As alegadas "compensações"
que deveriam ser "moralmente" dadas aos países colonizados por povos
colonizadores escamoteiam factualidades concretas , que merecem ser lembradas.
É que os colonizadores, quando a colonização cessou, não trouxeram com eles,
por impossibilidade física, o que deixaram nesses novos países : não trouxeram
as barragens, não trouveram as estradas, não trouxeram os edifícios públicos e
privados que por lá construíram, não trouxeram os hospitais que lá edificaram,
não trouxeram as escolas que lá construíram, não trouxeram as igrejas que lá
ficaram, etc. Mas há mais : deixaram nesses países factores de unificação e de
identidade .
E se o caso em apreço
se traduz em "reparações em dinheiro" , então haverá que avaliar a
contrapartida económica que é devida às potências colonizadoras. Quanto vale
hoje uma língua dominante, que acabou com uma infinidade de dialectos ? Quanto
valerá hoje, nos novos países colonizados pela Grã. Bretanha ( um dos maiores
exemplos de colonização ocidental,) o inglês, como língua unitária que por lá
ficou ?. Dentro desta linha, qual o "preço" a atribuir à língua
portuguesa ? Prolongando o raciocínio, uma língua é um dos vários acessos à
Cultura do tal país dominante. Quanto "valerá" o inglês como acesso a
Shakespeare, a Byron, a David Hume , etc ? Quanto "valerá" o
português como necessário acesso a Gil Vicente, a Camões, a Eça de Queiroz, a
Fernando Pessoa ?
Fala o autor do texto,
no exemplo ( consabido) dos frisos do Parténon. É uma alegação não apenas
plausível, mas até eticamente sustentável. Só que, quem alega a necessidade
"moral" das tais "compensações económicas" , é normalmente
omisso sobre o que nos foi comprovadamente roubado. Roubado a nós ,
portugueses, tanto no plano puramente material, como no plano moral. É verdadeiramente
deplorável que as arguências de um Presidente da República sejam vistas como
"justas", "decentes", e que , paralelamente , esse mesmo
Presidente da República, supostamente português - pelo menos no seu cartão de
cidadão, - omita ( não acredito que por ignorância) outras
"compensações" a que os portugueses têm direito por parte da França,
da Grã-Bretanha, da vizinha Espanha, só para citar exemplos imediatamente
evidentes e evidenciáveis.
Portugal foi , entre
1807 e 1811, três vezes invadido pelas hostes napoleónicas. O que a França de
Napoleão nos roubou representa uma riqeza inimaginável : saquearam-se museus,
casas particulares, templos e tudo o que de valioso por cá estava. Mas não
foram só os danos físicos aqueles que devem ser referidos. A soldadesca
napoleónica violou sistematicamente as mulheres portuguesas. Que "
compensação" se deve pedir , exigir, por tais barbaridades ? O actual PR
nada disse sobre isto. O consulado político do inglês Beresford, no tempo em
que ele representou por cá o poder do rei D. João VI, que se refugiou no Brasil
para fugir do exército de Junot, funcionou no mesmo sentido.
Os portugueses foram
vistos pelos ingleses como verdadeiros escravos ! Foi-se ao ponto de atribuir
aos soldados e oficiais ingleses, salários muito maiores do que os que eram
pagos a soldados e oficiais portugueses , que desempenhavam no mesmo exército
as mesmas funções. Mas ainda há mais : a Convenção de Sintra, conchavada entre
franceses e ingleses, reduziu-se a um negócio feito a dois , em prejuízo de um
terceito : o terceiro era Portugal e os portugueses.
A Convenção de Sintra
determinou a boa paz de um saque convencionado entre franceses e ingleses. Esse
convénio foi celebrado para que houvesse plena paz e acordo no assalto às
preciosidades portuguesas. Os carregamentos dos assaltantes e o encaminhamento
do ouro, da prata, da arte sacra, da arte não sacra, dos baixos relevos, das
pinturas, das esculturas, de tudo o que era português e valioso para a França e
para a Grã-Bretanha pôde fazer-se " na santa paz" do latrocínio. Em
Sintra , ficou acordado entre as forças francesas e inglesas um roubo efectivo
, mas realizado com toda a elegância e concordância ! O actual PR nem uma
palavra proferiu sobre isso. Ou seja : ficou mudo e quedo como as vaquinhas do
presépio ! Extraordinário ! Mas a Espanha também nos roubou, tanto no plano
territorial como no plano estritamente económico. No dia 20 de Maio de 1801, o
exército espanhol invadiu Portugal , irrompendo pelo Alentejo. A invasão foi
completamente arbitrária e, como sempre, foi acompanhado do usual espectáculo
de saques , assassínios, violações de jovens mulheres e de mulheres menos
jovens, tudo sob o olhar complacente de D. Manuel Godoy. Foi a "guerra das
laranjas". No decurso e no final dela, o território de Olivença sofreu a
usurpação e a ocupação espanhola. Não poupemos palavras : OLivença foi-nos
roubada por Espanha, sem que houvesse uma só razão plausível para tal.
O actual PR não teve
até hoje uma só palavra para exigir, a favor de Portugal, as devidas
"compensações" ! Que "patriota", que grande Português é
este Presidente ! Iremos concluir : a História não pode nem deve ser um
permanente ajuste de contas. Se o for, estará instalada uma eterna querela de
discórdias entre todos e a propósito de tudo. Quem sustenta, em nome de uma
suposta e mal equilibrada ética, a lógica das "reparações"
minuciosas, não está a fazer obra de paz. Está a contribuir poderosamente para
crispações eternas no mundo que temos. Está a fazer a guerra , imaginando
erradamente que serve a Paz e a Justiça. E está também a ser de um irrealismo
confrangedor. Seria necessário, para se levar por diante a tal suposta Justiça,
que se atribuísse valor económico a vectores imateriais de Cultura e de
Civilização . Isto é uma completa impossibilidade , que poderia até saldar-se
num total ridículo. Muitos íncolas das diversas antigas colónias foram mortos
por portugueses. Muitos portugueses do que foi o Portugal colonialista foram
mortos por íncolas dessas colónias . Quanto vale um morto ? Por favor, deixem a
História entregue a si mesma. Que ninguém se arme em Consciência Geral, numa
espécie de Moralizador do Universo. Sempre que isso se quis fazer, deu asneira
...
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