sábado, 7 de março de 2015

Tradições do império - Vasco Pulido Valente

Vasco Pulido Valente
 Tradições do império

in jornal Público


Sergei Mironovich Kirov, de quem hoje ninguém se lembra, era secretário da Comissão Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e também primeiro-secretário da organização de Leninegrado. Em 1 de Dezembro de 1934, foi assassinado por um militante desconhecido, Nikolaiev, protegido por Yagoda, nessa altura chefe da NKVD, predecessora da KGB.
 Este crime, aparentemente inexplicável, inaugurou o “Grande Terror” de 1935-1938, em que morreram, pelo menos, 10 milhões de pessoas. Hoje está provado que Estaline o mandou matar. Porquê? Porque Estaline queria reduzir o Estado, o Partido, o exército e o povo a uma condição de obediência absoluta, eliminando qualquer possível centro de resistência ao seu poder e à sua vontade. Popular em Leninegrado e nos meios do PCUS, e ainda por cima um óptimo orador, Kirov não podia ser deixado à solta.
Não tendo a NKVD, nem o Gulag (como existia na URSS), Putin é obrigado a recorrer a uma espécie de milícias, que lembram as SA do nazismo antes de 1923, e a grupos de “segurança” indescritos que o Estado paga. Mas precisa, como Estaline, de eliminar a oposição (por fraca que pareça) para continuar a desenvolver a política, já abundantemente manifesta, de acabar com a União Europeia e a NATO e de rever a favor da Rússia o status quo, estabelecido em 1989-1991. A Rússia intervém hoje na República Checa, na Eslováquia, na Hungria (de Vítor Orban), na Grécia e até em França, para não falar da Crimeia e da Ucrânia. A dimensão e o radicalismo da estratégia de Putin exigem um clima de histeria nacionalista na Rússia e a liquidação imediata de qualquer dissidência.
Boris Nemtsov acabou com quatro tiros nas costas, porque tinha sido vice primeiro-ministro e chefe de partido; porque era conhecido e um activista; e porque naturalmente se opunha à louca e maléfica aventura de Putin. E é curioso que o próprio Putin, como Estaline, declare agora que o assassinato de Nemtsov foi um crime político, porque isso lhe permite daqui em diante descobrir conspiração atrás de conspiração e liquidar mansamente quem se atrever a contrariar os seus desígnios, à capa de um pretexto embaraçoso para o Ocidente. Alexandre Navalny, apesar de preso, declarou que Putin dera a ordem para matar Nemtsov. A lógica das coisas sugere que sim. E, por mim, acredito que a continuação da história provará que sim. Nemtsov é o Kirov do nosso tempo.



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