domingo, 28 de abril de 2024

Uma entrevista com meio século de realismo polémico

 

Em 25 de Abril de 1997 o Semanário Transmontano que se publicava em Chaves e que era a voz da esquerda, na mesma edição comemorativa da revolução de Abril, entrevistou o general Costa Gomes e o signatário. Fui convidado para escrever um texto a perguntar «onde estava eu no dia da Revolução». Eu acabara de ser «saneado» por três colegas que eu próprio patrocinara a sua entrada do Centro de Emprego que eu fundara e dirigia. Alegaram que foram a Coimbra a um plenário do Otelo e que o chefe do Copcom os incentivara a substituir o chefe por «uma comissão administrativa por eles formada». E «aos dois e uma, mandei-os abaixo de Braga» e pedi a transferência para a inspeção do Trabalho em Guimarães. Nessa data, já eu tinha 58 anos de vida e 44 de jornalismo. Retomara a minha carreira pessoal na cidade de Chaves, como funcionário público do então SNE, depois de 2 anos, como professor eventual do Liceu. Tendo sido oficial miliciano, ranger no norte de Angola não embandeirarei em arco, como alguns que pretendiam que eu fizesse: tecer loas à revolução. Como optei pelo SNE e, por concurso público, era o responsável do Centro de Emprego, que nessa altura já tinha 12 funcionários, fui saneado por três deles, alegando que tinham ido a um plenário Coimbra, trazendo ordens de Otelo Saraiva de Carvalho para sanearem os chefes, passando eles a uma Comissão Administrativa. Como eu já era correspondente dos JN, DN e do chefe de redação do semanário Notícias de Chaves e não exaltava revolução, acabei por requerer a transferência para a Inspeção do trabalho, em Guimarães. O meu nome não contrastava com o do general Costa Gomes. Este órgão impunha-se, na região, pela sua combatividade ideológica. E o número 104, de 25 de Abril de 1997, chamou à capa esses dois testemunhos que mereceram o seguinte resumo: «o Semanário Transmontano revela hoje a opinião acerca do turbilhão de acontecimentos que mudaram Portugal. Costa Gomes à esquerda e Barroso da Fonte à direita, fazem o balanço dos anos passados sobre o 25 de Abril de 1974, nas páginas dois, três e quatro». Um trabalho jornalístico de Paulo Silva que o então diretor, J. César, acolheu e que, meio século depois do 25 de Abril de 1974, reflete o clima ideológico que reinava, de norte a sul do país. Penso que estas entrevistas caíam do céu, como as prendas de Natal. Até o título dessa entrevista se coadunava com a realidade de há meio século atrás. Dessa entrevista, coerentemente assinada por Paulo Silva transcrevo o lead:

«Os revolucionários eram anjos»

É um homem de Direita. Da Direita "dura", dizem alguns. Sem papas na língua, como sempre, Barroso da Fonte dá a sua visão do 25 de Abril - do que o antecedeu e do que veio depois. Chama "finórios" aos portugueses que se recusaram a combater na guerra colonial e puxa da ironia para apelidar de "anjos" os "revolucionários". Considera que a Liberdade foi a maior conquista de Abril, mas lembra a "droga", a "perturbação social", o "crime organizado" e os "atentados à bomba" como exemplos do progresso conseguido.

ST - Foi apenas isso que fez?

BF - Não, na imprensa da época, afrontei o poder reinante. E não foi só depois do 25 de Abril. Não fora eu o vice-presidente e autor da Direcção que em 1972/73 levara o Desportivo à II Divisão, içando a bandeira espanhola em Chaves, fazendo da peseta a moeda nacional, etc. Honro-me de ter sido o único cidadão de Chaves a ter sido processado pela Federação Portuguesa de Futebol pelo incitamento à desordem, pelos artigos que escrevi, pelas entrevistas que dei. Bastará este exemplo para provar e comprovar que não fui um cidadão conformado antes do 25 de Abril.

ST - Na sua opinião, porque é que muitos portugueses, antes do 25 de Abril, tiveram de exilar-se no estrangeiro?

BF - Porque não tiveram coragem para combater cá dentro. Lá fora sempre havia os caminhos da emigração, onde se fazia fortuna. Sim, era isso! Afinal, os meus seis irmãos que por lá mourejam, três dos quais foram à guerra, como eu fui, tiveram de emigrar, clandestinamente. A única diferença é que os revolucionários eram "anjos", os meus irmãos e milhares de portugueses sérios que emigraram foram "anjinhos". A diferença está em que uns podem hoje requerer a reforma, porque têm estatuto de refugiados políticos, E os meus irmãos e os outros milhões de emigrantes (porque não foram anjos, mas "anjinhos") são espezinhados, ignorados e quase sempre esquecidos. Até para exercerem o direito de votar. Miguel Torga, que foi tão revolucionário como qualquer outro, escreveu que "É preciso pagar a liberdade. E a liberdade está em Portugal. No estrangeiro perde-se o que é nosso e não se adquire o alheio.". E esclareceu melhor: "Pobre país! E o que estará ainda par vir! Mas não posso, nem quero, perder o pé na pátria. O pacto que assinei não foi com o azar das circunstâncias. Foi com a terra e a língua portuguesa. E continuo a sentir a terra firme debaixo dos pés. O meu espaço de liberdade é o mapa de Portugal…"

ST - Acha o Dr. Mário Soares um patriota exemplar?

BF - Apesar de tudo, se fossem todos como ele o país estaria melhor. Obviamente discordei dele, em muitas ocasiões. Mas, no segundo mandato, de Presidente da República, votei nele.

ST - E Jorge Sampaio?

BF - Tenho que respeitá-lo porque ganhou democraticamente. Beneficiou da conjuntura política. A vitória dele resultou a mais de um puxão de orelhas, ao seu opositor. Mas não posso respeitar um cidadão da minha idade, com mais físico do que eu, ter-se isentado do serviço militar, alegando que tinha o pé raso. Do que ele beneficiou foi do facto de ter um pai Diretor-Geral da Saúde, em contraste com o meu, que era um pobre jeireiro rural. E é por essas e por outras que os felizardos de ontem, são felizardos de hoje. Uns são anjos e outros anjinhos.

ST - Se o Sr. mandasse no país, proibia o PCP? Porquê?

BF - Eu dou-me melhor com os comunistas do que com os socialistas. Fui vereador durante quatro anos e sempre encontrei nos representantes do PCP cidadãos corretos e amigos da sua terra. Sucede hoje o mesmo na Assembleia Municipal, convivo com eles. Tomara eu que os socialistas da Câmara de Guimarães me tratassem como os membros do PCP. Haveria mais justiça, mais progresso e mais harmonia social.

ST - Como costuma "celebrar" o feriado do 25 de Abril?

BF - Comemoro-o como deputado municipal, democraticamente eleito, desde há alguns mandatos, por um eleitorado da ordem dos 120 mil cidadãos conscientes. Celebro o espírito do 25 de Abril, porque ele acabou por consagrar uma viragem política que era urgente operar. O Povo esperava e merecia essa viragem. Celebro a liberdade, essa sim, a maior riqueza que o 25 de Abril trouxe. Não celebro o golpe militar, de alguns profissionais das armas que fizeram de mim e dos meus colegas burros de carga, para eles, em nome do descontentamento popular, se oporem a uma lei que dava aos milicianos os direitos que eles tinham. O que os motivou foi a reivindicação salarial, E era disso que devíamos falar, para esclarecer povo, nunca esclarecido. Para terminar direi que não gosto do 25 de Abril porque foi nesse dia que morreu a minha Mãe». [E, passados 10 dez anos, no mesmo dia, foi sepultada a minha sogra!] Barroso da Fonte

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Filho do HAMAS

Jornal SOL   Filho do Hamas: Um relato impressionante sobre terrorismo, traição, intrigas políticas e escolhas impensáveis Capa comum – 3 ...