quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A USURA


Na actualidade vivemos uma época de crise económico – financeira, social e de valores. Por isso, o tema – usura - que vou desenvolver neste singelo trabalho, tem toda a actualidade e, é deveras pertinente para a vida dos cidadãos portugueses.
Se a usura nos primeiros séculos foi combatida, hoje está institucionalizada fazendo parte do quotidiano das pessoas.
Sofreu este termo – usura -, várias interpretações através dos tempos, tendo sido combatido por teólogos e filósofos. Podemos definir usura como toda a sorte de interesse que produz dinheiro. Proveito que se retira de um empréstimo acima da taxa legal ou habitual. Ainda a podemos considerar, em sentido figurativo como sendo o benefício em retorno maior do que o dinheiro recebido.
Quentin Massys, O Prestamista e sua mulher, 1514,
óleo s madeira, 70x67 cm,
Musée National de Louvre, Paris
A usura, com o decorrer dos tempos passou a designar lucro ilegal. Os antigos chamavam ao dinheiro emprestado o preço da usura. Os homens dos séculos XV e XVI questionaram-se acerca da legitimidade da usura. Os «humanistas» para comprovarem a legitimidade da usura, em virtude do desenvolvimento comercial, vão estudar as fontes antigas – greco-romanas –, porque os antigos eram a autoridade por excelência para o «Humanismo».
Parece certo que nas sociedades primitivas o empréstimo era gratuito e dado adquirido; emprestava-se o que sobrava e se podia estragar, fazendo falta ao outro. A ausência de comércio com intuito lucrativo excluía o ganho. Com o aparecimento da moeda alterou-se o modo de empréstimo. Privado do capital cedido, aquele que emprestava passava a exigir uma contrapartida; o crédito modificava as perspectivas tradicionais e cada vez mais colocava o pobre na dependência do rico.
Os gregos praticaram o empréstimo público – em momentos de guerra – correntemente e, tanto o empréstimo público como o privado faziam parte dos negócios da Magna Grécia. Por isso, a usura na Grécia era uma componente normal do comércio.
Em Roma, a usura era praticada na agricultura. S. Jerónimo (342-420) conta que na sua época era vulgar emprestar-se dinheiro a 50% ao ano e 25%, já era ser benemérito.
Com o declínio das cidades, após a queda do Império Romano, a usura perde peso, em virtude da consequente fragilidade do comércio.
Platão, filósofo grego, não aceitava o empréstimo na sua República; não o fazia por razões éticas, mas apenas por reprovação das actividades vis e pelo orgulho de Atenas. Aristóteles é ainda mais agressivo – segundo ele, o juro é incompatível com a natureza do dinheiro, porque uma moeda nunca dá origem a outra moeda: «nummus non nummum parit», que significa que «uma moeda nunca engendra outra». Assim, o dinheiro é apenas um meio de troca e nunca uma mercadoria porque se fizer deste uma mercadoria, inverte-se a sua essência. Por isso, a usura era rejeitada à partida. Aristóteles partia do pressuposto, que havia actividades honrosas – guerreiros e terratenentes –, actividades vis – o comércio, que era próprio dos Metecos e Ilotas.
Os cristãos não podiam aceitar esta moral de classe; por isso, ajudaram a humanizar a sociedade da época, considerando que a usura era um meio de opressão do seu semelhante.
Os livros do Antigo Testamento ajudaram à condenação da usura – o Levítico, capitulo 35, versículos 35-37 – e o livro do Deuteronómio. O livro do Deuteronómio admitia o empréstimo a juros a estranhos. Os rabinos, por seu lado, diziam que o juro era inaceitável entre os Judeus.
Os Padres da Igreja – figuras proeminentes nos primeiros séculos do Cristianismo – puseram em destaque o Novo Testamento, para condenar deste modo a usura, baseando-se no Evangelho de S. Lucas, capítulo 6º, versículo 35 que refere o seguinte: «Emprestai sem nada receber em troca.» Segundo Santo Ambrósio, apoiando-se no Livro de Tobias do Antigo Testamento, «Tobias enquanto foi rico, emprestou a toda a gente e, quando caiu na miséria, não pediu nada a quem tinha emprestado.»
Santo Agostinho considerou a usura como roubo constante. Os Padres da Igreja condenavam primordialmente a usura repressiva e também o chamado empréstimo de consumo – isto é aquele que se faz para sobrevivência física ou moral – porque a usura opressiva faz com que um fique mais pobre e o outro cometa um pecado e consequentemente, aumenta a riqueza. Na Idade Média – período que decorre do século V ao século XV – endureceu a posição da Igreja em relação à usura. A terra e a agricultura constituíam, nesse período, a riqueza por excelência. Por outro lado, a economia fechada usa pouco o crédito, existindo este somente para fazer face a catástrofes – pestes, fomes e epidemias -, originando durante a Idade Média o empréstimo de consumo.
A esse propósito surgem duas correntes culturais que se afirmam: a primeira fechada e do tipo rigorista deriva da economia agrária; a segunda, por seu lado, surge mais sensível às condições do tempo tornando-se, perante o empréstimo a juros mais tolerante e mais moderna. A primeira corrente é fundamentada nos «Decretos» de Graciano e nas «Sentenças» de Pedro Lombardo e refere o seguinte: «Emprestar uma soma de dinheiro sobre uma mercadoria reembolsável no futuro, sabendo que o que ela dá mais é usura, todo o empréstimo é um roubo sem apelo nem agravo.» Graciano chama à usura lucro torpe, o qual todo o cristão deve evitar. Segundo Pedro Lombardo: «(…) se o juro é um roubo, emprestar nessas condições é violar o 4º mandamento que diz, não roubarás
São Tomás de Aquino, apresenta as seguintes condições segundo a sua opinião: 1º -Qualquer actividade tem que ter utilidade social inequívoca; 2º -Que o lucro que provém das actividades seja moderado; 3º- Que o lucro seja o prémio de um trabalho e do risco da iniciativa.
O empréstimo a juros dentro desta última condição continua a ser imoral, porque o dinheiro em si é estéril, segundo São Tomás de Aquino. Emprestar o que não faz falta corresponde ao apego aos bens materiais e é falta de caridade.
São Bernardino de Siena apresenta uma posição diferente da usura, dando-lhe o seu aval. Quem transforma, compra e vende, despende trabalho, energia e tempo, é justo que retire lucro desse esforço. Por outro lado, o comércio liberta a sociedade das pestes, da fome e da guerra; por isso é uma actividade legítima.
No século XV, uma cultura nova criava novas necessidades a que os comerciantes procuravam responder. Assim, se ia apagando a fronteira entre o lucro legítimo e a usura. Certas práticas condenadas eram agora aceites. Apesar desta supremacia do comércio, a oposição à usura vai prolongar-se até ao século XIX, vindo somente a ser aceite em pleno século XX.
Hoje, a usura está de novo na ordem do dia?
Talvez, uma vez que o crédito malparado não pára de crescer, em parte consequência dos lucros fabulosos da banca, em detrimento da miséria de milhares de portugueses. É o capitalismo sem rosto no seu melhor!
Os transmontanos para fazer face às dificuldades actuais, terão de recorrer ao tradicional comunitarismo ou partir de novo em diáspora, a fim de superar a incompetência daqueles que nos desgovernam.

 Luis Dias de Carvalho (Chaves)

 in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)


O autor
Luís Dias de Carvalho, Professor de História do Ensino Secundário, concluiu em Março de 1999, a parte curricular do Mestrado em História das Populações, na Universidade do Minho. Assinou um artigo, na Revista de Outeiro Seco da Casa da Cultura de Outeiro Seco, no ano de 1990, com o título: «A Igreja Românica de N.ª Senhora da Azinheira». No ano de 2004 na publicação – «Valores para a Educação», organizada por Carlos Fernandes Maia e promovida pelo Sindicato Nacional de Professores Licenciados, assinou um artigo intitulado: «Património Cultural na Educação: O Culto Moderno aos Monumentos». Em Setembro de 2008 publicou o livro intitulado: «Tecelagem Flaviense».


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