, existem 165 tabernas.
Finalmente, passa em revista 105 tascas que deixaram nome e que os vila-realenses recordam do século passado (XX).


Escritura (Fac-simile)

No Século XVIII

Contudo, estas tabernas do século XIX foram precedidas pelas do século XVIII.
Pelos dados de Ribeiro de Castro (1796) no último lustre do século XVIII, o número de almocreves que então existia na província, são contundentes numa avaliação rigorosa sobre a sua actividade comercial – 420. Destes, 151 pertenciam à comarca de Vila Real[9]. Todos eles registados nos lugares do termo e nenhum na sede da comarca. É pois, esta a comarca onde se registam os números mais elevados.
O mesmo se verificava em relação aos números registados de comerciantes. Na vila concentravam-se 114 e 73 nos lugares do termo[10].
Esta actividade comercial é bem demonstrada com o elevado surto de taberneiros que despoletaram, em termos locais, na vila e nos lugares do seu termo. Só na vila, no ano de 1792, foram arrematadas 20 tabernas. Por José Correia de Mesquita Botelho, pelo preço de 150 mil reis, pagos em duas prestações: uma quinze dias antes do dia de Deus e a outra em Setembro, no dia de Nossa Senhora, cujo documento se transcreve em anexo e cujo original se reproduz junto ao texto[11]. E no resto do concelho, 34. Abaixo se elabora um quadro com elementos inéditos, onde se mencionam os seus arrematantes, a naturalidade destes, a taberna arrematada e o lanço[12].

Armando Palavras


anexos


(Doc. 1)

Arquivo Municipal de Vila Real, Lv.003 D/001 fl 44v-45

E logo no dito acto lançou a coantia de cento e sincoenta mil Reis Joze Correa de Mesquita Botelho desta Villa Real por vinte tabernas para toda esta villa Real que elle se obrigou a pagar por sua pesoa e bens em dous pagamentos o primeiro pago quinze dias antes do dia de Deos e o ultimo no dia de Nosa Senhora de Setembro com as condiçoins de não poder por tabernas fora do povoado de fazer termo de obriga de abastar toda esta villa a todo o genero de vinho bom e copos de se sugeitar as posturas desta camera de por taberneiros de pesoas capazes e de conciencia tendo as ditas tabernas com toda a dispeza sem mesmo poderem alterar as posturas que lhe forem postas e nunca podera vender o genero de vinho senão o dito aRematante e seus delegados (f. 1v) excetuando somente aquellas pesoas que venderem o seu vinho proprio sendo somente de sua labra e não outro algum e a tiver licenças deste senado cujo citio para as vendas das ditas tabernas lhe asignão toda esta uilla Real the o citio da Senhora da guia de Santa Margarida cuja aRemataçam a-de durar athe o ultimo de Dezembro que [……..] esta aRematação do corente anno cuja coantia de Cento e Sincoenta mil reis[13] elle se obrigam de pagar por sua pesoa e bens nos ditos pagamentos e a dar fiança e satisfação deste Senado no termo de tres dias penna de se lhe remover a sua culpa e nesta forma lhe ouverão esta arrematação por feita e asignou aqui ele aRematante com elle Senador Joaquim Joze Sjlva de Barboza e Sa.

Lacerda
Pereira Pinto
Botelho Leite
Manoel Camello






[1] Designação dada em épocas passadas aos trabalhadores de ofícios e artesãos.
[2] Também eram frequentadas por intelectuais, embora em horário diferente.
[3] Os que velavam pelos clientes, evitando que o taberneiro os enganasse.
[4] Designado de “carreiro”, quando fabricado com vidro grosseiro.
[5] Vila Real, História ao Café (2008).
[6] Actual Dom Pedro de Castro.
[7] Actual Miguel Bombarda.
[8] Agora cidade.
[9] MENDES, José Maria Amado, Trás-os-Montes no século XVIII segundo um manuscrito de 1796; Instituto Nacional de Investigação Cientifica; C.H.S.C.U.C., Coimbra, 1981, p. 106
[10] Idem, p.101
[11] Elementos retirados de Os tectos durienses:a iconografia religiosa setecentista nas pinturas dos templos da região demarcada (Tese de Doutoramento), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa,Área científica:História da Arte, Orientador: Prof. Doutor Luís Manuel Aguiar de Morais Teixeira; Coo-orientadora: Isabel Mendonça.
[12] Elementos inéditos, publicados neste artigo pela primeira vez.
[13] À margem: “150$000”.

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