quarta-feira, 1 de abril de 2015

PÁSCOA DE FOLARES E DE FLORES de Alberto Correia


Jorge Lage
O meu ilustre amigo, Dr. Alberto Correio, de Sernancelhe e a residir em Viseu, Grão-Mestre da Confraria da Castanha dos Soutos da Lapa, enviou-me o texto anexo sobre o tempo pascal, tão mágico em memórias, em sabores. Tempo em que a Natureza faz vicejar e perfuma os campos, enchendo de esperança a alma dos lavradores e lavradeiras em que contam amealhar para a sobrevivência de mais um ano.
Sernancelhe faz parte das Terras de Aquilino Ribeiro, sendo lugar de romeiros e cumpridores de promessas o Santuário de Nossa Senhora da Lapa. Mais a Norte Penedono ilustre Terra de Magriços. Trancoso a Terra da Mofina Mendes imortalizada por Gil Vicente ou de Bandarra com as suas trovas proféticas, Este é um triângulo mítico na Beira Alta.
Mas, não posso pensar na Beira Alta sem salivar por um requeijão de ovelha, de Celorico (da Beira) Gare, fabricado artesanalmente pelos pastores e que conserva o sabor e os odores de há 60 manos a trás e que eram feitos pela minha Mãe na minha aldeia - Chelas (Mirandela).
Meu caro e ilustre amigo, não posso abusar da sua paciência e da sua amizade, que muito me honra, «e fiquemo-nos por aqui».
Com um abraço de Feliz Páscoa, extensivo aos leitores do blogue.,
Jorge Lage
jorgelage@portugalmail.com




PÁSCOA DE FOLARES E DE FLORES

(Minhas memórias da Sarzeda – Sernancelhe)

Longas são já minhas memórias e de uma Páscoa antiga agora se desprendem, poéticas, aureoladas pela patine do tempo que tudo adoça, se diz, quase tudo, menos aquilo que é de mal-querer.
De uma Páscoa antiga trago a cor das mimosas que floriam tarde na minha terra onde a Primavera tarde rompia e trago a cor das camélias que era costume oferecerem como prenda, de um solar da vila, a minha mãe e o açafate com laranjas e a luminosa cor desses meus raros frutos de criança. E trago ainda o cheiro bom da casa lavada, a cor linda dos armários com desenhos novos de papéis recortados. E a mesa posta do “afolar”, na sala, toalha de renda e linho antigo, louça de “cavalinho”, biscoitos caseiros que ainda hoje sabem bem, pão-de-ló enfeitado com o açúcar em ponto fingindo flores, vinho fino, moedas de prata num pratinho. E o tinir de uma campainha rua fora, a sobrepeliz do senhor padre esvoaçando, aleluias, o meu pai postado ao pé da porta, a cruz que um homem dava a todos a beijar, tal e qual como aquela que Aquilino descreveu, aquela onde Glòrinhas colocava uma camélia vermelha a coroar, um padre-nosso rezado por alma dos avós.
Páscoa das flores e logo de manhã a bênção da madrinha e o “afolar”, a prenda dela, uma camisa nova e uma vez que tive libra de oiro e o beijo dela em minhas mãos e a voz dela requerendo todo o bem do mundo para o seu menino.
E aquela “bôla” grande de trigo moído em mó alveira, ovos caseiros, carne de porco entremeada, bôla que a mãe tendia na padela negra de Molelos (ainda guardo a padela), o cheiro dela ao vir do forno comunal, água na boca ao lembrar o sabor dela. E os “bolos de Páscoa” feitos com a farinha do trigo tremês amassada com os ovos que começavam a guardar-se no Natal, e o jeito e a cor e o cheiro ainda da fornada armada, como andor, em tabuleiro. E o rescendor que, por muitos dias, vinha da masseira.
Páscoa de saudade que, ano a ano, gosto de ir passar à minha terra.

                                                                                                         Alberto Correia


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