O comunicado que abaixo se transcreve, na íntegra, distribuído pelo coordenador de “Sons da Terra”, Mário Correia, provocou indignação a Carlos d’Abreu, investigador transmontano, que o demonstrou enviando missiva ao autarca mirandês.
Centro de Música Tradicional Sons da Terra
vai ter de fechar as suas portas…
Encontra-se seriamente comprometidas as actividades desenvolvidas pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra a partir de Sendim (Miranda do Douro), por força dos extraordinários estrangulamentos de tesouraria provocados pelo não pagamento, por parte do Município de Miranda do Douro, dos fornecimentos efectuados ao abrigo dos planos editoriais anuais com a mesma previamente acordados. Fundado em 2001, o Centro de Música Tradicional Sons da Terra – que se dedica à recolha, estudo e divulgação da música tradicional, sobretudo na área do Nordeste Transmontano, com particular incidência na zona do Planalto Mirandês, sendo ainda
responsável pela produção e organização do Festival Intercéltico de Sendim – teve, a partir de 2009, o apoio aos seus planos anuais de edições discográficas, mediante aquisição firme de exemplares, reduzido em 50% pelo actual executivo da Câmara Municipal de Miranda do Douro, o constituiu uma dificuldade maior na medida em que dispunha anteriormente das condições mínimas para o exercício da sua actividade (de algum modo ultrapassada mediante o recurso a medidas de apoio pontuais adicionais).Com efeito, das cinco edições discográficas anualmente propostas, a autarquia mirandesa comprometeu-se a adquirir apenas 100 dos 200 exemplares anteriormente adquiridos de cada obra discográfica, obras estas que integram já um expressivo acervo documental sobre as tradições musicais mirandesas, cujo valor cultural tem sido amplamente reconhecido e até distinguido a nível internacional. Em face dos incomportáveis atrasos nos pagamentos de tão exíguas aquisições das edições discográficas (concretizadas sem qualquer margem de lucro), o Centro de Música Tradicional Sons da Terra, apesar dos seus reiterados apelos à autarquia mirandesa, não logrou obter a solicitada colaboração, acabando por se ver confrontado com a necessidade de tomada de decisões drásticas.
Estão, pois, em causa os seus planos editoriais e demais actividades desenvolvidas (entre as quais se destacam projectos de grande envergadura em parceria com instituições universitárias espanholas, o apoio regular a estudantes universitários, o tratamento e divulgação de arquivos sonoros fundamentais, como os legados por António Maria Mourinho, recentemente objecto de um primeiro trabalho de divulgação, sem esquecer, naturalmente, a realização do Festival Intercéltico de Sendim, um evento iniciado em 2000 e com edições sucessivamente concretizadas até ao presente), porque nas actuais circunstâncias se tornou absolutamente impossível continuar a assegurar o seu regular funcionamento.
Trata-se de uma situação deveras constrangedora e que constitui um rude e impiedoso golpe para a causa da cultura mirandesa que com tanto entusiasmo o Centro de Música Tradicional Sons da Terra se dedicou, criando e reunindo ao longo de mais de uma década de exercício regular e continuado das suas actividades um acervo que constitui um significativo contributo documental sobre o património imaterial musical da região mirandesa, concentrando-se, neste momento, em reunir as condições mínimas necessárias para conseguir concretizar os compromissos editoriais assumidos com entidades e instituições nacionais.
Como escreveu, em 1984, Ernesto Veiga de Oliveira, um grande investigador dos instrumentos e da música tradicional portuguesa, aqueles que têm o poder de decisão, os que dizem que sim e que não, não se apercebem até que ponto podem destruir os que tinham qualquer sopro criador… E ao Centro de Música Tradicional Sons da Terra parece não restar outra solução a não ser eventualmente procurar noutras paragens o alento indispensável para não deixar morrer o sopro criador a que tão devotadamente se consagrou.
Sendim, 10 de Outubro de 2011
Mário Correia
Centro de Música Tradicional Sons da Terra
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Carlos d'Abreu Investigador |
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro,
Não sou mirandês por nascimento mas apenas um transmontano da raia duriense que trabalha do lado salmantino (Departamento de Geografia da USAL) e, Miranda do Douro foi e será sempre uma grande referência cultural para mim. Enquanto investigador, não sou linguista nem etno musicólogo, mas através dessas vertentes revejo-me na cultura mirandesa, razão pela qual me esforço -com muito prazer - em as divulgar. Faço-o através da oferta (mil vezes fotocopiada) da convenção ortográfica da língua mirandesa, fazendo (pelo menos) as saudações em mirandês sempre que publicamente usa da palavra no âmbito de actividades culturais e, também através da oferta de exemplares discográficos editados pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra, entidade que tem prestado um inestimável contributo à preservação e divulgação da nossa música tradicional. Para não falar das memoráveis edições do Festival Intercéltico, onde a pé firme, apesar do fresco das noites do Planalto, temos assistido à prestação de grupos musicais de grande qualidade, ano após ano. É pois com inegável tristeza que tomo conhecimento, das dificuldades que atravessa o Centro de Música Tradicional.
Caro conterrâneo,
O Poder Local, como bem sabe, tem obrigação (por isso existe), de defender os interesses dos seus munícipes, interesses consubstanciados no bem-estar material e cultural, passando essa defesa pelo reforço da sua identidade. Só assim um Povo pode verdadeiramente sobreviver. É certo que o tempo não é de "vacas gordas" mas, por favor, não deixe morrer as "vacas" por inacção, porque elas arrastar-nos-ão inevitavelmente consigo. Certo da sua sensibilidade para a questão, enquanto cidadão, mirandês e governante, rogo-lhe que reveja a sua posição relativamente ao CMT.
Atempadamente grato, receba as melhores saudações raiano-salmantinas
Carlos d'Abreu
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