Na
actualidade vivemos uma época de crise económico – financeira, social e de
valores. Por isso, o tema – usura -
que vou desenvolver neste singelo trabalho, tem toda a actualidade e, é deveras
pertinente para a vida dos cidadãos portugueses.
Se
a usura nos primeiros séculos foi combatida, hoje está institucionalizada
fazendo parte do quotidiano das pessoas.
Sofreu
este termo – usura -, várias
interpretações através dos tempos, tendo sido combatido por teólogos e
filósofos. Podemos definir usura como toda a sorte de interesse que
produz dinheiro. Proveito que se retira de um empréstimo acima da taxa
legal ou habitual. Ainda a podemos considerar, em sentido figurativo como sendo
o benefício em retorno maior do que o dinheiro recebido.
Quentin Massys, O Prestamista e sua mulher, 1514, óleo s madeira, 70x67 cm, Musée National de Louvre, Paris |
A
usura, com o decorrer dos tempos
passou a designar lucro ilegal. Os antigos chamavam ao dinheiro emprestado o preço da
usura. Os homens dos séculos XV e XVI questionaram-se acerca da
legitimidade da usura. Os «humanistas»
para comprovarem a legitimidade da usura, em virtude do desenvolvimento
comercial, vão estudar as fontes antigas – greco-romanas
–, porque os antigos eram a autoridade por excelência para o «Humanismo».
Parece
certo que nas sociedades primitivas o empréstimo era gratuito e dado adquirido;
emprestava-se o que sobrava e se podia estragar, fazendo falta ao outro. A
ausência de comércio com intuito lucrativo excluía o ganho. Com o aparecimento
da moeda alterou-se o modo de empréstimo. Privado do capital cedido, aquele que
emprestava passava a exigir uma contrapartida; o crédito modificava as
perspectivas tradicionais e cada vez mais colocava o pobre na dependência do
rico.
Os
gregos praticaram o empréstimo público – em momentos de guerra – correntemente
e, tanto o empréstimo público como o privado faziam parte dos negócios da Magna
Grécia. Por isso, a usura na Grécia era uma componente normal do comércio.
Em
Roma, a usura era praticada na agricultura. S. Jerónimo (342-420) conta que na
sua época era vulgar emprestar-se dinheiro a 50% ao ano e 25%, já era ser benemérito.
Com
o declínio das cidades, após a queda do Império Romano, a usura perde peso, em
virtude da consequente fragilidade do comércio.
Platão,
filósofo grego, não aceitava o empréstimo na sua República; não o fazia por
razões éticas, mas apenas por reprovação
das actividades vis e pelo orgulho
de Atenas. Aristóteles é ainda mais agressivo – segundo ele, o juro é
incompatível com a natureza do dinheiro, porque uma moeda nunca dá origem a
outra moeda: «nummus non nummum parit», que
significa que «uma moeda nunca engendra
outra». Assim, o dinheiro é apenas um meio de troca e nunca uma mercadoria
porque se fizer deste uma mercadoria, inverte-se a sua essência. Por isso, a usura era rejeitada à partida.
Aristóteles partia do pressuposto, que havia actividades honrosas – guerreiros
e terratenentes –, actividades vis – o comércio, que era próprio dos Metecos e
Ilotas.
Os
cristãos não podiam aceitar esta moral de classe; por isso, ajudaram a
humanizar a sociedade da época, considerando que a usura era um meio de opressão do seu semelhante.
Os
livros do Antigo Testamento ajudaram à condenação da usura – o Levítico, capitulo 35, versículos 35-37 – e o livro do
Deuteronómio. O livro do Deuteronómio admitia o empréstimo a juros a estranhos.
Os rabinos, por seu lado, diziam que o juro era inaceitável entre os Judeus.
Os
Padres da Igreja – figuras proeminentes nos primeiros séculos do Cristianismo –
puseram em destaque o Novo Testamento, para condenar deste modo a usura, baseando-se no Evangelho de S.
Lucas, capítulo 6º, versículo 35 que refere o seguinte: «Emprestai sem nada
receber em
troca.» Segundo Santo Ambrósio, apoiando-se no Livro de
Tobias do Antigo Testamento, «Tobias enquanto foi rico, emprestou a toda a
gente e, quando caiu na miséria, não pediu nada a quem tinha emprestado.»
Santo
Agostinho considerou a usura como
roubo constante. Os Padres da Igreja condenavam primordialmente a usura repressiva e também o chamado empréstimo de consumo – isto é aquele
que se faz para sobrevivência física ou moral – porque a usura opressiva faz com que um fique mais pobre e o outro cometa um
pecado e consequentemente, aumenta a riqueza. Na Idade Média – período que
decorre do século V ao século XV – endureceu a posição da Igreja em relação à usura. A terra e a agricultura constituíam,
nesse período, a riqueza por excelência. Por outro lado, a economia fechada usa
pouco o crédito, existindo este somente para fazer face a catástrofes – pestes,
fomes e epidemias -, originando durante a Idade Média o empréstimo de consumo.
A
esse propósito surgem duas correntes culturais que se afirmam: a primeira
fechada e do tipo rigorista deriva da economia agrária; a segunda, por seu
lado, surge mais sensível às condições do tempo tornando-se, perante o
empréstimo a juros mais tolerante e mais moderna. A primeira corrente é
fundamentada nos «Decretos» de
Graciano e nas «Sentenças» de Pedro
Lombardo e refere o seguinte: «Emprestar uma soma de dinheiro sobre uma
mercadoria reembolsável no futuro, sabendo que o que ela dá mais é usura, todo
o empréstimo é um roubo sem apelo nem agravo.» Graciano chama à usura lucro torpe, o qual todo o
cristão deve evitar. Segundo Pedro Lombardo: «(…) se o juro é um roubo,
emprestar nessas condições é violar o 4º mandamento que diz, não roubarás.»
São
Tomás de Aquino, apresenta as seguintes condições segundo a sua opinião: 1º
-Qualquer actividade tem que ter utilidade social inequívoca; 2º -Que o lucro
que provém das actividades seja moderado; 3º- Que o lucro seja o prémio de um
trabalho e do risco da iniciativa.
O
empréstimo a juros dentro desta última condição continua a ser imoral, porque o
dinheiro em si é estéril, segundo São Tomás de Aquino. Emprestar o que não faz
falta corresponde ao apego aos bens materiais e é falta de caridade.
São
Bernardino de Siena apresenta uma posição diferente da usura, dando-lhe o seu aval. Quem transforma, compra e vende,
despende trabalho, energia e tempo, é justo que retire lucro desse esforço. Por
outro lado, o comércio liberta a sociedade das pestes, da fome e da guerra; por
isso é uma actividade legítima.
No
século XV, uma cultura nova criava novas necessidades a que os comerciantes
procuravam responder. Assim, se ia apagando a fronteira entre o lucro legítimo
e a usura. Certas práticas
condenadas eram agora aceites. Apesar desta supremacia do comércio, a oposição
à usura vai prolongar-se até ao
século XIX, vindo somente a ser aceite em pleno século XX.
Hoje,
a usura está de novo na ordem do
dia?
Talvez,
uma vez que o crédito malparado não pára de crescer, em parte consequência dos
lucros fabulosos da banca, em detrimento da miséria de milhares de portugueses.
É o capitalismo sem rosto no seu melhor!
Os
transmontanos para fazer face às dificuldades actuais, terão de recorrer ao
tradicional comunitarismo ou partir de novo em diáspora, a fim de superar a
incompetência daqueles que nos desgovernam.
O
autor
Luís Dias de Carvalho, Professor de História
do Ensino Secundário, concluiu
em Março de 1999, a
parte curricular do Mestrado em História das Populações, na Universidade do
Minho. Assinou um artigo, na Revista de Outeiro Seco da Casa da Cultura de
Outeiro Seco, no ano de 1990, com o título: «A Igreja Românica de N.ª Senhora
da Azinheira». No ano de 2004 na publicação – «Valores para a Educação»,
organizada por Carlos Fernandes Maia e promovida pelo Sindicato Nacional de Professores
Licenciados, assinou um artigo intitulado: «Património Cultural na Educação: O
Culto Moderno aos Monumentos». Em Setembro de 2008 publicou o livro intitulado:
«Tecelagem Flaviense».
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