domingo, 28 de outubro de 2018

Notícias do meu (ai, ai) país



Alberto Gonçalves - OBSERVADOR

Se tomarmos os espécimes à exacta medida do que valem, tudo o que envolve o dr. Louçã e o prof. Freitas – “intelectuais” na perspectiva de um maquinista da CP – contém inegável potencial humorístico.

Ao longo da História, muitas batalhas aconteceram e muitos homens morreram semanas depois de alcançada a paz. Bons tempos, marcados pela demora nas comunicações, dependentes de cavalos, carroças e caminhos tortuosos. Por azar, não pude viver essa época, em que uma pessoa saía do país em viagem de férias, chacina ou catequização e ficava impecavelmente privado de notícias locais. Com jeitinho, regressava-se e descobria-se que, à custa dos fantásticos estadistas que temos, já não havia país ao qual regressar. Passados seis meses, recebia-se um telegrama a confirmar a falência.
Hoje as dificuldades são incomensuravelmente maiores. Apanho oito voos (juro), alugo dois carros, afasto-me nove mil quilómetros de casa e, contra todos os princípios terapêuticos, continuo a perceber, sem perceber metade, o que sucede em Portugal. Culpo as “apps” do Facebook e do Observador, que não resisto abrir com excessiva regularidade. À semelhança de um voyeur à solta num motel, é impossível evitar a espreitadela. E a ligeira melancolia que se lhe segue. Cada “facto noticioso” é absurdo, e cada reacção ao “facto” mais absurda ainda.
Houve a “remodelação” do governo, em que, além de diversas mudanças importantíssimas, o dr. Costa chutou para cima aquele funcionário do partido que tem um coisinho na orelha. O assunto gerou a indispensável indignação, como se a criatura em causa fosse substituir uma sumidade ou ocupar a vaga de outra. Quem se zanga com escolhas assim está, deliberadamente ou não, a exibir um esboço de esperança que o arranjinho no poder nunca mereceu. Por definição, a pertença ao culto faz de qualquer um devoto, de igual direito e igual descaramento.
Houve um coitado que foi à televisão falar na violência que obriga as crianças a beijar os avós. Entre a subsequente fúria das massas, ninguém lembrou a violência que obriga os avós a beijar as crianças, sejam estas “cientistas sociais” ou não.
Houve uma “jornalista”, cujo currículo consiste em frequentar a intimidade de ladrões sem reparar nos roubos, inconformada com o uso de “Até amanhã, se Deus Quiser” por uma apresentadora televisiva. É no que dá distribuir o ateísmo pelas cabeças de fanáticos.
Houve o sr. prof. Marcelo a proferir frases acerca de Tancos e houve pessoas bem-intencionadas – e irremediavelmente optimistas –  a prestarem atenção às frases que saem da boquinha do sr. prof. Marcelo, colocando-as a ocupar o espaço que deveria pertencer à informação.
Houve a publicação de novo livro de memórias do prof. Cavaco e a esquerda em peso saiu esbaforida para garantir, aos berros, que as opiniões do prof. Cavaco não possuem nenhuma relevância. A título de alívio cómico, alguns senhores do PS lembraram a falta de “sentido de Estado”.
Houve o anúncio (necessariamente discreto) de que, por obra do dr. Centeno e com a cumplicidade, demonstrável em tribunal, dos que ergueram o dr. Centeno a algo diferente de uma nulidade com dentes, as nossas contas terminaram 2017 com o segundo maior défice e a terceira dívida mais elevada da União Europeia.
E houve, claro, a oportuna carta de “intelectuais” portugueses a apelar à derrota de um determinado candidato nas eleições presidenciais brasileiras. A carta é engraçada por uma data de razões. Tem graça porque, dos “intelectuais” em questão, cinco sextos jamais se distinguiram pelo intelecto e a maioria distingue-se justamente pela respectiva, e flagrante, ausência. Tem graça porque, se tomarmos os espécimes à exacta medida do que valem, tudo o que envolve o dr. Louçã e o prof. Freitas – “intelectuais” na perspectiva de um maquinista da CP – contém inegável potencial humorístico. Tem graça porque há um evidente efeito paródico em ver a aflição dedicada ao Brasil por sujeitos que não vivem e não votam no Brasil, o mesmo efeito que teria uma carta de “intelectuais” argentinos a propósito das eleições no Ruanda. 
Tem graça porque o “perigo” que os “intelectuais” referem paira sobre um território arrasado pela corrupção, estrangulado pela miséria e inviável pelo crime. Tem graça porque boa parte dos “intelectuais” legitimaram pelo silêncio ou apoiaram pela palavra os bandos responsáveis pela corrupção, pela miséria e pelo crime. Tem graça porque o receio dos “intelectuais” face ao hipotético fim da liberdade no “país irmão” (?) não se verifica na real inexistência da dita em países primos, sobrinhos e cunhados. Tem graça porque, cá dentro e lá fora, o único esforço de tantos dos citados “intelectuais” a pretexto da democracia consistiu, e consiste, em lutar pela sua abolição. Tem graça porque uma curiosa quantidade desses “intelectuais” é, sem tirar nem pôr, comunista. Tem graça porque os “intelectuais” chamam “fascista” ao sr. Bolsonaro após chamarem “fascista” a Trump, Passos Coelho, Bush filho, Bush pai, Cavaco, Thatcher, Reagan, Sá Carneiro e, imagine-se, até ao prof. Freitas, agora absolvido do Mal e prova ambulante da redenção. Tem graça porque, dado o currículo dos “intelectuais” que se lhe opõem, o sr. Bolsonaro, que por acaso emite palpites um bocadinho fascistas e é sem dúvida um burgesso, é capaz de esconder duas ou três virtudes.
Confesso que não as encontrei, mas também não procurei. E não tenciono procurar. Interessar-me pela demência brasileira com a portuguesa à minha disposição é um luxo e um masoquismo escusados.

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