Crítico
O judeu
voltou a ser o anti-tipo – como o havia sido para a ideologia ariana. O judeu
não pode viver no seio dos homens, tem de ser morto socialmente para ser desse
modo esbulhado da humanidade comum.
Observador, 19
Junho 2024, 00:12
https://observador.pt/opiniao/judenaktion/
Depois do
massacre de dia 7 de Outubro de 2023, assistiu-se a uma campanha que seguiu um
guião, ditado ou não, com um elevadíssimo grau de profissionalismo. Os
protestos começaram por simular a equidistância da praxe. Reconhecia-se o
direito de Israel se defender dos ataques terroristas do Hamas – ainda era só o
Hamas – mas já se sublinhava a restrição: no respeito do direito internacional.
Em seguida, censurou-se a Israel o uso desproporcionado da força. Daí passou-se
para o massacre israelita. Foi um passo, e pequeno, até se atirar à cara dos
«sionistas» a acusação de genocídio dos palestinianos. Desse modo, transitou em
julgado a sentença que estabelecia a equivalência moral entre o genocídio dos
judeus na Europa e o pretenso genocídio dos palestinianos às mãos dos judeus. A
partir desse momento, deu-se início à morte social dos judeus. O aggiornamento lexical
fixou que se tratava de um «genocídio».
Aliás, os
activistas e as diversas acções de protesto não são coisa menor. Nas
universidades, seja nos acampamentos, seja nas exigências de corte dos laços
com congéneres israelitas, não se trata de meninos malcriados a repetirem, às
vezes por eles incentivados ou com a sua aprovação, os gestos de rebeldia dos
pais. Não são birras de miúdos em busca de atenção, que são, claro está, peões
devidamente jogados. Pelo contrário. Enquanto a cobertura mediática incide nos
protestos, quando estes passam, o que fica, cristalizado, no leito do rio são
os termos do debate: genocídio, ocupação, colonização ou limpeza étnica. A isso
somou-se a ausência do acompanhamento noticioso dos reféns, a repetição
acrítica das fontes palestinianas, leia-se do Hamas, e a desvalorização
institucional da situação – evidente à saciedade nas universidades.
O anti-semitismo
ganhou as palavras e, por isso, ganhou a rua. Ninguém se atreve hoje, em
nenhuma capital da Europa, a pôr à janela uma bandeira de Israel, ao passo que
em todas elas são visíveis bandeiras e cartazes palestinianos. E não se atreve
por medo. Convém repetir: por medo. Não um medo localizado, concretizado em
pessoas ou actos designados, identificáveis e, pelo menos em certa medida,
previsíveis. Trata-se antes de um medo difuso, de um medo como significante
flutuante, que põe em causa o laço social básico: o medo de se sentir exposto a
um poder desconhecido.
Não por acaso,
depois dos protestos vieram os actos. O que se passou nas celebrações do
76.º aniversário da fundação do Estado de Israel no Cinema São Jorge, com o
arremesso – contra pessoas – de ovos e balões de tinta, e nos seus equivalentes
internacionais, indicia um sentimento de impunidade da boa causa que justifica
a violência e quem a exerce. Precisamente por isso o arrojo nos actos
multiplica-se. Ontem, um ataque numa sessão eminentemente
político-estatal, hoje, violência civil sobre
cidadãos inocentes. Isto aos olhos das pessoas vulgares.
Aos olhos dos
justos não há distinções a fazer: a culpabilidade é universal. E nela revêm-se
em negativo na sua pureza universal. O judeu voltou a ser o anti-tipo – como já
o havia sido para a ideologia ariana. Abatidas pseudo-moralmente as inibições
internas, a violência aumenta e, a cada êxito externo, revigora o seu ímpeto.
Não só se exerce contra as pessoas, que ainda podem ser vistas como alter ego,
exige também a negação do espaço social comum para assim retirar aos judeus a
sua humanidade de pleno direito. O judeu não pode viver no seio dos homens, tem
de ser morto socialmente para ser desse modo esbulhado da humanidade comum.
Decorre daí a necessidade lógica de proibir aos judeus o acesso em pé de
igualdade ao mundo comum. Num protesto em Nova Iorque,
foi-lhes dada uma oportunidade de abandonarem as carruagens, aceitando assim o
destino que lhe é imposto. São remetidos novamente ao estatuto de párias
indefesos. Não é de admirar que um desses manifestantes tenha
lamentado que Hitler já não esteja cá, teria exterminado os judeus
todos. Se dúvidas houvesse, estão desfeitas. Anda-se em busca de novas Judenaktion.
Historia magistra
vitae? Não é. Nunca foi.
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