António Magalhães
Técnico Aeroespacial
Sheffield
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Ela
Não se espera por ela, mas ela
vem. Há de vir.
Evita-se pensar nela, mas ela
anda por aí…
Não se espera por ela como quem
espera que chegue o sol.
O sol é esperado como um desejo,
Uma vontade que incendeia a vida
através de uma luz que a alimenta.
Mas ela não, ela não dá vida.
Tira.
Por um ténue momento de
clarividência,
Que se esfuma com a mesma pressa
com que chega,
Há uma incerteza se o evidente
facto é bom ou mau.
Apenas a certeza,
Agora mais do que nunca,
Que ela anda por aí.
Sente-se.
E talvez por isso ementam-se
agora todos os momentos,
Os bons
E os maus.
E esses também contam,
Muito embora, se for dado o
momento,
Serão lembrados nas horas, quem
sabe, minutos,
Que antecedem a chegada dela.
Aqueles pequenos momentos da
vida, postos de lado,
Às vezes por muito, muito tempo,
não foram esquecidos.
Voltam agora, que há uma espécie
de sentimento,
Talvez premonição, que ela anda
por aí,
E também é por causa dela, que
esses momentos
Que outrora pareceram quase
insignificantes,
Fintou-os a memória e o tempo,
que pareceu por vezes,
Há tanto tempo, e… parece que foi
ontem.
E afinal o que é o tempo
Se não uma constante frustração
dos planos de amanhã,
Sempre fora de prazo,
e uma fotografia que se
redescobre no álbum de família,
Vem dizer que o amanhã afinal já
foi ontem.
E a prova está nessa foto que
mostra um penteado já tão fora de moda,
Uma expressão no rosto tão
inocente,
Quão inocente são as expectativas
Que se escondem por detrás desse
olhar,
Outrora a deixar transparecer uma
ténue esperança,
E vontade em conquistar o mundo,
quando chegasse o tempo.
Dez, vinte e trinta anos se
passaram desde então,
E ainda se espera o tiro de
partida.
Afinal o que é o tempo se não uma
mera ilusão dos momentos que ansiosamente,
E por vezes, impacientemente,
Se deseja que cheguem depressa,
para que se faça,
Ou se tire proveito do que nunca
chega a ser feito.
E o proveito sempre aquém do que
em torno dele foram as expectativas.
E…dez…vinte, trinta anos se
passaram
Sem que houvessem dito,
Que afinal a corrida começara
precisamente
Quando tudo parecia
insustentavelmente harmonioso,
Com a força, a vitalidade, a
vontade e a coragem de quem é novo
E tem todo o tempo do mundo pela
frente.
E num desassossego
inconscientemente consciente,
Todo o tempo do mundo não é tempo
nenhum,
Porque se esfuma mesmo antes de
fazer fogo.
Agarrei com força a minha vida,
Sem saber que a mim a deveria
prender,
Cuidá-la, tratá-la como quem
trata uma ferida,
Para que nunca a venha dar como
perdida,
Que a não lamente quando já não a
puder ter.
Será que agora,
Neste preciso momento,
É este o sítio onde se queria
mesmo estar.
Ou será que este momento
É apenas um pequeno espaço que o
tempo irá também devorar,
Depois de nele se manifestar um
sentimento de frustração,
Talvez revolta,
Por se constatar que o momento da
partida já foi há tanto tempo,
Que quando se da por ele, está-se
na chegada, ou perto dela.
Ela está para chegar.
Não se sabe quando. Nunca se saberá.
Por isso, antes que ela chegue,
Seja hoje, amanhã ou depois,
Agora, agora mesmo, sem mais
delongas,
É tempo de percorrer o caminho
que se pretende percorrer,
Ou, o que dele resta,
Mesmo que, iniciado, não chegue a
ser concluído.
Afinal o tempo foi apenas uma
ilusão.
As pressas,
As pressas da chegada do fim de
semana,
Da chegada das férias,
E nada do que era planeado fazer
foi feito.
O tempo que a vida consumiu,
Ardeu como um fosforo, até ao
fim.
Tão rápido.
À medida que os dias foram passando, quando a dor finalmente venceu a
morfina que deixara de funcionar apesar das suas doses serem constantemente
ajustadas, quando a dor desmoronou todas as barreiras da dignidade humana, alvitrou-se
dela, enamorou-se dela, e através do insustentável sofrimento do seu corpo,
desejou-a com muito maior intensidade do que o medo com que dela sempre fugiu
em vida, e de certa maneira foi como se o corpo estivesse, apesar da crueldade
do sofrimento, a prestar um último favor ao medo que ela sempre provocou, dando
lugar ao desejo do encontro com esse inevitável momento.
É o tempo meu
amigo, que se vai.
É o princípio de um
novo dia,
O ser liberta-se do
que o retrai,
A essência
principia uma nova energia.
(Retalhos do
Quotidiano – últimas páginas)
António Magalhães
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