Em
25 de Abril de 1997 o Semanário Transmontano que se publicava em Chaves e que
era a voz da esquerda, na mesma edição comemorativa da revolução de Abril,
entrevistou o general Costa Gomes e o signatário. Fui convidado para escrever
um texto a perguntar «onde estava eu no dia da Revolução». Eu acabara de
ser «saneado» por três colegas que eu próprio patrocinara a sua entrada do
Centro de Emprego que eu fundara e dirigia. Alegaram que foram a Coimbra a um
plenário do Otelo e que o chefe do Copcom os incentivara a substituir o
chefe por «uma comissão administrativa por eles formada». E «aos dois e uma,
mandei-os abaixo de Braga» e pedi a transferência para a inspeção do
Trabalho em Guimarães. Nessa data, já eu tinha 58 anos de vida e 44 de
jornalismo. Retomara a minha carreira pessoal na cidade de Chaves, como
funcionário público do então SNE, depois de 2 anos, como professor eventual do
Liceu. Tendo sido oficial miliciano, ranger no norte de Angola não
embandeirarei em arco, como alguns que pretendiam que eu fizesse: tecer loas à
revolução. Como optei pelo SNE e, por concurso público, era o responsável do
Centro de Emprego, que nessa altura já tinha 12 funcionários, fui saneado
por três deles, alegando que tinham ido a um plenário Coimbra, trazendo ordens
de Otelo Saraiva de Carvalho para sanearem os chefes, passando eles a
uma Comissão Administrativa. Como eu já era correspondente dos JN, DN e do
chefe de redação do semanário Notícias de Chaves e não exaltava revolução,
acabei por requerer a transferência para a Inspeção do trabalho, em Guimarães.
O meu nome não contrastava com o do general Costa Gomes. Este órgão impunha-se,
na região, pela sua combatividade ideológica. E o número 104, de 25 de Abril de
1997, chamou à capa esses dois testemunhos que mereceram o seguinte resumo:
«o Semanário Transmontano revela hoje a opinião acerca do turbilhão de
acontecimentos que mudaram Portugal. Costa Gomes à esquerda e Barroso da Fonte
à direita, fazem o balanço dos anos passados sobre o 25 de Abril de 1974, nas
páginas dois, três e quatro». Um trabalho jornalístico de Paulo Silva que o
então diretor, J. César, acolheu e que, meio século depois do 25 de Abril de
1974, reflete o clima ideológico que reinava, de norte a sul do país. Penso
que estas entrevistas caíam do céu, como as prendas de Natal. Até o título
dessa entrevista se coadunava com a realidade de há meio século atrás. Dessa
entrevista, coerentemente assinada por Paulo Silva transcrevo o lead:
«Os
revolucionários eram anjos»
É
um homem de Direita. Da Direita "dura", dizem alguns. Sem papas na
língua, como sempre, Barroso da Fonte dá a sua visão do 25 de Abril - do que o
antecedeu e do que veio depois. Chama "finórios" aos portugueses que
se recusaram a combater na guerra colonial e puxa da ironia para apelidar de
"anjos" os "revolucionários". Considera que a Liberdade foi
a maior conquista de Abril, mas lembra a "droga", a "perturbação
social", o "crime organizado" e os "atentados à bomba"
como exemplos do progresso conseguido.
ST - Foi apenas isso que fez?
BF - Não, na imprensa da época, afrontei o poder reinante. E não foi só depois do 25 de Abril. Não fora eu o vice-presidente e autor da Direcção que em 1972/73 levara o Desportivo à II Divisão, içando a bandeira espanhola em Chaves, fazendo da peseta a moeda nacional, etc. Honro-me de ter sido o único cidadão de Chaves a ter sido processado pela Federação Portuguesa de Futebol pelo incitamento à desordem, pelos artigos que escrevi, pelas entrevistas que dei. Bastará este exemplo para provar e comprovar que não fui um cidadão conformado antes do 25 de Abril.
ST - Na sua opinião, porque é que muitos portugueses, antes do 25
de Abril, tiveram de exilar-se no estrangeiro?
BF - Porque não tiveram coragem para combater cá dentro. Lá fora
sempre havia os caminhos da emigração, onde se fazia fortuna. Sim, era isso!
Afinal, os meus seis irmãos que por lá mourejam, três dos quais foram à guerra,
como eu fui, tiveram de emigrar, clandestinamente. A única diferença é que os
revolucionários eram "anjos", os meus irmãos e milhares de
portugueses sérios que emigraram foram "anjinhos". A diferença está
em que uns podem hoje requerer a reforma, porque têm estatuto de refugiados
políticos, E os meus irmãos e os outros milhões de emigrantes (porque não foram
anjos, mas "anjinhos") são espezinhados, ignorados e quase sempre
esquecidos. Até para exercerem o direito de votar. Miguel Torga, que foi tão
revolucionário como qualquer outro, escreveu que "É preciso pagar a
liberdade. E a liberdade está em Portugal. No estrangeiro perde-se o que é
nosso e não se adquire o alheio.". E esclareceu melhor: "Pobre
país! E o que estará ainda par vir! Mas não posso, nem quero, perder o pé na
pátria. O pacto que assinei não foi com o azar das circunstâncias. Foi com a
terra e a língua portuguesa. E continuo a sentir a terra firme debaixo dos pés.
O meu espaço de liberdade é o mapa de Portugal…"
ST - Acha o Dr. Mário Soares um patriota exemplar?
BF - Apesar de tudo, se fossem todos como ele o país estaria
melhor. Obviamente discordei dele, em muitas ocasiões. Mas, no segundo mandato,
de Presidente da República, votei nele.
ST - E Jorge Sampaio?
BF - Tenho que respeitá-lo porque ganhou democraticamente.
Beneficiou da conjuntura política. A vitória dele resultou a mais de um puxão
de orelhas, ao seu opositor. Mas não posso respeitar um cidadão da minha idade,
com mais físico do que eu, ter-se isentado do serviço militar, alegando que
tinha o pé raso. Do que ele beneficiou foi do facto de ter um pai Diretor-Geral
da Saúde, em contraste com o meu, que era um pobre jeireiro rural. E é por
essas e por outras que os felizardos de ontem, são felizardos de hoje. Uns são anjos
e outros anjinhos.
ST - Se o Sr. mandasse no país, proibia o PCP? Porquê?
BF - Eu dou-me melhor com os comunistas do que com os socialistas.
Fui vereador durante quatro anos e sempre encontrei nos representantes do PCP
cidadãos corretos e amigos da sua terra. Sucede hoje o mesmo na Assembleia Municipal,
convivo com eles. Tomara eu que os socialistas da Câmara de Guimarães me
tratassem como os membros do PCP. Haveria mais justiça, mais progresso e mais
harmonia social.
ST - Como costuma "celebrar" o feriado do 25 de Abril?
BF - Comemoro-o como deputado municipal, democraticamente eleito,
desde há alguns mandatos, por um eleitorado da ordem dos 120 mil cidadãos
conscientes. Celebro o espírito do 25 de Abril, porque ele acabou por consagrar
uma viragem política que era urgente operar. O Povo esperava e merecia essa
viragem. Celebro a liberdade, essa sim, a maior riqueza que o 25 de Abril
trouxe. Não celebro o golpe militar, de alguns profissionais das armas que
fizeram de mim e dos meus colegas burros de carga, para eles, em nome do
descontentamento popular, se oporem a uma lei que dava aos milicianos os
direitos que eles tinham. O que os motivou foi a reivindicação salarial, E era
disso que devíamos falar, para esclarecer povo, nunca esclarecido. Para
terminar direi que não gosto do 25 de Abril porque foi nesse dia que morreu a
minha Mãe». [E, passados 10 dez anos, no mesmo dia, foi sepultada a minha
sogra!] Barroso da Fonte
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