segunda-feira, 6 de abril de 2020

Miremos as andorinhas.


Júlia Serra

Mais um dia de sol, a lembrar a primavera. Ontem, parece-me que vi uma andorinha.
Esta manhã já ouvi as notícias e o Covid-19 continua a alastrar em Portugal e no mundo. Os políticos, preocupados com a economia, os responsáveis sanitários aflitos com o crescente número de casos, as empresas reclamando apoios, para poder cumprir as suas obrigações, os pais, encerrados em casa, reclamam os seus salários, os representantes das Misericórdias aflitos pelo contágio dos idosos nos lares, enfim, um conjunto de situações elucidativas de um estado de crise. No meio destas notícias, ouvi uma que me tocou: a falta de responsabilidade de certos cidadãos que não obedecem ao estipulado pelo Estado de Emergência do país, obrigando as forças de segurança a recorrer à prisão 
         Esta pandemia relembra-me o que li no Romance de Camus, La Peste. Três personagens me ficaram: Rieux, o médico humanista esforçado, mas não crente, Tarrou que surgiu como voluntário para organizar as” formações sanitárias voluntárias” era um exemplo de coragem e o Père Paneloux que considerava a peste como um castigo enviado por Deus, para convidar os homens a converter-se. Rieux, achava que este castigo não se coadunava com a imagem de um Deus bom e todo-poderoso. Estas personagens, cada uma com visões diferentes do problema, lutavam lado a lado para minimizar os efeitos da doença e aliviar os sofredores. Tarrou personalizava o efeito coletivo de ajuda implícita nesta passagem, quando Rieux o interrogou:
 (…) qu’est-ce qui vous pousse à vous occuper de cela?
- Je ne sais pas. Ma morale peut-être.
-Et laquelle?
- La compréhension.
Esperemos que outras soluções sejam encontradas, numa sociedade em permanente evolução e que os avanços tecnológicos contribuam para a descoberta de novas estratégias para que isto não se transforme numa miséria humana. Mas é, tal como nos narra la Peste, uma tarefa de todos.
Neste tempo de isolamento, a pessoa pode conhecer-se melhor, descobrir um caminho novo e aprender a valorizar a verdadeira liberdade e fraternidade. Não podemos lamentar nem acusar as regras impostas pela autoridade, só temos que aprender a descobrir os aspetos positivos desta clausura.
         Tenhamos paciência e, juntos, miremos as andorinhas.
J.S-

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