sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Nobel da Literatura (2013)




Alice Munro, a discreta canadiana que ganhou o Nobel da Literatura.

Nobel da Literatura para a contista canadiana, que narra os sentimentos grandes de pessoas pequenas, como cada um de nós

Três horas de carro separam Toronto de Clinton, Ontario, povoação com três mil habitantes onde vivia até há bem pouco tempo a maior parte do ano. Aqui trabalhava Alice Munro, no retiro rural onde nasceu o segundo marido, o geógrafo Gerry Fremlin, que morreu em Abril deste ano, com vista para um excêntrico jardim, pilhas de livros a rasar os tectos e uma máquina de escrever manual, todos eles preservados da agenda profissional. "Vamos manter os negócios no exterior", pediu a mais recente Nobel da Literatura à "The Paris Review", quando Jeanne McCulloch e Mona Simpson embarcaram de La Guardia a caminho de uma entrevista e a encontraram serenamente entre tachos.
"Apesar das suas consideráveis conquistas, Munro continua a falar da escrita com alguma da reverência e insegurança que se escuta dos iniciantes. Não tem a bravura nem a agressividade de um escritor famoso e é muito fácil esquecer que é uma delas", descreveriam Jeanne e Mona no seu artigo para a revista literária, que conta com habituais contributos da própria Alice, cujas narrativas recheiam também os conteúdos da "The New Yorker" ou "The Atlantic Monthly".
A conversa teve como destino final um hotel, mudança de rumo livre de peneiras de estrela inclinada ao isolamento. Classificada após o seu primeiro grande prémio como "uma dona de casa tímida", rótulo que lhe despertou a irritação, justifica-se que poucos dos três mil habitantes soubessem que Clinton servia de morada a uma das mais relevantes autoras canadianas. "Trabalhei muito. Escrevia enquanto as miúdas faziam a sesta", recordou em entrevista a autora que apenas produziu a primeira colecção de histórias aos 37 anos e que precisou de esperar pela década de 70 para assistir ao reconhecimento fora de portas. Por essa altura, já as filhas estavam criadas. A arrumação da casa e os livros mantiveram-se como necessidades, cada uma a seu modo. A timidez, uma constante tão inevitável como as anteriores. "Ser mulher e escrever era como ser uma freak", sentenciou sem inibições ao "The Guardian", em 2003 gótico do sul Aos 83 anos, torna-se a 13ª mulher e o primeiro autor de origem canadiana estabelecido neste país a colher os louros - em 1976 foi a vez de Saul Bellow, que apesar de ter nascido no Québec mudou-se para os EUA com nove anos. Munro posicionava-se no segundo lugar na lista de apostas da Ladbroke, imediatamente a seguir ao grande favorito, o japonês Haruki Murakami. "Mestre contemporânea do conto" e "fantástica retratista de seres humanos", foi assim que a Academia sueca a definiu ontem em Estocolmo, quando anunciou o nome da vencedora, que no começo deste ano avançou ao "Toronto Globe and Mail" a intenção de se reformar depois do lançamento de "Amada Vida", a 14ª e mais recente reunião de pequenas histórias, publicada este ano em Portugal.
Habituado a contactar o vencedor do Nobel cerca de uma hora antes do anúncio oficial, o comité do Nobel revelou via Twitter a dificuldade em chegar à escritora, acabando por deixar uma mensagem de voz. Munro foi finalmente acordada pela filha, que comunicou a boa nova. "Sabia que estava na corrida, mas nunca pensei que pudesse ganhar", comentou à "Canadian Press", numa breve conversa telefónica a partir de Victoria, onde agora se instala.
Com seis livros publicados em Portugal, todos na Relógio d'Água, entre eles, 'Fugas', 'Demasiada Felicidade', 'O Amor de Uma Boa Mulher', ou 'A Vida de Castle Rock', Munro inscreve-se incontornavelmente na malha de escritores canadianos. "Não consigo pensar na paisagem literária do Canadá sem pensar nela", defendeu esta terça-feira ao "Toronto Star" Geoffrey Taylor, o director do festival de Tributo a Alice Munro agendado para 2 de Novembro.
Vencedora do Man Booker International Prize de 2009, "a nossa Tchekohv", segundo a escritora Cynthia Ozick, estabeleceu-se na ficção com as suas histórias acessíveis e tocantes lavradas num cenário em tudo propício ao género Southern Ontario Gothic. Grande parte dos seus contos situam-se em Huron County, localidade sobrevoada por uma narrador omnisciente em busca de sentidos, enquanto homens e mulheres se digladiam no solo, enredados nos frutos e caroços do tempo e do amor.
"Costuma dizer-se que as histórias de Munro têm tanta emoção que parecem romances. É uma daquelas escritoras de quem não interessa se os seus livros são populares. Ela é a nossa escritora. Pode ter a ver com a intimidade franca do seu tom, liberto de ornamentos, e que apesar disso contém uma quantidade imensa de sentimentos terríveis, sublimes e contraditórios", actualizou ontem Sasha Weiss, no blogue da "The New Yorker".
Alice Laidlaw, que manteve o apelido do primeiro marido, nasceu em Wingham, Ontario, a 10 de Julho de 1931. Filha de um caçador e criador de martas e raposas e de uma professora, começou a escrever pela adolescência, publicando a primeira história, "The Dimensions of a Shadow", em 1950, ainda na universidade, tempos em que trabalhou como empregada de mesa, apanhadora de tabaco e bibliotecária. Aos vinte anos casou-se com James Munro, de quem manteve o apelido. Conciliou a escrita com as tarefas domésticas, o cuidado das duas filhas pequenas e a gestão da livraria ainda hoje de portas abertas, a Munro's Books", em Victoria, para onde o casal se mudou em 1963. Cinco anos volvidos, chegava a estreia com "Dance of the Happy Sahes", que lhe valeu o Governor General's Award, o mais prestigiado prémio literário do Canadá. É a vez de suceder ao chinês Mo Yan no mais importante troféu das letras.





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